Bill Buckner. O homem que recusou ser destruído por um erro
Foi perseguido por fãs irados dos Boston Red Sox depois de não conseguir agarrar uma bola num momento decisivo da World Series em 1986. Acabou dispensado pela equipa e precisou de décadas para reconquistar a verdadeira tranquilidade. Morreu agora, vítima de uma forma de demência.
Nova Iorque, 25 de outubro de 1986. Os Red Sox não eram campeões desde 1918 e o título parecia mais próximo do que nunca. A vitória no jogo 6 da World Series com os New York Mets estava a um out de distância e o balneário até já estava forrado a plástico para proteger a roupa do champanhe. O emblemático jornalista da NBC, Bob Costas, estava lá dentro, preparado para o direto, mas assim que Bob Stanley fez um wild pitch que permitiu o empate dos Mets, tanto ele como o seu câmara saíram a correr.
O 5-3 tinha-se transformado num 5-5. Mas o cenário de pesadelo estava longe de terminar. Pouco depois, numa bola batida para a zona da primeira base, Bill Buckner falhou a aproximação e deixou a bola rasar a luva e passar por entre as pernas. Os Mets aproveitaram para vencer o jogo 6 e abriram caminho para o título no jogo 7.
O erro de Bob Stanley caiu no esquecimento, o de Bill Buckner foi extrapolado. E o jogador nem devia ter estado em campo. Pedra fundamental dos Red Sox durante a época, continuou a jogar naquele inning porque o treinador queria garantir-lhe a oportunidade de festejar o tão ansiado título em campo. O tiro saiu pela culatra.
Bill Buckner não pareceu afetado e a primeira reação no balneário após o jogo seis até demonstrou algum desdém, num tom que não terá agradado a apaixonada falange de adeptos de Boston. «É um azar que tenha acontecido mas faz parte do basebol. Nunca joguei um jogo 7, assim sempre tenho uma oportunidade», disse.
Uma viagem pelo inferno
A vida de Bill Buckner mudou para sempre. Associado ao erro que tinha impedido os Red Sox de festejar o primeiro título em quase sete décadas, tornou-se um alvo fácil para os adeptos. Viver em Boston transformou-se num pesadelo. Era insultado na rua, não podia sair com a família e até o filho, de apenas quatro anos, era abordado com comentários maliciosos na escola.
A meio da época seguinte, os Red Sox perceberam que a situação era insustentável e dispensaram-no. Depois de ter representado LA Dodgers e Chicago Cubs, antes de chegar a Boston, o jogador regressava agora à Califórnia para representar os Angels. Em final de carreira – tinha começado em 1969 -, Buckner até acabou por voltar a Boston para a última temporada, em 1990. Mas o cenário era ainda muito divisivo entre adeptos: uns tentavam garantir que se sentia bem, outros não estavam preparados para esquecer o que acontecera quatro anos antes.
A enorme hostilidade em Boston fez com que se tivesse exilado no outro canto do país, em Boise (Idaho), à procura de serenidade. Conseguiu construir uma vida tranquila com a mulher e os filhos, e deixou de sofrer com aquele instante de 1986. Mas, ano após ano, perante os fracassos constantes dos Red Sox, continuava a ser uma nota de rodapé.
Tudo mudou em 2004 quando os Red Sox foram finalmente campeões. Logo na altura, um grupo de adeptos mostrou uma tarja onde se lia «Nós perdoamos Bill Buckner». Mas ele não estava convencido, não estava preparado. Tanto assim foi que em 2006, por altura da celebração dos 20 anos da famosa equipa de 1986, Buckner recusou viajar até Boston.
«Façam-no saber que será sempre bem-vindo», disse o speaker enquanto anunciava Bill Buckner na lista de jogadores de 1986. O Fenway Park aplaudiu durante vários segundos enquanto a imagem do antigo jogador aparecia no ecrã gigante. E assim foi… até 2008.
Encontrar a paz interna… e com o mundo
Semanas depois do segundo título num espaço de quatro anos, os Boston Red Sox convidaram Bill Buckner para fazer o lançamento inaugural no primeiro jogo da temporada. A primeira resposta foi negativa, tal como a da família.
«Não acho que merecessem», disse Judy, a mulher. «Mas quanto mais pensei nisso, mais me apeteceu fazê-lo», confessou Buckner em 2011. O ex-jogador deixou-se convencer e acabou ovacionado de pé durante largos minutos.
«Foi uma grande sensação e, ao mesmo tempo, um momento embaraçoso por ter tanta gente a olhar para mim. Mas foi muito bom, muito emocional. Levei o tempo necessário para olhar para toda a gente. Consegue-se ver quando estão a ser sinceras. E isso deixou-me em lágrimas, claro», admitiu.
Judy Buckner viu sinais naquele dia em Boston que não gostou. «Aborreceu-me ler tarjas que diziam que ele estava perdoado. A verdade é que não precisávamos de perdão, e não fomos para lá à procura disso. Nós é que precisávamos de perdoar… e acho que o fizemos.»
Bill confirma: «Precisava mesmo de perdoar. Não necessariamente os adeptos de Boston por si só mas a imprensa, por tudo aquilo que me fizeram, e à minha família, passar. Foi isso que fiz. Ultrapassei-o. E agora estou feliz por concentrar-me no positivo, nas coisas felizes».
Nos últimos anos, Bill Buckner foi mostrando sinais de falta de lucidez, perda de memória, e acabou diagnosticado com Demência de Corpos de Lewy. A 27 de maio de 2019, um comunicado revelou que Bill tinha morrido, aos 69 anos, rodeado pela sua família. «Lutou com coragem e abnegação, como foi a sua imagem de marca durante toda a vida.»
Será possível lembrar Bill Buckner sem referir o jogo seis de 1986? O próprio deu a resposta, ainda em 2011: «Já está tão inculcado na memória das pessoas que não há volta a dar, não vai acontecer. É como é. Com sorte, falarão de mim como Bill Buckner, o do erro da World Series de 1986, mas que era um jogador muito bom. Fiquemo-nos por aí».