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É Desporto

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04 de Junho, 2019

Christie Rampone. Jogar para lá dos 40 anos

Rui Pedro Silva

Christie Rampone na despedida

Participou em quatro fases finais com os Estados Unidos mas não esteve sempre na linha da frente (61% dos jogos). Despediu-se em 2015, com 40 anos e 11 dias, a erguer o troféu mais importante do mundo. Foi a saída de cena perfeita.

 

Escolher quando é hora para parar é capaz de ser o maior dilema de uma pessoa que pratique desporto de forma profissional. Por um lado, ninguém quer passar pela vergonha de se arrastar eternamente por uma modalidade, envergonhando a imagem que exibiu outrora. Por outro, muitos não resistem ao pânico de sentir que não há nada do outro lado da porta. A reforma, numa idade tão nova – para o resto do cidadão comum – é uma incógnita insuportável, especialmente para quem, muitas vezes, acha que não sabe fazer outra coisa.

 

Estar do lado de lá é, muitas vezes, uma provação difícil de contar. Recentemente, por exemplo, Jason Witten decidiu regressar aos Dallas Cowboys aos 36 anos, depois de se ter retirado durante uma temporada para fazer comentário desportivo na televisão. O passado mostra que não é um exclusivo do futebol americano (alguém consegue esquecer as duas «reformas» de Michael Jordan?) ou dos Estados Unidos (Johann Cruijff e Paul Scholes estão entre as figuras do futebol europeu que decidiram voltar atrás na palavra).

Michael Jordan acabou a carreira (de vez) em Washington

Christie Rampone chegou a 2015 sem se reformar. Nasceu a 24 de junho de 1975, na Florida, e cresceu numa altura em que ainda nem sequer havia seleção de futebol nos Estados Unidos (primeiro jogo só aconteceu quando já tinha dez anos). Sem uma paixão declarada, praticou quatro desportos na escola secundária: futebol, basquetebol, atletismo e hóquei em campo.

 

Quando passou para a universidade, esqueceu as últimas duas mas juntou-lhe o lacrosse. Por esta altura, o futebol ia ganhando cada vez mais protagonismo e em 1997, finalmente, estreou-se pela seleção norte-americana.

 

A primeira de cinco fases finais foi em 1999, ganha em casa pelos Estados Unidos. Nos seis jogos disputados, Rampone só participou num: o último da fase de grupos, contra a Coreia do Norte. Com os Estados Unidos a vencer por 2-0, a central entrou aos 73 minutos e conseguiu a estreia nos grandes palcos. Aqueles 17 minutos foram suficientes para dizer, com orgulho, que contribuiu ativamente para a conquista do título.

 

Os anos que se seguiram promoveram um aumento da influência de Rampone nas provas mais importantes. Em 2003 subiu a fasquia para quatro jogos, e em 2007 e 2011 participou em todos os seis que os Estados Unidos disputaram na prova. O denominador comum? O título fugiu sempre.

 

Quando a campanha dos Estados Unidos na fase final de 2015 arrancou, Christie Rampone tinha 39 anos e 349 dias. Não saiu do banco contra a Austrália. Quatro dias depois, contra a Suécia, mais do mesmo. Por fim, contra a Nigéria, tal como em 1999, teve a sua oportunidade no jogo que encerrou a fase de grupos. Entrou aos 80 minutos com o resultado (1-0) já feito. Tinha 39 anos e 357 dias.

 

Título mundial chegou na última oportunidade

A fase a eliminar retirou espaço de manobra a Rampone. A dois dias de celebrar os 40 anos, viu de fora a vitória sobre a Colômbia nos oitavos. Dois dias depois dos 40 anos, voltou a não entrar, nos quartos, no 1-0 à China. O triunfo sofrido com a Alemanha nas meias-finais (2-0 com golos aos 69’ e 84’) também não promoveu a participação de Rampone.

 

Sobrava a final. Em Vancouver, a 5 de julho de 2015, Rampone tinha 40 anos e 11 dias. Se entrasse, não seria apenas a mais velha de sempre a disputar uma final, seria também a mais velha de sempre numa fase final de futebol feminino.

 

O Japão era um adversário perigoso – a desilusão da derrota nos penáltis na edição de 2011 permanecia viva – mas as norte-americanas sentenciaram o encontro em 16 minutos com quatro golos, três deles de Carli Lloyd. As nipónicas ainda reagiram com dois golos mas o 5-2 de Heath aos 54’ acalmou até os mais nervosos.

 

Era a oportunidade perfeita para Christie Rampone. A selecionador Jill Ellis sabia disso e guardou as substituições para o final. Primeiro, aos 79 minutos, permitiu a Abby Wambach despedir-se em campo. Depois, aos 86’, lançou a quarentona para o lugar da avançada Alex Morgan. A eterna capitã estava em campo, praticamente em cima do final do jogo, e preparava-se para erguer o troféu dali a nada.

 

Tinha 40 anos e 11 dias e acabara de vencer o segundo Mundial da sua carreira, 16 anos depois do primeiro. Era a única resistente da geração de 1999 que conquistou os Estados Unidos e seduziu milhares de raparigas para começar a praticar futebol. Por todo o mundo.

 

Em Vancouver, no extremo oposto da América do Norte de onde tinha nascido, Rampone fez história e escreveu a última frase da sua carreira. Sem arrependimentos. Tinha 311 jogos pela seleção, era tricampeã olímpica e tinha ainda uma medalha de prata. Vencera dois Mundiais, conquistara um segundo lugar e dois terceiros.

 

Não houve incerteza. Estava na hora de dizer adeus e a incógnita era nula. Despedia-se como recordista e, mesmo que quisesse, não valeria a pena continuar. Para quê estragar um fim perfeito? Ao contrário de muitos antes e depois dela, soube sair num ponto alto. Guardou-se para aquele dia e foi recompensada.