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É Desporto

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17 de Maio, 2019

Elena Danilova. A goleadora precoce em fases finais

Rui Pedro Silva

Elena Danilova em 2005

Tinha 16 anos e 107 dias quando marcou à Alemanha, futura campeã mundial, a 2 de outubro de 2003, em Portland. O golo nos quartos-de-final serviu de pouco (as germânicas venciam 4-0 e estavam a caminho da maior goleada da prova – 7-1) mas permitiu à adolescente entrar na história: nunca alguém tão novo tinha marcado num Mundial de futebol feminino.

 

Quando Elena nasceu a 17 de junho de 1987, ainda havia União Soviética e a FIFA estava apenas a pensar em organuzar oficialmente um Mundial de futebol feminino. Os planos para a edição inaugural já estavam em andamento, com a preparação de um teste na China em 1988, mas João Havelange, Sepp Blatter e restantes estavam longe de imaginar o sucesso que a prova alcançaria.

 

Em 2003, disputava-se a quarta fase final da história e, pela segunda vez, a Rússia tinha garantido o apuramento. Com um sorteio amigável, terminou o grupo D na segunda posição, atrás da China mas naturalmente à frente do Gana e da Austrália, duas equipas historicamente mais vulneráveis.

 

Elena Danilova tinha sido convocada para a fase final mas assistiu aos três jogos (2-1 vs. Austrália, 3-0 vs. Gana e 0-1 vs. China) do banco de suplentes, sem nunca merecer a confiança do selecionador Yuri Bistritskiy.

 

Nos quartos-de-final, a adversária era a Alemanha. A equipa de Prinz e companhia era uma das maiores favoritas à conquista da prova e a Rússia não tinha argumentos. Apesar de ser um encontro da fase a eliminar, o 7-1 final foi uma das duas maiores goleadas da prova, a par com o Noruega-Coreia do Sul (também 7-1), na fase de grupos.

 

A experiência germânica assustava. Além de Birgit Prinz havia também, por exemplo, Bettina Wiegmann, a alemã que esteve na fase final de 1991, numa altura em que Elena tinha apenas quatro anos.

 

A diferença de valores era enorme mas ao intervalo a Alemanha ainda só vencia por 1-0, com um golo de Mueller aos 25 minutos. Bistritskiy não estava satisfeito e, depois de ter lançado Denchtchik no lugar de Svetlitskaya aos 34 minutos, optou por estrear Danilova ao intervalo, substituindo Letyushova.

 

Elena Danilova não fez história assim que entrou. Com 16 anos e 107 dias, não conseguiu ser a mais nova de sempre a jogar numa fase final: essa distinção pertencia à nigeriana Ifeanyi Chiejine (16 anos e 34 dias) desde um Nigéria-Coreia do Norte a 20 de junho de 1999. Mas a história estava à sua espera.

 

A Rússia não teria hipóteses: a Alemanha marcou novamente aos 57’, 60’ e 62’, acabando de vez com a incerteza no vencedor do encontro, mas Danilova coroou a sua estreia com um golo aos 70 minutos e tornou-se, numa marca que mantém até hoje, a jogadora mais jovem da história a marcar numa fase final de um Mundial de futebol feminino.

 

O 7-1 final não apagou o brilho do momento de Danilova. Sem grande tradição no futebol feminino, a Rússia não mais voltou a participar numa fase final, por isso aquele golo continua a ser até hoje o último da seleção numa fase final.

 

O talento precoce de Danilova foi confirmado nos anos seguintes. Em 2005, conduziu a Rússia ao título europeu de sub-19 numa prova em que juntou o troféu de melhor jogadora ao de melhor marcadora, com nove golos. Coletivamente, no entanto, o sucesso pela seleção acabou aí.

 

Com 12 golos em 34 jogos pela seleção principal, Danilova não conseguiu contribuir para que a Rússia voltasse a marcar presença numa fase final.

16 de Maio, 2019

Mundial-2003. Uma fase final de improviso

Rui Pedro Silva

EUA repetiram organização

Organização tinha sido atribuída à China mas uma epidemia de pneumonia atípica obrigou a uma rápida mudança de planos quatro meses antes do arranque da prova. Com a experiência e vastos recursos de 1999, os Estados Unidos acolheram a fase final pela segunda edição consecutiva. Foi uma versão alternativa – com menos pompa e em estádios mais pequenos – que acabou com o inédito título da Alemanha.

 

«Em 1999, a federação norte-americana de futebol e o comité organizador tiveram quatro anos para se prepararem para o evento. Desta vez, tiveram apenas quatro meses. Tendo isto em conta, podemos claramente classificar este Mundial como um enorme sucesso.» A frase é do presidente da FIFA, Sepp Blatter, e espelha as dificuldades sentidas por todos para organizar um torneio em cima do joelho.

 

Quando se comparam os números absolutos de 2003 com os de 1999 é difícil não sentir que foi um fracasso. Os estádios eram mais pequenos, o número de espetadores sofreu uma redução de 50% e a final teve menos de um terço das pessoas nas bancadas. Mas, de facto, as atenuantes têm de entrar na equação.

 

O Mundial em ponto pequeno e improvisado pelos Estados Unidos foi, na verdade, o segundo com maior assistência. Sim, os 679 mil espetadores estiveram longe dos 1,2 milhões de quatro anos antes, mas chegaram para superar os 510 mil da China em 1991 e os 112 mil da Suécia em 1995. Apesar de haver mais jogos em 2003 do que em 1991, a assistência média por jogo também foi superior: 21 mil contra 18 mil.

 

A fase final em 2003 só foi um sucesso devido à dimensão dos Estados Unidos. Organizar um calendário com sentido foi a maior dificuldade, sobretudo porque a maior parte dos estádios utilizados em 1999 estavam sobrecarregados pela MLS, NFL e por jogos de futebol americano universitário. Além do mais, os responsáveis também temiam que a repetição de um evento, tão pouco tempo depois, pudesse não conseguir o mesmo nível de excitação entre os norte-americanos.

 

As dificuldades burocráticas não se ficaram por aí. Em relação a 1999, os Estados Unidos estavam muito mais fechados ao mundo, consequência do 11 de Setembro, e duas árbitras assistentes nigerianos viram o seu pedido de visto ser negado. Apesar de tudo, o presidente do Comité de Futebol Feminino da FIFA, Worawi Makudi, afirmou que «a qualidade do futebol praticado, sobretudo nas memoráveis meias-finais e final, atingiu níveis nunca antes vistos no futebol feminino».

Alemanha conquistou primeiro Mundial

O título sorriu à Alemanha, que se tornou a primeira nação a juntar o título feminino ao masculino, e foi alcançado de forma histórica: Nia Künzer saiu do banco em cima dos 90 minutos e resolveu no prolongamento, com recurso ao golo de ouro, na final contra a Suécia (2-1).

 

Birgit Prinz, que tinha disputado a final de 1995 com 17 anos, foi a grande figura da prova e brilhou com sete golos e cinco assistências. Outra alemã, Bettina Wiegmann também fez história, juntamente com Sun Yen e Mia Hamm, ao marcar em todas as quatro edições do Mundial.

 

«Ainda temos muito para fazer, mas este Mundial prova uma vez mais, e definitivamente, que o futebol feminino está no caminho certo», garantiu Sepp Blatter.

 

Portugal falhou a qualificação para a fase final depois de ter ficado no último lugar do grupo 4 da UEFA, atrás de Alemanha, Inglaterra e Holanda. A seleção nacional somou quatro pontos, fruto de um empate com a Inglaterra e de uma vitória com a Holanda (2-1), sempre em casa.

15 de Maio, 2019

Brandi Chastain. O soutien desportivo mais famoso da história

Rui Pedro Silva

O festejo emblemático de Brandi Chastain

Foi internacional pelos Estados Unidos de 1988 a 2004. Marcou 30 golos e fez 192 jogos pela seleção. Ganhou dois títulos mundiais e dois olímpicos. E é a autora do momento mais memorável na história das fases finais, quando tirou a camisola após marcar o penálti decisivo que decidiu o desempate na final de 1999 com a China.

 

Hollywood estava a menos de uma hora de viagem mas dificilmente aquele Estados Unidos-China conseguiria vencer o Oscar para Melhor Argumento. O caso mudaria de figura se se juntasse a palavra “Adaptado” à frase.

 

Era julho de 1999 na Califórnia. O Rose Bowl tinha 90 mil pessoas na bancada – nem o presidente Bill Clinton faltou – e Estados Unidos e China estavam a disputar a final do Mundial de futebol feminino. Cinco anos antes, no mesmo mês, no mesmo estádio, com lotação esgotada, Brasil e Itália tinham passado pela mesma experiência.

 

No total, 240 minutos de uma nulidade absoluta. Jogos com poucas oportunidades e zero golos, tanto no tempo regulamentar como no prolongamento. Se Roberto Baggio entrou para a história em 1994, com o famoso pontapé para as nuvens, a estrela de 1999 foi da equipa vencedora: Brandi Chastain.

 

A jogadora tinha 30 anos e estava longe de ser uma das principais estrelas da seleção. Se os Estados Unidos fossem um cruzeiro, Michelle Akers era o teatro e Mia Hamm era a brilhante vista panorâmica. Brandi Chastain seria… a casa das máquinas. Não era pomposa nem se destacava pela espetacularidade, mas garantia que o futebol norte-americano não sentia problemas.

 

No meio-campo, controlava e orientava as tarefas para que nada faltasse a ninguém. E quando cometia um erro, dava a vida para garantir que este não tinha uma consequência negativa. Foi o que aconteceu no jogo dos quartos-de-final com a Alemanha no qual, depois de fazer um autogolo aos cinco minutos da primeira parte, compensou com um golo aos quatro minutos da segunda parte.

 

Na final contra a China, calhou-lhe o remate final no desempate por penáltis. Nove jogadoras antecederam-lhe e oito marcaram: só Liu Ying vacilou no momento da verdade. Era a vez de Brandi Chastain e a esperança de um país inteiro, com milhões a ver pela televisão, recaía sobre o pé esquerdo da jogadora que tinha nascido e crescido na Califórnia.

 

Mais do que nunca, Chastain estava a jogar em casa. Imune à pressão, partiu para a bola, marcou o penálti decisivo e deixou que a loucura tomasse conta do seu corpo. Numa das imagens mais emblemáticas do desporto feminino do século XX, Chastain tirou a camisola e fletiu os músculos, restando-lhe apenas um soutien desportivo preto.

 

O festejo, tantas vezes visto no futebol masculino, surpreendeu naquele cenário. Mas não houve escândalo, nem podia haver. Nada ficou à mostra, tirando o enorme orgulho de ter acabado de oferecer o título mundial aos Estados Unidos.

 

«Foi um instante de loucura, nada mais do que isso. Não estava a pensar em mais nada. Limitei-me a pensar que aquele era o melhor momento da minha vida num relvado», contou. E tinha razão: podia não ser o primeiro título dos Estados Unidos – esse chegou em 1991 – mas foi o primeiro conquistado em casa, num evento que levou mais de um milhão de espetadores às bancadas dos estádios espalhados pelo país.

 

A pressão era sentida por todos. Brandi Chastain tinha tudo para fazer história mas um pontapé mal calculado poderia mergulhar a decisão numa incerteza difícil de digerir. «O estádio estava incrivelmente sossegado. É incrível como mais de 90 mil pessoas conseguiram estar tão caladas: se quisesse, teria conseguido sentir a minha pulsação cardíaca», disse Brandi, anos mais tarde.

 

Meu rico pé esquerdo

Colegas eufóricas com o título

Quem conhecia bem Brandi Chastain, achou aquele momento estranho. Não o festejo em si mas a forma como partiu para a bola e bateu o penálti. «Nunca tinha batido uma grande penalidade com o pé esquerdo num jogo competitivo, muito menos num Mundial», recorda, lembrando a ordem que recebeu do selecionador, Tony DiCicco, para trocar as voltas à guarda-redes chinesa.

 

A paranóia tinha chegado a todos. O selecionador estava preocupado com a quantidade de detalhes que as adversárias sabiam sobre as norte-americanas e decidiu fazer o possível para confundir Gao Hong.

 

E ali estava Brandi Chastain, habituada a rematar com o pé direito, com o penálti decisivo de um Mundial de futebol, a jogar em casa, com 90 mil espetadores nas bancadas, a inverter tudo o que o instinto lhe dizia para rematar com o pé contrário.

 

Aquela não fora a primeira vez que Chastain e Hong estiveram frente a frente. Em 1999, uns meses antes, a jogadora tinha falhado uma grande penalidade. «Ela entrou na minha cabeça e antes de rematar estava mais a pensar no que ela ia fazer do que em mim», contou. Os Estados Unidos perderam.

 

Desta vez, o pé esquerdo fez a diferença e o título foi conquistado. «Agitei aquela camisola no ar uma e outra vez, e deixei-me cair de joelhos festejando o que tínhamos acabado de conquistar. Não fazia ideia qual seria a minha reação: foi um momento verdadeiramente genuíno, uma loucura. Senti um grande alívio e uma grande alegria», disse.

 

A revolta dos conservadores

 

O festejo de Chastain não agradou a gregos e troianos. Nem mesmo a todos os norte-americanos. Como seria de esperar, num país como os Estados Unidos, a celebração foi escrutinada ao pormenor e as críticas surgiram.

 

Chastain não quis saber. «Há sempre alguém que pergunta por que foi assim e diz que foi uma falta de respeito», afirmou, garantindo que até foi bom que tivessem surgido: «Deram-me uma nova plataforma para contar ao mundo aquilo que o futebol me tinha dado».

 

As declarações que faz à BBC durante esta entrevista em 2014 não deixam dúvidas: «Há algo de primário no desporto que não ocorre em mais lado nenhum. Quando se tem um momento destes, em que se decide um Mundial, tens o direito de libertar o sentimento e a emoção que não existem noutros cenários».

 

O festejo de Chastain – e todo o burburinho que provocou – acabou por servir como a cereja no topo do bolo mediático que a fase final dos Estados Unidos foi. Concretizando as profecias de Sepp Blatter e de muitos membros da FIFA, o futebol feminino estava vivo e conquistava gente a cada dia que passava.

14 de Maio, 2019

Quando o Coventry apanhou o metro para fugir ao trânsito e ganhou um jogo

Rui Pedro Silva

Adebola foi o herói dentro de campo

Londres, 25 de novembro de 2006. O Queens Park Rangers recebe o Coventry City num jogo a contar para o Championship mas o trânsito londrino ameaça transformar a viagem até ao Loftus Road Stadium um pesadelo.


Com o relógio a avançar sem contemplações e a hora do jogo cada vez mais próxima, a equipa decide adotar uma solução invulgar. «Comprámos 23 bilhetes de ida na estação de metro de Hanger Lane. Fomos um pouco gozados por adeptos do West Ham e do Fulham, mas o nosso invulgar herói foi o Jay Tabb. Ele sabia que tínhamos de mudar em Hammersmith para depois acabar em Shepherd’s Bush», disse o treinador Mickey Adams.


A solução foi melhor do que continuar no autocarro mas ainda assim os jogadores só conseguiram chegar ao estádio 40 minutos antes do apito inicial. Sem tempo para a habitual preleção e com um aquecimento literalmente a correr, os jogadores do Coventry aproveitaram esta iniciativa excêntrica para surpreender o QPR e vencer por 1-0, graças a um golo de Dele Adebola.


«Os adeptos que viajaram connosco nem conseguiam acreditar. Isto prova que toda aquela conversa antes do jogo é uma treta», acrescentou Adams. O herói Jay Tabb, por outro lado, contribuiu com o que tinha a contribuir através do conhecimento do metro de Londres, uma vez que ficou de fora do jogo.


«Fiquei com um bocado com pena dele. Ajudou-nos e depois nem sequer o pus a jogar», afirmou Mickey Adams no final de um encontro com 12840 espetadores que, na sua esmagadora maioria, chegaram a horas.

14 de Maio, 2019

Sun Yen. A sensação chinesa que seduziu o resto do mundo

Rui Pedro Silva

Sun Yen em baixo à esquerda

Foi o símbolo da China no Mundial-1999. Ajudou a equipa a atingir a final e despediu-se com sete golos (o máximo na prova) e com o título de melhor jogadora. Foi insuficiente para garantir o título contra os Estados Unidos, mas os norte-americanos não se esqueceram dela: no ano seguinte, foi a primeira escolha do draft do novo campeonato.

 

«O melhor momento da minha carreira foi a final do Mundial-1999. O Rose Bowl estava cheio de gente [90 mil pessoas]», disse Sun Yen, anos mais tarde. Para a chinesa de 162 centímetros, outrora desmotivada por um treinador que lhe disse que nunca conseguiria ser jogadora, quando ainda era adolescente, a fase final daquela prova nos Estados Unidos foi a consagração do maior talento que a China já viu no futebol.

 

Filha de um jogador e acérrimo fã de futebol, começou a ver jogos desde pequena e não perdeu tempo para começar a jogar. Mas, um dia, em Xangai, um treinador foi cruel e disse-lhe que não tinha futuro. «Vi aquilo como uma motivação. Procurei outra equipa e o novo treinador disse-me que se treinasse muito, poderia tornar-me uma boa jogadora.»

 

Sun Yen tinha 17 anos e estávamos em 1990. Um ano depois, fazia parte da seleção chinesa no primeiro Mundial da FIFA. O fenómeno estava apenas a começar. Yen fez um golo no Mundial-1991, dois no Mundial-1995 e foi medalha de prata nos Jogos Olímpicos de Atlanta, em 1996.

 

Mas nenhum outro momento foi tão importante e marcante como a participação no Mundial-1999. Não só a China atingiu a final, perdida no desempate nas grandes penalidades para os Estados Unidos, como Sun Yen brilhou com sete golos e o título de melhor jogadora.

 

Nessa altura, apenas Michelle Akers tinha mais golos do que ela em fases finais da prova. Nessa altura, todos os norte-americanos sabiam quem era e invejavam-lhe os atributos. Não foi por acaso, portanto, que no final de 2000 a chinesa tenha sido a primeira escolha do draft da nova liga profissional norte-americana. Curiosamente, foi escolhida pelas Atlanta Beat, equipa da cidade que a tinha visto vencer a medalha de prata quatro anos antes.

 

Os problemas físicos impediram-na de dar um contributo sério, ao seu nível. «Infelizmente só vimos fogachos da sua qualidade porque foi obrigada a lidar com dores no joelho durante este tempo. Com a Sun Wen era mágico, simplesmente mágico. Nunca esquecerei algumas das coisas que fez, e quantas vezes nos deixou a todos no treino a pensar que nunca tínhamos visto algo assim», disse o treinador Tom Stone.

 

Nas palavras da selecionadora Ma Liangxing, Sun Yen era especial. Quão especial? «Era como Maradona, não só marcava como criava oportunidades. E tinha o remate e o passe longo do Figo e a visão de jogo de Zidane», afirmou, sem contemplações.

Sun Yen no Mundial-1999

O adeus aos grandes palcos deu-se no Mundial-2003, novamente nos Estados Unidos. Marcou o último golo da sua carreira em fases finais e a China não foi além dos quartos-de-final. Por esta altura, já tinha sido considerada a melhor jogadora do século pelo voto popular organizado pela FIFA, tal e qual como Maradona. O seu Pelé foi Michelle Akers, a norte-americana que reuniu as preferências dos votos dos especialistas.

 

Com 106 golos em 152 jogos pela China, Sun Yen deixou saudades. «O futebol é apenas um jogo e a vida deve continuar», afirmou, reconhecendo que foi difícil ser jogadora de futebol profissional na China, porque havia tempo para mais nada.

 

A nova vida – que incluiu uma breve reaparição – seria sempre complicada: «Vou sentir-me triste porque é algo que faço há 18 anos. Casei-me com o futebol e vou precisar de algum tempo para me habituar a uma vida diferente».

 

Sun Yen continua a ser um símbolo do futebol chinês e referência máxima da competição de 1999. «Houve alguém que me perguntou se seria capaz de encontrar uma nova Sun Wen. Disse que era impossível. Não se pode ensinar alguém a ser um talento. É preciso que apareça», afirmou Ma Liangxing.

 

Yen era especial. Foi a única chinesa a disputar os primeiros quatro Mundiais e provou a importância de treinar e acreditar no talento próprio, mesmo quando todos à volta parecem desconfiar dele.

13 de Maio, 2019

Mia Hamm. Um nome incontornável dos Estados Unidos

Rui Pedro Silva

Mia Hamm era a goleadora de serviço

É impossível falar do Mundial de 1999 organizado pelos Estados Unidos sem referir o nome de Mia Hamm. Na altura com 27 anos, a jogadora que nasceu em Selma, no Alabama, sete anos depois da famosa marcha pelos direitos civis, era o corpo e a alma da seleção.

 

Campeã mundial em 1991 com 19 anos, na altura a jogar numa zona mais intermediária do terreno, Mia tinha acordado para o futebol ainda antes dos dois anos de vida. Obrigada a percorrer o mundo inteiro por causa da família, vivia a saltar entre bases aéreas dos Estados Unidos. Ainda antes de cumprir o segundo aniversário, em Florença, viu um pai e um filho a correr atrás de uma bola e fez o mesmo.

 

Mia encontrou o seu destino. Tinha o pé chato e usava uma bota ortopédica mas nada a iria impedir de fazer do futebol a sua vida. Com benefícios para todos, diga-se. Com cinco anos, no Texas, entrou pela primeira vez para uma equipa de futebol e a carreira universitária, ao serviço das North Carolina Tar Heels, foi tão impactante que perdeu apenas um dos 95 jogos que fez em cinco anos. Sem surpresa, foi quatro vezes campeã universitária e acabou nomeada a melhor atleta feminina que a divisão já tinha visto. O melhor atleta masculino? Michael Jordan.

 

A estreia pelos Estados Unidos teve tanto de importante como de trágico. Tinha 15 anos, estávamos em 1987, e ia assumir-se como a mais jovem de sempre a representar o seu país. Mas, no mesmo fim-de-semana, o avô e o tio morreram num acidente de aviação.

 

O simbolismo do evento não a afetou. Em 1991, na preparação para o primeiro Mundial feminino organizado pela FIFA, decidiu não jogar pelas Tar Heels de forma a garantir que nada falhava na preparação. Por essa altura, e depois de precisar de 17 jogos pelos Estados Unidos para marcar pela primeira vez, já começava a exibir a sua veia goleadora.

 

De avançada a… guarda-redes

Mia Hamm durante os festejos

Mia Hamm estreou-se em fases finais do Mundial a jogar no meio-campo mas não foi preciso esperar muitos anos até se assumir como avançada. E uma das melhores de sempre. Contudo, teve ocasiões para experimentar de tudo.

 

No Mundial da Suécia, em 1995, foi a solução encontrada para jogar como guarda-redes depois da expulsão de Briana Scurry. Os Estados Unidos venciam a Dinamarca por 2-0 e o relógio marcava 88 minutos. O risco não era grande mas Hamm correspondeu e garantiu a vantagem até ao apito final.

 

Quatro anos depois, chegou finalmente a temporada que iria eternizar Mia Hamm como uma das melhores de sempre. Logo em janeiro, num encontro particular contra… Portugal, a jogadora marcou e tornou-se a norte-americana mais goleadora da história, superando Michelle Akers. Em maio, já em vésperas da fase final, fez ainda melhor e tornou-se a jogadora com mais golos por uma seleção em todo o mundo: o golo ao Brasil, em Orlando, foi o seu 108.º, deixando a italiana Elisabetta Vignotto para trás.

 

O momento mais glorioso foi, ainda assim, no Mundial que os Estados Unidos organizaram. O segundo título mundial da sua carreira chegou apenas no desempate por grandes penalidades, depois de um 0-0 com a China. Mia Hamm, que marcou dois golos durante a prova, não vacilou no seu pontapé dos onze metros e contribuiu para a vitória final.

 

Os 120 minutos de futebol a meio da tarde na Califórnia passaram, contudo, uma fatura pesada. Mia ficou num estado grave de desidratação e desmaiou no balneário, forçando a equipa médica a abrir um acesso intravenoso para lhe dar três litros de fluido. A recuperação foi progressiva. Nas primeiras horas, Hamm não conseguia comer, beber nem falar e só começou a melhorar depois de dormir 12 horas consecutivas.

 

A recompensa foi grande. Internacional até 2004, despediu-se com dois títulos olímpicos e dois títulos mundiais. Esteve em quatro fases finais e, juntando Mundial a Jogos Olímpicos, registou 14 golos em 42 jogos. Até 2013 manteve-se como a recordista de golos pela seleção (158 em 276 jogos) e a nível pessoal conquistou duas vezes o título de melhor jogadora do mundo para a FIFA (2001 e 2002).

 

O currículo é riquíssimo e o seu caráter pioneiro também foi destacado: foi a primeira mulher a entrar para o World Football Hall of Fame.

12 de Maio, 2019

Ifeanyi Chiejine. A mais nova de sempre num Mundial

Rui Pedro Silva

Ifeanyi Chiejine é a primeira em baixo do lado direito

O futebol feminino, na sua essência, sempre foi propenso a utilizar jogadoras muito novas. Desde as equipas das fábricas durante a Grande Guerra até às primeiras décadas da disseminação do futebol por toda a Europa, a partir dos anos 70, não é raro encontrar jogadoras com 14 anos acabados de fazer a dar os primeiros passos e a assumirem-se como futuras referências.

 

Em 1999, por outro lado, o futebol feminino era cada vez mais uma realidade. Havia cada vez mais jogadoras profissionais, os modelos de competição eram cada vez mais sérios e o desporto deixou de ser visto como algo que as adolescentes podiam fazer até encontrar a sua razão de viver, como casar e ter filhos.

 

Quando os Estados Unidos organizaram o Mundial em 1999, as médias de idades eram cada vez mais… adultas. Mas havia seleções aqui e ali que iam escapando à tendência e apresentavam jogadoras muito novas. Longe dos 13 e 14 anos das suas antepassadas mas, ainda assim, com idade para jogar nos escalões jovens.

 

Como acontece no futebol masculino, também no futebol feminino as equipas africanas surgiam em lugar destaque na apresentação de jogadoras mais jovens do que o habitual. Aqui, contudo, não era uma questão de suspeição. Para todos os efeitos, a competição era de futebol sénior e interessava pouco confirmar a cédula de nascimento.

 

A Nigéria surgiu com Ifeanyi Chiejine (em baixo à direita na imagem no topo) no plantel e ajudou a fazer história nas fases finais, com um recorde que se mantém até hoje. Quando a seleção africana começou os trabalhos de preparação para o Mundial, Ifeanyi ainda nem sequer 16 anos tinha, mas a estreia na competição, contra a Coreia do Norte, a 20 de junho, aconteceu aos 16 anos e 34 dias.

 

A jogadora, atacante, foi titular e jogou os primeiros 70 minutos, num momento em que a Nigéria vencia por 1-0 – no final ficou 2-1. A estreia não podia ter sido mais simbólica: foi no Rose Bowl, em Pasadena (arredores de Los Angeles), e com mais de 17 mil pessoas nas bancadas.

 

Chiejine manteve-se no onze para a goleada sofrida diante dos Estados Unidos (1-7), sendo substituída logo aos 43 minutos, e para a vitória épica diante da Dinamarca (2-0), jogando 81 minutos. O triunfo sobre a rival europeia garantiu o apuramento inédito para a fase a eliminar, continuando a ser até hoje a única vez em que a Nigéria superou a fase de grupos.

 

Na despedida da seleção, nos quartos-de-final, num jogo emocionante que só foi decidido com um golo de ouro (4-3 para o Brasil), a história foi semelhante. Chiejine foi titular mas na altura das substituições foi logo escolhida para sair, jogando apenas 26 minutos, período durante o qual o Brasil marcou dois golos.

 

Nascida a 17 de maio de 1983, atualmente com 35 anos, Chiejine manteve-se entre as eleitas da Nigéria e jogou também as fases finais de 2003 e 2007, além dos Jogos Olímpicos de Sydney-2000 e Pequim-2008.

 

Michael Owen como referência

Ifeanyi Chiejine contra a Coreia do Norte... em 2003

 

Chiejine estreou-se numa fase final um ano depois de Michael Owen ter conquistado o mundo com a sua velocidade no França-1998. Para a nigeriana, o avançado do Liverpool era a grande referência. Com cinco irmãs e três irmãos, Chiejine encontrou no futebol o seu passatempo preferido e começou a jogar com dez anos, conquistando quem quer que a visse em ação.

 

As suas características impressionavam. Rápida, ágil, com técnica suficiente e capacidade para desequilibrar na finalização. Famosa no futebol nigeriano, foi sem surpresa que chegou à seleção, mesmo numa idade tão jovem.

 

«Ela tem velocidade, consegue driblar e é muito tenaz com a bola. Não é algo que se possa dar como garantido», disse o selecionador Sam Okpodu antes da fase final de 2003. Por esta altura, o futebol já não era a sua única preocupação, uma vez que tinha acabado de se formar em Ciência Computorizada e Tecnologia.

 

Mas, claro, o espaço reservado no seu coração ao desporto era garantido, até porque a Nigéria estava na vanguarda do continente: «O futebol feminino veio para ficar. Temos sorte comparadas com outros países africanos. Acredito que temos um nível de jogadoras e treinadores mais alto, um campeonato melhor e uma crença real de que o futuro do futebol é feminino».

11 de Maio, 2019

Alicia Ferguson. O vermelho mais rápido de sempre

Rui Pedro Silva

Reação após a expulsão

Tinha 17 anos quando viajou da Austrália até aos Estados Unidos para representar a seleção no Mundial-1999. No jogo de estreia, contra o Gana, não saiu do banco de suplentes. A seguir, contra a Suécia, voltou a não ser opção para o selecionador Greg Brown. Finalmente, contra a China, a avançada mereceu a confiança e foi titular. Jogou 95 segundos.

 

Estávamos a 26 de junho de 1999, no terceiro e último jogo da fase de grupos. A Austrália ainda não estava eliminada mas, jogando com a China e tendo a Suécia um jogo fácil frente ao Gana, era como se estivesse. Greg Brown sabia disso e aproveitou para promover a estreia de algumas jogadoras.

 

Alicia Ferguson era uma delas. Ali, em East Rutherford, em Nova Jérsia, as bancadas tinham quase 30 mil pessoas, praticamente o dobro dos jogos anteriores. A jogadora de 17 anos praticamente não teve tempo para tocar na bola quando, numa jogada inofensiva da China, decidiu fazer um carrinho violento, atingindo a adversária Bai Jie.

 

A árbitra norte-americana Sandra Hunt não teve dúvidas: vermelho direto. É capaz de ter sido a decisão mais fácil da sua carreira, de tão despropositada e óbvia que a entrada foi. Alicia Ferguson perdeu o controlo e despediu-se do seu primeiro Mundial com apenas 95 segundos jogados.

 

Até sair das quatro linhas, demorou mais de um minuto. A caminhada foi lenta, como se estivesse em transe, como se o seu cérebro ainda não tivesse conseguido processar o que tinha acabado de acontecer. Quando cruzou a linha lateral, já se viam as primeiras lágrimas, mas só depois de ter começado a ser reconfortada pelas colegas e pelos membros da equipa técnica é que se desmanchou num pranto, percebendo que tinha dado cabo da sua estreia numa fase final.

 

Alicia Ferguson anos mais tarde

Hoje, vinte anos depois, Alicia Ferguson está na história: é dela o vermelho mais rápido num Mundial de futebol feminino. Hoje, sabe que pecou por se ter deixado afetar pela situação. «É algo que se aprende com a experiência, não nos deixarmos afetar pela situação. No final, é apenas mais um jogo de futebol. Aprendi isto da pior maneira em 1999, quando me deixei afetar pela situação e fui expulsa logo no início.»

 

A carreira de Alicia Ferguson podia ter ficado manchada mas conseguiu recuperar. Afinal, era vista como uma das mais talentosas do país e tinha sido a mais nova a receber uma bolsa da federação australiana para preparar a presença na fase final.

 

No título continental de 1998, apesar dos 16 anos, tinha contribuído com quatro golos: dois no 21-0 à Samoa Americana e outros dois no 17-0 às Fiji. Na decisiva final, contra a Nova Zelândia, não foi utilizada.

 

Alicia Ferguson aprendeu com os erros e, como veio a dizer anos mais tarde, nada melhor do que a experiência para saber lidar com a situação. Em 2000, ainda adolescente, fez parte da comitiva olímpica e em 2007, já depois de as lesões lhe terem dado cabo de uma fase importante da carreira, voltou a uma fase final de um Mundial.

 

No apuramento, na Taça Asiática, tinha capitaneado a Austrália na campanha que só foi travada nos penáltis da final contra a China – Ferguson não tremeu e marcou o seu. Depois, em 2007, não foi imprescindível mas atuou nos três encontros da fase de grupos: uma vez titular, duas vezes suplente utilizada e… zero cartões vermelhos. Nos quartos-de-final ficou de fora contra o Brasil e viu a Austrália ser eliminada sem nada poder fazer.

10 de Maio, 2019

Mundial-1999. A explosão mediática do futebol feminino

Rui Pedro Silva

EUA-1999 foi um palco de festa

A experiência que os Estados Unidos angariaram com a organização do Mundial-1994 (futebol masculino) foi decisiva para que a fase final de 1999 se assumisse como um sucesso estrondoso. Em nenhum outro país o futebol feminino roubava a atenção dada aos homens e o sucesso alcançado pela seleção foi o mote imediato para que os estádios se enchessem de curiosos.

 

Sim, podia não ser futebol americano. Sim, podia não ser basebol, basquetebol ou hóquei no gelo. Mas o «soccer» estava na moda e ter uma seleção forte, capaz de conquistar o título, era razão mais do que suficiente para que os enormes estádios norte-americanos registassem lotações esgotadas.

 

Se dúvidas existissem, as cerca de 79 mil pessoas que presenciaram o jogo de abertura (Estados Unidos-Dinamarca, 3-0) dissiparam qualquer incerteza. Os números do Mundial-1999 seriam esmagadores. Quatro anos antes, a Suécia havia registado uma lotação total a rondar os 112 mil espetadores e excedera as expectativas dos organizadores. Agora, nem mesmo o meio milhão de espectadores do China-1991 servia como meta. Ia ser uma fase final em grande… com tudo a que tinham direito.

 

Este foi o primeiro Mundial feminino organizado durante a presidência de Sepp Blatter. Uma década antes, tinha sido o suíço a aceitar o mandato de João Havelange para tratar de incluir uma prova feminino no calendário da FIFA. Mais de dez anos depois, o futebol feminino estava em franca expansão e o balanço era positivo.

 

Blatter reconhecia não só o sucesso deste projeto mas também o papel que os Estados Unidos tinham desempenhado no crescimento da modalidade. «O futebol feminino tinha uma grande dívida para com os Estados Unidos, mesmo antes da organização deste Mundial, tendo em conta o trabalho pioneiro no futebol feminino, reconhecendo o seu potencial como força social e o seu valor para a prática de uma atividade saudável para um enorme setor da comunidade.»

 

O novo presidente também não perdia tempo em puxar o mérito da FIFA, que viu no futebol feminino a área de maior crescimento do novo século. «Para o conseguir, é emular o exemplo americano em países de todos os continentes», escreveu no relatório técnico da competição.

Espetáculo chegou às balizas

Os elogios aos Estados Unidos eram transversais. Mais do que uma competição, a fase final foi também um exemplo de sucesso mediático, seja a nível de publicidade ou de transmissão televisiva. Até Portugal parou com as transmissões frequentes de jogos do Mundial.

 

O presidente do Comité de Futebol Feminino da FIFA, Ravn Omdal, salientou também a forma como a competição se tornou mais equilibrada. A ideia pode ter sido pura mas os números não confirmam necessariamente a ideia de que «os resultados de cada jogo estiveram sempre em dúvida sem uma diferença embaraçosa de qualidade entre as equipas mais fortes e as mais fracas».

 

O que dizem os números? Quatro anos antes, na Suécia, tinham-se registado quatro jogos com diferença igual ou superior a cinco golos: Dinamarca-Austrália (5-0), Alemanha-Brasil (6-1), Noruega-Canadá (7-0) e Noruega-Nigéria (8-0). Em 1999 houve sete: China-Noruega (5-0 numa meia-final), Rússia-Japão (5-0), Alemanha-México (6-0), Noruega-Canadá (7-1), Brasil-México (7-1), EUA-Nigéria (7-1) e China-Gana (7-0). Por outro lado, este fenómeno foi acompanhado pelo aumento do número de equipas: de 12 para 16 seleções.

 

Analisando as estatísticas, é possível defender que o equilíbrio aumentou, sobretudo ao perceber que seleções outrora sem hipóteses, como Brasil e Nigéria, superaram a fase de grupos pela primeira vez.

 

Omdal focou-se ainda mais nas características positivas de evolução nas fases finais: «Quando comparamos o Mundial de 1999 com o de 1991, o desenvolvimento provavelmente mais gratificante é o aumento da profundidade, tanto a nível individual numa equipa, bem como a nível de seleções, com o fortalecimento de algumas que noutras edições serviriam como carne para canhão».

 

«O futuro do futebol é feminino. E o futuro é promissor», garantia.

 

Sucesso estrondoso em todas as análises

Estados Unidos somaram segundo título mundial

As estatísticas do Mundial-1999 confirmaram as expectativas. A média de espectadores por jogo subiu de 4316 para 37944 e a final, entre Estados Unidos e China, registou 90 mil pessoas na bancada. Nem o presidente norte-americano, Bill Clinton, quis faltar.

 

Não foi apenas um espetáculo, no verdadeiro sentido da palavra, bem promovido. O futebol era de grande qualidade e as pessoas gostavam do que viam. A média de golos por jogo subiu de 3,81 para 3,84, com os números absolutos a aumentarem de 99 para 123 golos.

 

E podia ter sido ainda melhor. Até aos dois últimos jogos da competição, não tinha havido um único nulo, nem uma vitória por apenas 1-0. Os jogos tinham sempre golos, alterações de tendência e emoções vibrantes. Mas depois, na fase mais decisiva da prova, chegou a seca. Tanto o jogo de atribuição do terceiro lugar (Brasil-Noruega) como o da final (EUA-China) foram decididos no desempate por grandes penalidades após um 0-0. Estes foram também os primeiros nulos na história das fases finais de Mundiais femininos.

 

A ausência de golos pode ter sido um problema na altura mas hoje, olhando para trás, a final de 1999 protagonizou um dos momentos mais memoráveis do Mundial, quando Brandi Chastain despiu a camisola e festejou o título ao marcar a grande penalidade decisiva para os Estados Unidos.

 

As norte-americanos celebraram o seu segundo título e as contas finais confirmaram que a assistência total superou o milhão de espectadores, mais do que o dobro do que havia sido registado na China, oito anos antes.

 

Portugal, uma vez mais, ficou de fora desta festa, ao terminar o grupo de qualificação no terceiro lugar, atrás da Dinamarca (a grande desilusão na fase final) e da Rússia. Somou apenas dois triunfos, ambos contra a Bélgica.

 

O Brasil foi a surpresa mais agradável da prova – não só garantiu o terceiro lugar como apresentou Sissi ao mundo (segunda melhor jogadora e vencedora do troféu de melhor marcadora, apesar de ter marcado tantos golos como a chinesa Sun Yen, que foi considerada a melhor jogadora da prova).

09 de Maio, 2019

Bruce Grobbelaar. O homem das pernas de esparguete

Rui Pedro Silva

Final europeia de 1984

Combateu na guerra da Rodésia quando era adolescente e decidiu abandonar a África do Sul quando lhe pediram para fazer o mesmo em Angola. Alimentou o sonho de jogar pelo Liverpool e concretizou-o depois de passagens pelo Canadá e pelos escalões secundários de Inglaterra. É o protagonista de um dos momentos mais memoráveis da Taça dos Campeões Europeus.

 

Roma, 30 de maio de 1984. O Liverpool defronta a Roma perante os seus adeptos na final da Taça dos Campeões Europeus e está à procura do quarto título da sua história. Depois de um empate (1-1) após prolongamento, o jogo vai decidir-se nas grandes penalidades.

 

Bruce Grobbelaar está a caminho de proporcionar um momento memorável. Perante as grandes penalidades de Bruno Conti e Francesco Graziani, o guarda-redes nascido na África do Sul mas natural da Rodésia (atual Zimbabué) decidiu ser inovador. No primeiro, dançou como se estivesse nos anos 60, no segundo fingiu que as pernas eram tão fracas como fios de esparguete cozido.

 

«Estava a ir para a baliza para o primeiro penálti quando senti um braço à minha volta. Não precisei de me virar para saber quem era, porque senti o cheiro a cigarro do Joe Fagan. Disse-me que ele e a equipa técnica, os diretores e o presidente, o capitão e o resto da equipa, as mulheres e as namoradas, e os 20 mil adeptos que viajaram até Roma não me iam culpar se não conseguisse parar nenhuma bola», recordou numa conversa do podcast «Caught Offside».

 

O guarda-redes ficou atónito com esta mensagem e retorquiu com um surpreendido obrigado e, já quando estava a uns metros do seu treinador, ouviu novo recado: «Mas podes pelo menos tentar!».

Sofrimento terminou com o título

O cenário não era favorável para o Liverpool. Stevie Nicol falhara o primeiro pontapé – quando devia ter sido Phil Neal a marcar – e a Roma já imaginava o título em casa depois de Di Bartolomei marcar pelos italianos.

 

Estava na altura do génio de Grobbelaar entrar em ação, perante o segundo penálti de Bruno Conti. «Aproximou-se como se estivesse a dançar e eu não gostei, parecia arrogante. Por isso pus as mãos nos meus joelhos e comecei a trocá-las como naquela dança dos anos 60. Ele olhou para mim e não gostou, e rematou por cima da barra. Fez-me pensar que tinha funcionado», contou.

 

O novo ataque surgiu na quarta série. Phil Neal, Graeme Souness e Ian Rush tinham marcado para os ingleses e Righetti recuperara a calma dos romanos. Era a vez de Francesco Graziani tentar o empate. «Ele pegou na bola e foi pôr os braços à volta do árbitro. ‘O que é que este idiota está a fazer?’, pensei, e foi nessa altura que mordi as redes. Depois beijou a bola e benzeu-se, e foi nesse momento que comecei a fazer as tais pernas de esparguete. E ele fez exatamente o mesmo: atirou a bola por cima da barra», recordou.

 

Grobbelaar estava eufórico e festejou o momento como tal. O Liverpool estava a um penálti marcado do título e o guarda-redes, que já tinha marcado um golo de penálti nos escalões secundários de Inglaterra ao serviço do Crewe Alexandra, era o próximo na lista.

 

Mas, quando deu por si, já Alan Kennedy tinha pegado na bola. «Se corres durante vinte segundos, sabes que será outro a marcar», disse-lhe o treinador Joe Fagan, troçando dos festejos. «Por isso podes sofrer aqui connosco a ver», acrescentou. Para Grobbelaar acabou por ser o desfecho perfeito: «Imaginem se tivesse sido eu e tivesse falhado? Ainda bem que ele marcou!».

 

Da guerra para o futebol

Bruce Grobbelaar

O início de vida de Bruce Grobbelaar foi radicalmente diferente do de outros jogadores. Com talento para o críquete e para o basebol, chegou a ser excluído de uma equipa de futebol na África do Sul por ser… branco. Natural da Rodésia (atual Zimbabué), apesar de ter nascido na África do Sul, serviu o exército nacional entre os 17 e os 19 anos, durante a guerra.

 

«Era pisteiro e estava sempre perto da linha de combate. Fazia parte de uma unidade de quatro pessoas. Uns meses antes do final da guerra, num momento mais calmo, olhei para eles e disse-lhes que se saísse vivo dali, queria jogar pelo Liverpool», explicou.

 

O sonho, ainda tão distante, de um jovem de 19 anos parecia inalcançável, mesmo que escapasse ileso da guerra. A verdade é que a guerra terminou, Bruce foi jogar para a África do Sul e chegou a uma encruzilhada quando lhe pediram para combater em Angola. O guarda-redes rejeitou, foi viver para o Reino Unido e, mais tarde, acabou a jogar no Canadá, ao serviço dos Vancouver Whitecaps, na antiga NASL (North American Soccer League).

 

O caminho do Canadá até Liverpool demorou menos de dois anos. Foi para Vancouver em 1979, sofreu um golo de Cruijff na estreia, e terminou a temporada cedido por empréstimo ao Crewe Alexandra, no quarto escalão inglês. Deu boas indicações, caiu no goto de observadores do Liverpool e assinou pela equipa inglesa em 1981, com a ideia de ser suplente de Ray Clemence.

 

O dono da baliza saiu para o Tottenham no verão e Bruce Grobbelaar acabou por merecer a confiança de Bob Paisley, apesar de mostrar uma grande inconsistência na baliza. As 250 mil libras da contratação acabaram por revelar-se baratas, uma vez que se manteve no clube até 1994, conquistando seis campeonatos, três Taças de Inglaterra, duas Taças da Liga, cinco Supertaças e, claro está, a famosa Taça dos Campeões Europeus em 1984. No total, fez 624 jogos.

 

Propensão para as tragédias

Bruce teve uma carreira de altos e baixos

Bruce Grobbelaar viveu de perto muitos momentos dramáticos. Esteve na guerra da Rodésia e nos desastres de Heysel e Hillsborough… e acabou com o nome manchado pelo alegado envolvimento num escândalo de manipulação de resultados, iniciado por uma denúncia do jornal The Sun em novembro de 1994.

 

O guarda-redes declarou-se inocente em tribunal – garantindo que estava apenas a reunir informação para a passar à polícia – e o júri não conseguiu chegar a um veredicto consensual. Quando o pior parecia ter passado, Grobbelaar acusou o The Sun de difamação e, depois de um recurso, perdeu o caso e foi obrigado a pagar as custas judiciais ao periódico.

 

O problema: estava sem dinheiro. Não tinha capacidade para fazer face a esta despesa e declarou bancarrota. Nas quatro linhas, o seu contributo era cada vez mais fugaz. A era no Liverpool tinha sido precipitada com a contratação de David James e a experiência no Southampton, em 1994/95, também não deixou uma grande marca.

 

O resto da carreira não foi mais do que uma sombra do passado, perdido por clubes dos escalões secundários. O presente podia ser negro mas a história relembraria sempre a noite em que teve pernas de esparguete e ajudou o Liverpool a conquistar mais um troféu europeu.

09 de Maio, 2019

Ingrid Jonsson. O esforço da Suécia na arbitragem foi recompensado

Rui Pedro Silva

Ingrid Jonsson, anos mais tarde, à direita

O destino de Ingrid Jonsson como primeira árbitra nomeada para uma final FIFA começou a ser escrito em 1975, quando a sueca tinha apenas 14 anos e ainda não fazia sequer ideia de que a arbitragem iria fazer parte da sua vida. Naquela década, o futebol feminino estava a dar passos concretos na Escandinávia mas, como escreveu Lars-Ake Bjorck, membro do Comité de Arbitragem da FIFA, no relatório técnico do Mundial-1995, «as mulheres eram muito mal representadas no que diz respeito à arbitragem».

 

«Foi definido um plano de dez anos na Suécia que, em colaboração com outros países da Escandinávia, tinha o objetivo de garantir aprendizagem e treino para produzir um número suficiente de árbitras», explicou Bjorck.

 

Ingrid Jonsson foi uma das mulheres a beneficiar deste plano para o futuro. «Comecei a carreira de árbitra em 1983 quando ainda jogava como guarda-redes. Naquela altura também era professora de Educação Física», contou.

 

O Suécia-Noruega de 1985 marcou o primeiro passo efetivo do plano escandinavo. Foi nesse encontro particular feminino que, com a aprovação da FIFA, foi nomeado um trio de arbitragem composto exclusivamente por mulheres. Ingrid Jonsson era, curiosamente, uma das árbitras assistentes.

 

Os anos passaram e Ingrid Jonsson continuou a figurar na vanguarda da arbitragem no feminino. No primeiro Mundial de futebol feminino organizado pela FIFA, foi uma das poucas mulheres convidadas para o evento, numa altura em que ainda não as havia nos quadros do organismo internacional.

 

Se a história recaiu sobretudo na brasileira Cláudia Vasconcelos – primeira mulher a arbitrar um jogo, no encontro de atribuição do terceiro lugar -, Ingrid Jonsson pode orgulhar-se de dizer que marcou presença, como assistente, na final entre Estados Unidos e Noruega.

 

Quando, quatro anos depois, esteve novamente na final, mas como árbitra principal, o carrossel de emoções já não era o mesmo. Ingrid arbitrava jogos do campeonato sueco feminino desde 1986 e tinha mais de 85 jogos nacionais e 10 internacionais no currículo.

 

Ali, naquele momento, nem os milhares nas bancadas a atemorizaram. «Em 1991, fui assistente na final entre Noruega e Estados Unidos com 63 mil espetadores. Na Suécia, em 1995, o jogo entre Noruega e Alemanha tinha cerca de 17 mil espetadores. Foram jogos diferentes, com atmosferas diferentes. Mas claro que ser nomeada para a final no teu país é especial.»

 

A nomeação de Jonsson também teve uma carga simbólica muito grande. Ingrid não se limitava a fazer a diferença dentro de campo, mas também fora dele. Casada com um árbitro – mas de bandy, não de futebol – foi sempre uma voz ativa na arbitragem na Suécia e uma das maiores razões para que o país já contasse com 1000 mulheres árbitras em 1995.

 

A arbitragem tornou-se uma segunda vida para Ingrid Jonson e mesmo quando disse adeus aos jogos dentro de campo – afinal já tinha 35 anos na final em 1995 -, continuou a fazer parte dos quadros da FIFA e a assumir papéis de relevo na arbitragem mundial… até hoje.

08 de Maio, 2019

Quando o Deportivo fez de Liverpool e goleou um gigante europeu

Rui Pedro Silva

Deportivo-Milan

Aconteceu há 15 anos e só não é o momento mais memorável da edição da Liga dos Campeões de 2003/2004 porque houve o FC Porto de José Mourinho a ganhar a final. Depois de uma derrota pesada em Milão (4-1), o Deportivo conseguiu uma noite de sonho e aplicou «chapa quatro» ao então campeão europeu em título. As marcas de comparação com o Liverpool-Barcelona estão um pouco por todo o lado.

 

Um Deportivo-Milan atualmente é muito diferente do que foi aquela eliminatória em 2004. A equipa da Galiza vivia o melhor momento da sua história, fora campeã espanhola em 2000 e lutava frequentemente pelo título. O plantel estava recheado de bons jogadores e, apesar de não ser um peso pesado na Europa, ameaçava intrometer-se entre os grandes. Tinha velhos conhecidos dos portugueses como Naybet e Duscher e figuras respeitadas como Mauro Silva, Valerón ou Fran.

 

Do outro lado, viviam-se os últimos anos da hegemonia do futebol italiano no continente. Na época anterior, em 2003, a final da Liga dos Campeões tinha oposto Milan a Juventus e uma terceira equipa, o Inter, ficara pela meia-final. Na Taça UEFA, a Lazio também tinha atingido a meia-final.

 

O Milan não era apenas o campeão europeu em título. Era o verdadeiro estandarte de uma supremacia anunciada, um clube a viver os últimos anos de uma geração impressionante em que os talentos se juntavam aparentemente sem dificuldade. Havia Maldini, Nesta e Costacurta, Pirlo, Seedorf e Kaká, Cafú, Rui Costa, Shevchenko e Inzaghi.

 

Quando o sorteio ditou uma eliminatória entre as duas equipas, o favoritismo recaiu sobre o Milan. Quando San Siro assistiu a uma vitória tranquila por 4-1 (Pandiani adiantou os espanhóis mas Kaká-2, Shevchenko e Pirlo escreveram a reviravolta), a segunda mão pareceu ser pouco mais do que uma formalidade.

 

Naquele 7 de abril de 2004, o futebol espanhol estava em jogo. Na véspera, o Real Madrid perdera uma vantagem de 4-2 ao perder 1-3 no Mónaco e o país estava em risco de se ver excluído da fase decisiva da competição. O Milan surgiu tranquilo na Corunha, longe de imaginar que ia ser figurante numa das noites europeias mais memoráveis do futebol continental. Um pouco à imagem do que se passou no Liverpool-Barcelona, portanto.

Deportivo-Milan

Walter Pandiani deu novamente o mote, com o primeiro golo do encontro – logo aos cinco minutos – e ao intervalo já os espanhóis estavam em vantagem na eliminatória, fruto dos festejos de Valerón aos 35’ e Luque aos 44’.

 

Apanhado desprevenido, o Milan de Carlo Ancelotti teve quinze minutos para recuperar a concentração e retomar a vantagem da eliminatória na segunda parte, mas foi incapaz. O Deportivo não só segurou a baliza de Molina como viu uma das suas figuras míticas – Fran – sair do banco para fechar o resultado final aos 76 minutos.

 

«Foi tal e qual como sonhei», garantiu Javier Irureta, treinador deificado no Riazor. «Era uma missão quase impossível mas conseguimos os três golos necessários depois de uma primeira parte sensacional.»

 

Carlo Ancelotti não parecia acreditar no que acabara de acontecer: «É verdadeiramente difícil explicar esta derrota. Eles jogaram no topo das suas capacidades e nós estivemos longe disso».

08 de Maio, 2019

Birgit Prinz. A adolescente que gravou um lugar na história

Rui Pedro Silva

Birgit Prinz em cima do lado direito (16)

Quando a Alemanha chegou ao Mundial da Suécia, em 1995, Birgit Prinz já não era apenas uma jovem a dar os primeiros passos ao serviço da seleção. Internacional desde o ano anterior, tinha apenas 17 anos quando se sagrou campeã europeia pela primeira vez, em março de 1995, após vitória sobre a Suécia (3-2).

Prinz marcou na final do Europeu. Tal como já tinha marcado na segunda mão da meia-final contra a Inglaterra. A atacante podia estar longe de ser o símbolo do ataque germânico, como viria a ser durante o início do século XXI, mas nem por isso deixava de ser uma sensação da equipa que seria vice-campeã mundial na Suécia.

A veia goleadora da alemã ainda não transportava muito sangue por esta altura. Em toda a fase final do Mundial, marcou apenas por uma vez, no último jogo da fase de grupos, frente ao Brasil – também o único em que foi titular. Do outro lado, tinha uma ex-guarda-redes de andebol, Margarete Pioresan, mais conhecida por Meg, que estava a entrar na história das fases finais: nunca uma guarda-redes tão velha disputou uma partida. Tinha 39 anos.

Quando Prinz nasceu, a 25 de outubro de 1977, Meg já estava na universidade a jogar andebol. Curiosamente, o futebol ainda não tinha entrado na sua vida. Praticamente duas décadas depois, o destino das duas futebolistas cruzou-se e, se uma estava a fazer história por ser demasiado velha, a outra também iria entrar nos livros da FIFA por ser muito nova.

Foi o que aconteceu na final contra a Noruega, a 18 de junho. Prinz pode ter sido substituída ainda na primeira parte mas já se tinha tornado a mais jovem atleta, até hoje, a disputar uma final da competição. Tinha apenas 17 anos e 236 dias.

Na altura, esse era o recorde ao qual se podia agarrar, mas tinha uma vida inteira pela frente. Os números em fases finais não deixam dúvida sobre o quão especial Birgit Prinz foi durante a carreira. Em 2003 foi a melhor marcadora, com sete golos, e recebeu o troféu de melhor jogadora da competição. Quatro anos depois, na China, capitaneou a seleção alemã rumo ao segundo título consecutivo.

Alemã foi estrela da seleção

A hegemonia germânica no futebol feminino tornou-se indissociável do melhor período da carreira de Birgit Prinz. Ao serviço do FFC Frankfurt, venceu sete vezes o título alemão e três vezes a UEFA Women’s Cup. A nível individual, foi a jogadora do ano para a FIFA em 2003, 2004 e 2005.

O currículo crescia ano após ano e as participações em fases finais do Mundial surgiam com naturalidade. Prinz foi a única alemã a jogar em todos os encontros da Alemanha em 1995 (finalista vencida), 2003 e 2007 (campeã mundial). É também graças a isto que é, ainda hoje, a única mulher a disputar três finais FIFA. Em 2003, rumo ao primeiro título da Alemanha, garantiu novo recorde que ainda perdura: marcou em cinco jogos consecutivos. E continua a ser a única jogadora a marcar cinco golos em pelo menos duas fases finais.

Birgit Prinz disputou um total de cinco Mundiais – a Alemanha desiludiu em 1999 e 2011 – mas o palmarés da avançada, pela seleção, não se limitou às provas organizadas pela FIFA. Além do título europeu de 1995, Prinz repetiu a façanha com a Alemanha em quatro outras edições e conta também com três medalhas em Jogos Olímpicos. Foi bronze em 2000, bronze em 2004 e… bronze em 2008.

O sucesso de Birgit Prinz no futebol feminino foi tão contundente que chegou a ser assediada pelo presidente do Perugia, Luciano Gaucci, para se tornar a primeira mulher a jogar na Série A masculina. Gaucci não era novo nestas andanças: foi ele que contratou Nakata ainda durante a década de 90, que permitiu a Carolina Morace tornar-se a primeira mulher a treinar uma equipa profissional em Itália (Viterbese-1999), que despediu o sul-coreano que eliminou a tália do Mundial-2002 e que contratou o filho de Muammar Kadhafi, ditador líbio. A ideia com Prinz era apenas mais um passo mediático para o seu império.

Presidente e futebolista chegaram a reunir-se e adiaram uma decisão definitiva para a semana seguinte. Gaucci insistiu, mais do que uma vez, que não haveria regulamento que pudesse proibir Prinz de alinhar pelo Perugia: «É uma cidadã de um país da União Europeia. Repito que não há nenhuma lei que a impeça de jogar entre homens».

O negócio não avançou, por vontade de Prinz. «Já tomei a minha decisão, especialmente por razões desportivas. Jogo futebol por prazer e se estiver entre homens corro o risco de ter apenas alguns minutos ou de nem sequer ser utilizada.»

Afinal, Prinz não precisava de jogar entre homens para ter um lugar na história. Ela foi, praticamente desde o início, uma das melhores de sempre.

07 de Maio, 2019

Nigéria-Canadá. O jogo do Mundial-1995 que quase ninguém quis ver

Rui Pedro Silva

Guarda-redes da Nigéria

A FIFA considerou o Mundial de futebol feminino de 1995, organizado na Suécia, um sucesso. Era a primeira vez que a prova era disputada na Europa, depois da sessão inaugural na China, quatro anos antes, e os responsáveis decidiram definir uma meta de 100 mil espetadores. No final, no relatório técnico, elogiou-se o facto de esse valor ter sido ultrapassado em 10%.

 

O organismo mundial pode ter feito uma festa mas os números eram pouco ambiciosos, sobretudo numa prova em consolidação. Por outro lado, seria difícil ter uma noção concreta do que se podia esperar: o China-1991 tinha sido um fenómeno à parte e só o jogo de abertura e a final da competição tinham tido mais de 120 mil espetadores.

 

Em Estocolmo, a final entre a Alemanha e a Noruega não foi além dos 17 mil espetadores. E o jogo de abertura, que a Suécia perdeu surpreendentemente para o Brasil, viu 14500 pessoas passarem pelas portas do Estádio Olímpico de Helsingborg.

 

Foi precisamente em Helsingborg que Nigéria e Canadá se defrontaram na segunda jornada do grupo B. Não é preciso ser perito em contextualização para perceber que era um jogo que dificilmente atrairia muita gente. O futebol feminino na Nigéria era pouco mais do que uma curiosidade e não havia adeptos a seguirem com a equipa. No Canadá, o cenário até podia ser diferente mas a falta de tradição impedia grandes feitos. Além do mais, os pesos pesados do grupo eram a Noruega e a Inglaterra.

Canadá habituou-se a jogar com pouca gente nas bancadas

Aquele 8 de junho de 1995 entrou na história das fases finais. O Nigéria-Canadá, apesar de ter sido um jogo espetacular com seis golos, não mereceu mais do que a atenção de 250 espetadores. É, ainda hoje, o jogo na história dos Mundiais de futebol feminino com menor lotação. E é insensato pensar que algum dia essa marca possa ser batida.

 

Verdade seja dita, as 250 pessoas puderam assistir a um jogo emocionante e dificilmente deram o tempo por perdido. O Canadá, favorito, entrou melhor no encontro e esteve a vencer 2-0, antes de Nwadike fazer o primeiro golo da Nigéria aos 26 minutos. No início da segunda parte, Burtini bisou para o Canadá e fez o 3-1 mas as jogadoras africanas tinham uma palavra a dizer: reduziram por Avre aos 60’ e empataram por Okoroafor aos 77’.

 

O jogo ficou-se no 3-3. Se quisermos ser criativos, podemos dizer que o Nigéria-Canadá ofereceu um golo por cada 42 pessoas que quiseram ver o jogo. Infelizmente, foi uma partida na qual poucos tiveram interesse.

06 de Maio, 2019

Margarete Pioresan. A guarda-redes que veio do andebol

Rui Pedro Silva

Meg fez carreira nas balizas

Chama-se Margarete Maria Pioresan mas ficou conhecida no mundo do futebol simplesmente por Meg. Foi a guarda-redes do Brasil nos Mundiais de 1991 e de 1995, e nos Jogos Olímpicos de 1996, e bateu recordes de longevidade que não estão ao alcance de qualquer atleta. Basta ver que ainda hoje detém o recorde de estreante mais velha numa fase final: tinha 35 anos e 320 dias quando o Brasil defrontou o Japão em 1991.

 

Meg nunca foi uma jogadora de futebol. A sua modalidade favorita sempre foi o andebol e foi aí que começou a jogar na universidade, em 1975. Mais tarde, porém, quando foi viver para o Rio de Janeiro, foi contactada pelo presidente do EC Radar.

 

No início da década de 80, Meg era uma figura da seleção brasileira de andebol. «Eu era apaixonada por andebol mas veio o velho e conhecido clube Radar, que precisava de uma guarda-redes para a equipa de futebol. O presidente do clube chamou-me, disse-me que eu já tinha experiência internacional», explicou em entrevista a Katia Rubio.

 

A ausência de tradição de futebol feminino no Brasil permitiu este recrutamento estranho, aos dias de hoje, e abriu espaço para que Meg aliasse o futebol ao andebol até 1985. Continuava a jogar pela seleção de andebol e, quando tinha tempo, defendia as balizas do EC Radar, histórico clube brasileiro do futebol feminino, crónico campeão e base da espinha dorsal da seleção brasileira no Mundial-1991.

 

Em 1985, porém, Meg decidiu que estava na altura de deixar o futebol. Tinha 29 anos e sentia-se sobrecarregada ao continuar a juntar os treinos de uma e outra modalidade. O futebol exigia muito dela e o seu coração continuava com o andebol.

 

O adeus ao futebol não foi eterno. Quatro anos depois, já depois de conquistar a medalha de bronze na prova de andebol dos Jogos Pan-Americanos de 1987, o velho conhecido voltou a bater-lhe à porta. Desta vez, havia um objetivo longínquo que a fez tremer: a possibilidade de cumprir o sonho de chegar aos Jogos Olímpicos.

 

Em 1988, por altura do Mundial experimental na China, João Havelange forçou a convocatória de Meg mas esta recusou: continuava a concentrar-se no andebol. Depois, quando decidiu dizer adeus à sua modalidade de eleição, o futebol foi uma alternativa natural.

 

A estreia na China, com 35 anos, fez dela uma recordista até hoje mas foi quatro anos depois, no Suécia-1995, que os astros se alinharam para cumprir a sua ambição. O Brasil ainda não era o que é hoje mas conseguiu bater surpreendentemente a Suécia, num jogo em que Meg brilhou entre os postes. Graças a esse triunfo, o Brasil carimbou o apuramento para os Jogos Olímpicos, por ser a melhor seleção entre as últimas classificadas de cada grupo.

 

A idade continuava a avançar – jogou em Atlanta com 40 anos – mas esse nunca foi um problema de Meg. Tratava-se bem e sentia-se com força para continuar, algo que fez até 2000, com 44 anos, ao serviço do Vasco da Gama.

 

A adaptação ao futebol também não foi um enorme problema. «A minha adaptação foi de tempo e espaço, por causa das diferenças de tamanho da baliza e das técnicas. Eu tinha agilidade e coragem, mas tive de me adaptar», confessou.

 

A ingratidão do futebol foi algo que não teve problema em concluir sozinha: «É muito mais difícil do que o andebol. O andebol é um jogo de vinte ou trinta golos. Se você falhar num, pode fazer cinco defesas e recupera. No futebol não. Se você escorregar no relvado e errar, está lixada. Depois pode fazer dez defesas ótimas, mas todos se vão lembrar daquele golo».

 

As memórias eternas de Meg nunca passaram por isso. Continuam a ser a da guarda-redes do andebol que mudou de desporto para defender as balizas brasileiras no futebol. Era velha, das mais velhas a jogar um Mundial na história, mas isso nunca a afetou. No último jogo que fez numa fase final, tinha 39 anos e 159 dias e sofreu seis golos da Alemanha. O primeiro deles foi marcado por Birgit Prinz, futura figura emblemática da seleção europeia, na altura com apenas 17 anos. Os extremos tocaram-se.

05 de Maio, 2019

Even Pellerud. O homem que fez dos Mundiais femininos a sua praia

Rui Pedro Silva

Even Pellerud em 1995

Não é invulgar haver um homem aos comandos das seleções de futebol feminino durante um Mundial. É certo que as mulheres estão a reivindicar cada vez mais esse papel mas, em três das sete edições organizadas para FIFA, a seleção campeã tinha um homem no leme.

 

Even Pellerud foi o primeiro homem a ser campeão mundial de futebol feminino como treinador. O norueguês, nascido em 1953 e com uma carreira modesta enquanto futebolista, assumiu o comando técnico da seleção do seu país em 1989 e, depois de ser o finalista vencido em 1991, levou a Noruega ao título mundial na Suécia, quatro anos depois.

 

A carreira de Even Pellerud como treinador confunde-se com o futebol feminino. Por mais do que uma vez tentou a sorte em equipas masculinas mas nunca sobreviveu para contar uma epopeia. Foi entre mulheres que se notabilizou e foi nas fases finais que construiu um legado que, por enquanto, continua a ser inatingível.

 

A consulta da lista de recordes do Mundial feminino não deixa margem para duvidar: Pellerud é um nome incontornável. Além de ter sido campeão em 1995, foi também o único a conseguir terminar nos quatro primeiros lugares em três ocasiões: vice em 1991 e campeão em 1995 com a Noruega, e quarto classificado com o Canadá em 2003.

 

Entre Noruega e Canadá, Pellerud fez das fases finais o seu habitat natural. Competiu com o país europeu em 1991, 1995 e 2015 e com o americano em 2003 e 2007. Ao contrário de outros nomes, que vão aparecendo e desaparecendo da ribalta, Pellerud manteve-se fiel e foi até agora o único treinador – homem ou mulher – a desempenhar essa função em cinco fases finais diferentes.

 

Não é surpreendente, então, que seja também o recordista de jogos (25), vitórias (16) e derrotas (7).

 

Um homem especial sem desculpas

Pellerud esteve no Mundial-2015

Even Pellerud perdeu a final do Mundial da China, em 1991, para os Estados Unidos, comandados por Anson Dorrance. Quatro anos antes, a selecionadora norte-americana tinha ficado rendida à filosofia de Pellerud, depois de um confronto entre os dois países.

 

Os Estados Unidos aproveitaram o facto de a Noruega estar a ser afetada por uma onda de lesões para vencer 3-0. No final do encontro, Pellerud cumprimentou Dorrance e elogiou os pontos fortes que tinham permitido às americanas vencer o jogo.

 

«Ele tinha toda a legitimidade para utilizar as ausências para mitigar a derrota, mas não o fez. E nunca esqueci isso. Lembro-me de pensar quão forte era aquela mentalidade. Ele não era alguém para se queixar: ia detetar as fraquezas da equipa, corrigi-las e tentar vencer-nos da próxima vez. Essa atitude assustou-me imenso», admitiu Anson Dorrance em declarações para um livro de Tim Crothers.

 

A atitude de Pellerud ajudou a moldar a própria filosofia de Dorrance. E foi também este efeito que permitiu ao norueguês ter tanto sucesso durante a carreira de selecionador de futebol feminino.

 

E se o sucesso na Noruega era esperado – afinal estava a treinar uma das maiores potências -, o mesmo não se pode dizer do que conseguiu fazer ao serviço do Canadá. Na Escandinávia era a extensão de um modelo de sucesso, na América do Norte foi o pai de toda a evolução.

 

Os resultados do Canadá confirmaram que, além de selecionador de sucesso, era também um líder capaz de pensar no modelo a seguir em busca de resultados. Os apuramentos para fases finais, a qualificação olímpica e o quarto lugar no Mundial em 2003 acabaram com as hesitações: não se pode escrever um grande livro de futebol feminino sem mencionar o nome de Pellerud.

04 de Maio, 2019

Mundial-1995. A confirmação do novo fenómeno

Rui Pedro Silva

Noruega venceu a final

Se a fase final na China em 1991 foi vista como uma agradável surpresa, com bom futebol e com o público a marcar presença em peso, o Suécia-1995 serviu de confirmação do novo fenómeno: o futebol feminino tinha vindo para ficar e só iria continuar a crescer.

 

A confiança era tão grande que o presidente da FIFA, João Havelange, escreveu que já não era possível imaginar o calendário da FIFA sem o Mundial feminino. Sepp Blatter, o seu braço-direito, foi ainda mais longe e lançou uma profecia: «O futuro do futebol será feminino. Estamos convencidos que em 2010 o futebol feminino será tão importante como o masculino», dizia o suíço, relembrando que em 1995 havia 140 milhões de homens a jogar futebol e apenas 32 milhões de mulheres.

 

Que o primero Mundial feminino na Europa tivesse tido lugar na Escandinávia não foi surpresa. E se a Suécia organizou, a Noruega venceu. Não havia dúvida de que nenhuma outra parte do continente tinha uma influência tão grande do futebol feminino como esta e os resultados confirmaram-no. A expectativa de ter 100 mil pessoas nas bancadas, durante toda a prova, também foi superada, em 10%, mas ainda assim ficou muito aquém do que havia sido registado em 1991, onde esse número foi ultrapassado só com os jogos de abertura e final da prova.

 

Em sentido contrário, se o China-1991 teve pelo menos dez mil espetadores em todos os jogos, na Suécia houve um Canadá-Nigéria na fase de grupos que só foi visto por… 250 pessoas.

 

A diferença não foi considerada um fracasso porque China é China e Suécia é Suécia e, em todos os outros aspetos importantes, a fase final de 1995 demonstrou etapas de evolução muito promissoras. Os 26 jogos voltaram a ter um total de 99 golos, imitando a média de 3,81 por jogo, mas há um pormenor que pode ficar fora de vista.

 

Cumprindo as recomendações da maior parte das seleções em 1991, a FIFA decidiu estender o tempo de jogo e aumentar de 80 para 90 minutos. Para garantir que as seleções teoricamente mais fracas e com uma condição física mais deficiente não fossem demasiado prejudicadas, criou-se a possibilidade de cada seleção pedir dois descontos de tempo durante o encontro.

 

Sinais positivos para o futuro

Noruega-Alemanha foi o jogo da final

O relatório técnico do Mundial-1995 não deixa dúvidas sobre a ideia e bases que o futebol feminino estava a estabelecer. «As jogadoras estão a dar muitos e bons exemplos para jogadores de todos os géneros e escalões pelo mundo. O espírito de fair-play nunca foi tão evidente como nos jogos femininos e a sua dedicação para o futebol de ataque merece ser replicada. Claramente, o mundo tem muito a aprender com a abordagem das mulheres ao jogo.»

 

O presidente do Comité para o Futebol Feminino da FIFA, Poul Hyldegaard, escreveu que «em termos de técnica, tática, resiliência física e, acima de tudo, atitude mental, as mulheres das doze seleções provaram que o futebol feminino está a recuperar o terreno perdido nas últimas décadas».

 

Em relação a 1991, houve menos goleadas, apesar de a futura campeã do mundo, Noruega, ter batido sem dificuldade a Nigéria (8-0) e o Canadá (7-0). O Brasil continuava longe de ser a potência do futuro e terminou no último lugar do grupo A, sendo goleado pela Alemanha (1-6) durante a fase de grupos.

 

O balanço final destacou duas outras evoluções fundamentais: houve mais árbitras no lote, e com responsabilidades acrescidas: Ingrid Jonsson foi escolhida para arbitrar a final, por exemplo. E as próprias soluções de cada seleção tornaram-se muito mais completas, depois das críticas que haviam sido feitas à falta de profundidade em 1991.

 

A Noruega bateu a Alemanha na final por 2-0 e viu Ann-Kristin Arones ser premiada com o título de melhor marcadora, graças a seis golos. O prémio de melhor jogadora foi para a outra norueguesa: Hega Riise.

 

Portugal participou pela primeira vez numa fase de qualificação, o Europeu-1995, mas não foi além do terceiro lugar do grupo 6, atrás de Itália e França. Com três vitórias em seis jogos, destacaram-se a goleada caseira à Escócia (8-2) e o triunfo no terreno da apurada Itália na última jornada (2-1). 

03 de Maio, 2019

Pia Sundhage. Uma história escrita com penáltis

Rui Pedro Silva

Pia Sundhage recebe o diploma do terceiro lugar

Quando a FIFA organizou o primeiro Mundial de futebol feminino, Pia Sundhage já tinha 31 anos e uma longa história de sucesso ao serviço da Suécia. Na China, a jogadora era das mais experientes e envergava a braçadeira de capitã.

 

Era a referência óbvia. O balanço final deu-se com quatro golos, duas assistências e… um penálti falhado. A história de Pia Sundhage – um nome que muitos poderão ter na ponta da língua à conta dos dois títulos olímpicos conquistados como selecionadora dos Estados Unidos – escreve-se à base do número onze.

 

Foi aos onze anos, em 1971, que começou a jogar numa equipa sénior de futebol feminino na Suécia. Até lá, a ausência de opções fez com que se sentisse obrigada a ir jogar com rapazes, logo desde os cinco ou seis anos. «E mesmo assim era sempre das primeiras a ser escolhidas», garantiu.

 

Foi dos onze metros que teve os momentos mais importantes como internacional pela Suécia. Mas para chegar lá é preciso recuar até 1975, ano em que fez o primeiro de 146 jogos pelo seu país, contra a Inglaterra em Gotemburgo.

 

«Ganhámos 2-0. O selecionador ligou-me a anunciar a convocatória, mas também tinha lido no jornal. Foi especial para mim, porque tinha 15 anos, mas não estava nervosa porque era muito boa tecnicamente. Isso deixou-me confortável na equipa», disse.

 

De 1975 a 1984 passaram nove anos. Pia Sundhage nunca deixou de jogar futebol mas teve de aceitar trabalhos num posto de lavagem de carros e como secretária para ganhar o dinheiro que o futebol ainda não lhe dava.

 

1984 foi um ano especial e George Orwell não teve culpa nenhuma. Foi o ano em que a UEFA organizou pela primeira vez um Europeu de futebol feminino. A qualificação teve 16 equipas e se Portugal não foi além do último lugar do grupo 3 (dois empates e quatro derrotas com apenas um golo marcado, por Alfredina, contra a Suíça), a Suécia dominou um grupo com Noruega, Finlândia e Islândia (seis vitórias, 26 golos marcados e um sofrido) e garantiu a presença na final four.

 

Pia Sundhage pode ter marcado apenas três destes 26 golos na fase de qualificação mas quando o nível de dificuldade aumentou mostrou ser fundamental para a Suécia. Nas meias-finais, disputadas a duas mãos, marcou três dos cinco golos com que a Suécia eliminou a Itália (5-3). Depois, na final com a Inglaterra, decidiu a primeira mão, em Gotemburgo, com o único golo do jogo.

 

Duas semanas depois, em Luton, e com menos de três mil espetadores nas bancadas, o selecionador sueco, Ulf Lyford, queria ter tudo planeado ao pormenor. E se a Inglaterra empatasse a final e houve desempate por penáltis? Quem marcaria o derradeiro penálti? «Achei que não ia chegar a tanto e ofereci-me. Ele ficou aliviado, disse-me que agora já estava prometido», contou Pia.

 

A verdade é que chegou ao último penálti. Pia Sundhage foi a quinta jogadora da Suécia a marcar e sabia que se batesse a guarda-redes adversária, a Suécia entraria para a história como a primeira seleção a ser campeã europeia. A avançada não tremeu e fez o golo.

 

Do primeiro Europeu para o primeiro Mundial

Pia Sundhage (7) no Mundial-1991

Sete anos depois, a China organizou o primeiro Mundial. Pia Sundhage era uma jogadora experiente, já tinha centenas de golos marcados, fora quatro vezes campeã sueca e já tinha tido uma aventura no futebol italiano, ao serviço da Lazio. Tinha também feito história ao tornar-se a primeira mulher a marcar em Wembley, contra a Inglaterra em 1989.

 

A Suécia era uma natural candidata ao título e a experiência de Pia Sundhage era uma mais-valia imperdível. Na estreia, houve um penálti contra os Estados Unidos e foi outra jogadora, Hansson, a ser chamada a bater. Falhou a baliza. Na oportunidade seguinte, contra o Brasil, a capitã voltou a assumir a responsabilidade e não vacilou. Pia Sundhage liderava pelo exemplo.

 

O problema foi no terceiro e último jogo da fase de grupos, contra a China. Perante nova oportunidade, Sundhage desperdiçou e permitiu a defesa à chinesa Honglian Zhong, referência do torneio por ter sido a única a defender pontapés dos onze metros sem ser em desempates (um contra a Suécia, outro contra a Noruega).

 

Os dados estatísticos não deixam dúvidas: houve 12 penáltis durante o Mundial-1991. Três foram falhados: dois pela Suécia. Porém, o desperdício não afetou a campanha sueca na fase final, que terminou com o terceiro lugar.

 

Carreira brilhante como treinadora

Pia Sundhage

Pia Sundhage assumiu a carreira de treinadora poucos meses depois do Mundial da China. Continuava a jogar futebol, mas acumulava funções no Hammarby, clube com o qual conquistou duas Taças da Suécia. Pela seleção, jogou até 1996, participando em mais um Mundial e nos Jogos Olímpicos de Atlanta.

 

Quando as ações dentro das quatro linhas foram deixadas para trás, Pia Sundhage começou a desenhar uma carreira brilhante no banco de suplentes. Treinou nos Estados Unidos até 2007, ano em que foi anunciada oficialmente como selecionadora norte-americana. Os resultados falam por ela: não foi além de uma presença na final do Mundial-2011, perdida para o Japão, mas conquistou dois títulos olímpicos, em 2008 e 2012.

 

Quando a etapa nos Estados Unidos terminou, regressou a casa para orientar a Suécia. Com aspirações mais modestas, apesar da tradição, conseguiu ainda assim a medalha de prata no Rio de Janeiro. Curiosidade? O caminho até à final teve duas vitórias no desempate por grandes penalidades: nos quartos contra os Estados Unidos e nas meias contra o Brasil. Tinha de ser.

02 de Maio, 2019

Cláudia Vasconcelos. A primeira árbitra num Mundial

Rui Pedro Silva

Trio de arbitragem histórico no Mundial-1991

Guangzhou, 29 de novembro de 1991. O penúltimo jogo do primeiro Mundial de futebol feminino da história da FIFA tem reservada uma surpresa: o jogo de atribuição do terceiro lugar, entre Suécia e Alemanha, será arbitrado por uma mulher, a brasileira Cláudia Vasconcelos. Mais: toda a equipa será feminina, com Linda May Black (Nova Zelândia) e Xiudi Zuo (China) a comporem o trio.


O momento histórico para Cláudia Vasconcelos começou a desenhar-se em 1983, quando estava a tirar o curso de Educação Física na faculdade e reparou que ia haver a primeira formação para árbitras. «Achei que era um caminho para chegar ao mundo de futebol. Sempre gostei de futebol, desde a infância, e o meu desejo era ser treinadora», contou em 2014 numa entrevista conduzida pelo investigador Igor Chagas Monteiro para o Projeto Garimpando Memórias do Centro de Memória do Esporte.


Cláudia nunca tinha sido atleta mas desde pequena que via futebol em casa com a família. Ali, naquele momento, sem perceber, começou a desbravar caminho para se tornar uma pioneira do futebol feminino. O início, como sempre, foi tremido.


O curso tinha sido criado porque os homens não queriam apitar futebol feminino, «que era um futebol pessimamente jogado» e que estava a dar os primeiros passos no Brasil. Mas, durante a formação, Cláudia Vasconcelos teve de passar por vários infernos. «Arbitrava nos lugares mais escabrosos, sem segurança nenhuma, campos sem proteção», recordou, reforçando que o Brasil era um país muito machista e que não via com bons olhos a existência de mulheres como árbitras.

Cláudia Vasconcelos (esquerda) foi árbitra durante 17 anos)

Oito anos depois, a organização do primeiro Mundial de futebol feminino abriu a porta às mulheres… com bola e com apito. «Queriam levar árbitras como teste, para saberem se realmente podiam criar um quadro de arbitragem. Então resolveram levar as melhores seis do mundo. Fizeram uma pesquisa por todo o mundo e do Brasil escolheram-me a mim», contou Cláudia.


O relatório técnico da FIFA não deixa dúvidas: «A decisão de nomear mulheres para equipas de arbitragem demonstra o caminho que já foi feito pelas senhoras de preto nesta carreira. Os números são otimistas: 26 candidatas foram apontadas pelas respetivas associações para ocupar as seis vagas criadas».


Cláudia Vasconcelos era uma e deu logo nas vistas no jogo de abertura, entre China e Noruega, fazendo com a mexicana Maria Herrera Garcia a dupla de árbitras assistentes. Mas também havia a chinesa Xiudi Zuo, a alemã Gertrud Regus, a sueca Ingrid Jonsson, e a neozelandesa Linda May Black.


«A intenção da FIFA era que fôssemos apenas para árbitras assistentes. Até porque não nos conheciam. Não conheciam o nosso trabalho. Durante a semana de preparação, fizemos treinos, testes físicos, reuniões para conhecimento do regulamento do campeonato… e eles ficaram muito satisfeitos com o desempenho das árbitras. Depois do primeiro jogo, o presidente do Comité de Arbitragem, David Will, confessou que a FIFA tinha resolvido inovar e que ia pôr uma das seis a arbitrar um jogo de atribuição do terceiro lugar.»


«Todas nós tivemos uma motivação a mais no campeonato», afirmou Cláudia, que acabou por ser a escolhida. «Foi uma responsabilidade muito grande. Um dos membros da Comissão de Arbitragem da FIFA disse-me que o futuro da arbitragem feminina dependia da minha atuação naquele momento», acrescentou.


O balanço daquele Suécia-Alemanha foi positivo e o relatório técnico comprova-o: «Cláudia Vasconcelos fez o trabalho de forma competente». Porém, David Will não quis abrir muito o jogo sobre o que seria o futuro, reforçando que era cedo para retirar conclusões. «As seis árbitras representaram bem as mulheres e mantiveram a possibilidade de haver novas oportunidades nos próximos anos», afirmou.


O futuro confirmou que o sucesso da arbitragem feminina estava destinado. Em 1995, Cláudia Vasconcelos integrou o primeiro grupo de mulheres árbitras da FIFA e assim se manteve até terminar a carreira, em 2000.

01 de Maio, 2019

Gunn Nyborg. O sinónimo do centenário norueguês

Rui Pedro Silva

Nyborg disputou o Mundial com o número 5

Estávamos a 7 de julho de 1978. A Noruega criara uma seleção de futebol feminino e tinha escolhido a vizinha Suécia para o primiro jogo de sempre. O resultado, uma derrota por 2-1, não foi animador mas percebeu-se que o futuro podia ser especial.

 

Entre as jogadoras, havia uma defesa de 18 anos chamada Gunn Lisbeth Nyborg. Na altura, ainda não o sabia, mas ia tornar-se um sinónimo inflexível do futebol feminino norueguês durante mais de uma década.

 

Treze anos depois, quando a FIFA organizou o seu primeiro Mundial feminino da história, Nyborg tinha 31 anos. Podia dizer-se que estava em final de carreira mas era cada vez mais um pilar da seleção escandinava. No passado, contava já com o título no Mundial não-oficial da China, organizado três anos antes, e com o Europeu-1987. A Noruega era uma potência do futebol feminino na Europa e repetiu a presença nas finais de 1989 e 1991, ambas perdidas.

 

Na China, em 1991, Nyborg permanecia de pedra e cal. Desde aquele dia de 1978, nunca tinha falhado um jogo da Noruega. Um único. Os caprichos do calendário e a capacidade de atingir a final protagonizaram uma coincidência memorável: o 100.º jogo na história da seleção norueguesa foi a final da prova, contra os Estados Unidos. Como consequência, foi também a 100.ª internacionalização de Nyborg.

 

O resultado podia ter sido melhor. Os Estados Unidos venceram 2-1 e, como defesa, Nyborg não conseguiu contribuir para anular a veia goleadora de Michelle Akers. Mas o feito centenário, sobretudo depois de ter sido totalista durante a competição (fez os 80 minutos em todos os cinco jogos e ainda disputou o prolongamento dos quartos-de-final contra a Itália), não foi esquecido pela organização.

Nyborg com a bola da final

Na gala de final da prova, recebeu um prémio especial de João Havelange. Acompanhado de Pelé, o presidente da FIFA entregou a Nyborg a bola utilizada durante a final.

 

Foi um prémio inesperado mas a defesa não estava pronta para deixar os seus créditos por mãos alheias, continuando esta inacreditável série durante mais dez jogos. Em 1994, já depois de terminar a carreira, voltou a ser distinguida pela FIFA com a Ordem de Mérito.

 

Naquele dia, naquele momento, não podia ter escolhido melhor companhia. Entre os distinguidos havia também Eusébio, Di Stéfano, Just Fontaine e Ferenc Puskas. Só os melhores e os mais importantes… como Gunn Lisbeth Nyborg.

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