Red Sox-Yankees. Um insulto à pontualidade britânica
Foi o primeiro jogo da Major League Baseball realizado em Inglaterra. Os bilhetes esgotavam em minutos assim que abria uma nova fase de venda, a expectativa era enorme e os responsáveis queriam saber se havia margem para alcançar o mesmo tipo de sucesso que a NBA e a NFL conseguem anualmente em Londres.
O jogo não podia ter sido mais bem escolhido. A rivalidade entre Red Sox e Yankees é centenária e toda a estratégia de promoção da jornada dupla no Estádio Olímpico de Londres, atual casa do West Ham, assentou neste fator: velha rivalidade, novo palco. O que os ingleses não estavam à espera é que o inédito primeiro encontro fosse tão… contrário aos hábitos britânicos.
Primeiro, a temperatura. A onda (tsunami?) de calor que se alastrou pela Europa chegou a Londres e deixou a capital britânica a sofrer com 36 graus ao sol, no sábado. Pouco habituados a esta temperatura nestas latitudes, os adeptos reagiram como puderam. Cortou-se na roupa, aumentou-se o consumo de líquidos (com a cerveja em plano de destaque) e no pré-jogo até houve quem tenha aproveitado o pequeno canal nas imediações do estádio para fazer um piquenique à sombra das árvores.
Depois, a pontualidade. O programa do jogo estava pensado ao pormenor. Havia hora marcada – e anunciada – para os aquecimentos dos Red Sox e dos Yankees, para um espetáculo musical com Tom Walker, para a cerimónia dos hinos, para o primeiro lançamento cerimonial e, claro, para o início do jogo. Pelo meio, até houve espaço para uma aparição de Harry e Meghan Markle que levou os quase 60 mil espetadores ao rubro. E, sem falha, às 18h10 jogo começou.
Podíamos dizer que o basebol é diferente de tudo aquilo a que os europeus estão habituados nos seus desportos: não tem cronómetro e é impossível prever quanto tempo demorará. Mas não é verdade. Afinal, dois dias depois ia começar o torneio de Wimbledon, onde não é assim tão raro que um jogo se arraste durante horas. No basebol, não é diferente. Sobretudo quando estão frente a frente Red Sox e Yankees.
O que se passou no Estádio Olímpico atingiu proporções diferentes. O primeiro inning, com uns surpreendentes seis pontos para cada lado, que promoveram um carrossel de emoções entre adeptos dos dois lados, demorou 48 minutos. Pareceu a primeira parte de um jogo do West Ham com uma interrupção demorada por lesão. Até aí tudo bem. Mas faltava mais… muito mais.
O jogo demorou quatro horas e quarenta dois minutos. Assim mesmo, por extenso, para não fugir à dimensão do fenómeno. Está longe, muito longe, das mais de sete horas do jogo três da última World Series, com os Red Sox em campo, mas ficou a apenas três minutos do jogo mais longo na história da rivalidade (excluindo aqueles que foram a extra innings).
O prolongar do jogo levou a que os adeptos fossem alertados pelo speaker do estádio para o facto de nem todos os comboios de regresso a casa terem horários tão tardios. Por causa disso ou não, não há dúvida de que as bancadas do estádio já tinham muitas clareiras quando, de facto, o jogo terminou com o triunfo dos Yankees por… 17-13.
O espetáculo não desiludiu mas foi agridoce. A elevada temperatura que se registou durante todo o jogo tornou a experiência mais desagradável e era impossível não fugir pelo menos durante alguns minutos à bancada e ir dar uma volta no anel exterior do estádio, onde havia lojas de merchandising e barraquinhas de comida. Era o intervalo perfeito para um jogo em que a vantagem dos Yankees, que chegou a ser de 17-6, retirava qualquer tensão adicional.
Foi o que fizemos. Com o sofrimento térmico a aumentar e perante o desnível no marcador, decidimos sair da bancada durante uns momentos. Cá fora havia uma brisa agradável e um ecrã gigante a passar o jogo. As filas, pelo menos para a loja, eram eternas, e estivemos perto de uma hora até chegar a nossa vez. Daí seguimos para um enorme cachorro-quente e, divididos perante a possibilidade de também irmos embora, escolhemos regressar à bancada mas para um lugar mais próximo da ação. Pelo menos por alguns minutos.
Já se tinha ido tanta gente embora que não houve qualquer dificuldade. E fomos recompensados. Os Red Sox começaram a reagir nos últimos innings e, apesar da derrota por quatro pontos, chegaram a ameaçar o empate perto do fim. No fundo, depois de um longo intervalo, fomos recompensados por resistir. Ficou a sensação de termos visto dois jogos completamente diferentes. Num primeiro, que até começou bem, houve um aumento de desinteresse prolongado até não restar quase nada, até para adeptos dos Yankees. No segundo, a tendência foi oposta, acabando por fechar com chave de ouro o primeiro jogo de basebol em Londres.
Notou-se o esforço da MLB para mostrar o melhor que o basebol tem para oferecer, dentro e fora da ação, conglomerando tradições de várias das equipas. Houve o transversal «Take me out to the ball game», o típico dos Red Sox Sweet Caroline de Neil Diamond, a corrida de mascotes gigantes dos Washington Nationals (costuma ser com antigos presidentes mas neste caso foi ganha por Freddie Mercury) e até o famoso sprint de Freeze dos Atlanta Braves, em que um adepto parte com uma vantagem de uns bons metros e acaba quase sempre por perder. Desta vez, porém, ganhou, para gáudio dos quase 60 mil espetadores.
Nem mesmo a tentativa de integrar todos os adeptos, até os mais curiosos, esteve ausente. Durante as cerimónias pré-jogo, o speaker alertou: «Lembrem-se: se tiverem a sorte de agarrar uma bola durante o jogo, podem ficar com ela!». Nós ficámos com uma… comprada na loja. Não foi a mesma coisa, mas a intenção é que conta.