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É Desporto

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28 de Maio, 2019

Bill Buckner. O homem que recusou ser destruído por um erro

Rui Pedro Silva

O famoso erro

Foi perseguido por fãs irados dos Boston Red Sox depois de não conseguir agarrar uma bola num momento decisivo da World Series em 1986. Acabou dispensado pela equipa e precisou de décadas para reconquistar a verdadeira tranquilidade. Morreu agora, vítima de uma forma de demência.

 

Nova Iorque, 25 de outubro de 1986. Os Red Sox não eram campeões desde 1918 e o título parecia mais próximo do que nunca. A vitória no jogo 6 da World Series com os New York Mets estava a um out de distância e o balneário até já estava forrado a plástico para proteger a roupa do champanhe. O emblemático jornalista da NBC, Bob Costas, estava lá dentro, preparado para o direto, mas assim que Bob Stanley fez um wild pitch que permitiu o empate dos Mets, tanto ele como o seu câmara saíram a correr.

 

O 5-3 tinha-se transformado num 5-5. Mas o cenário de pesadelo estava longe de terminar. Pouco depois, numa bola batida para a zona da primeira base, Bill Buckner falhou a aproximação e deixou a bola rasar a luva e passar por entre as pernas. Os Mets aproveitaram para vencer o jogo 6 e abriram caminho para o título no jogo 7.

 

O erro de Bob Stanley caiu no esquecimento, o de Bill Buckner foi extrapolado. E o jogador nem devia ter estado em campo. Pedra fundamental dos Red Sox durante a época, continuou a jogar naquele inning porque o treinador queria garantir-lhe a oportunidade de festejar o tão ansiado título em campo. O tiro saiu pela culatra.

 

Bill Buckner não pareceu afetado e a primeira reação no balneário após o jogo seis até demonstrou algum desdém, num tom que não terá agradado a apaixonada falange de adeptos de Boston. «É um azar que tenha acontecido mas faz parte do basebol. Nunca joguei um jogo 7, assim sempre tenho uma oportunidade», disse.

 

Uma viagem pelo inferno

Bill Buckner tornou-se um homem isolado em Boston

A vida de Bill Buckner mudou para sempre. Associado ao erro que tinha impedido os Red Sox de festejar o primeiro título em quase sete décadas, tornou-se um alvo fácil para os adeptos. Viver em Boston transformou-se num pesadelo. Era insultado na rua, não podia sair com a família e até o filho, de apenas quatro anos, era abordado com comentários maliciosos na escola.

 

A meio da época seguinte, os Red Sox perceberam que a situação era insustentável e dispensaram-no. Depois de ter representado LA Dodgers e Chicago Cubs, antes de chegar a Boston, o jogador regressava agora à Califórnia para representar os Angels. Em final de carreira – tinha começado em 1969 -, Buckner até acabou por voltar a Boston para a última temporada, em 1990. Mas o cenário era ainda muito divisivo entre adeptos: uns tentavam garantir que se sentia bem, outros não estavam preparados para esquecer o que acontecera quatro anos antes.

 

A enorme hostilidade em Boston fez com que se tivesse exilado no outro canto do país, em Boise (Idaho), à procura de serenidade. Conseguiu construir uma vida tranquila com a mulher e os filhos, e deixou de sofrer com aquele instante de 1986. Mas, ano após ano, perante os fracassos constantes dos Red Sox, continuava a ser uma nota de rodapé.

 

Tudo mudou em 2004 quando os Red Sox foram finalmente campeões. Logo na altura, um grupo de adeptos mostrou uma tarja onde se lia «Nós perdoamos Bill Buckner». Mas ele não estava convencido, não estava preparado. Tanto assim foi que em 2006, por altura da celebração dos 20 anos da famosa equipa de 1986, Buckner recusou viajar até Boston.

 

«Façam-no saber que será sempre bem-vindo», disse o speaker enquanto anunciava Bill Buckner na lista de jogadores de 1986. O Fenway Park aplaudiu durante vários segundos enquanto a imagem do antigo jogador aparecia no ecrã gigante. E assim foi… até 2008.

 

Encontrar a paz interna… e com o mundo

Buckner de regresso ao Fenway Park

Semanas depois do segundo título num espaço de quatro anos, os Boston Red Sox convidaram Bill Buckner para fazer o lançamento inaugural no primeiro jogo da temporada. A primeira resposta foi negativa, tal como a da família.

 

«Não acho que merecessem», disse Judy, a mulher. «Mas quanto mais pensei nisso, mais me apeteceu fazê-lo», confessou Buckner em 2011. O ex-jogador deixou-se convencer e acabou ovacionado de pé durante largos minutos.

 

«Foi uma grande sensação e, ao mesmo tempo, um momento embaraçoso por ter tanta gente a olhar para mim. Mas foi muito bom, muito emocional. Levei o tempo necessário para olhar para toda a gente. Consegue-se ver quando estão a ser sinceras. E isso deixou-me em lágrimas, claro», admitiu.

 

Judy Buckner viu sinais naquele dia em Boston que não gostou. «Aborreceu-me ler tarjas que diziam que ele estava perdoado. A verdade é que não precisávamos de perdão, e não fomos para lá à procura disso. Nós é que precisávamos de perdoar… e acho que o fizemos.»

 

Bill confirma: «Precisava mesmo de perdoar. Não necessariamente os adeptos de Boston por si só mas a imprensa, por tudo aquilo que me fizeram, e à minha família, passar. Foi isso que fiz. Ultrapassei-o. E agora estou feliz por concentrar-me no positivo, nas coisas felizes».

 

Nos últimos anos, Bill Buckner foi mostrando sinais de falta de lucidez, perda de memória, e acabou diagnosticado com Demência de Corpos de Lewy. A 27 de maio de 2019, um comunicado revelou que Bill tinha morrido, aos 69 anos, rodeado pela sua família. «Lutou com coragem e abnegação, como foi a sua imagem de marca durante toda a vida.»

 

Será possível lembrar Bill Buckner sem referir o jogo seis de 1986? O próprio deu a resposta, ainda em 2011: «Já está tão inculcado na memória das pessoas que não há volta a dar, não vai acontecer. É como é. Com sorte, falarão de mim como Bill Buckner, o do erro da World Series de 1986, mas que era um jogador muito bom. Fiquemo-nos por aí».

28 de Maio, 2019

Inglaterra. A única equipa a derrotar um futuro campeão

Rui Pedro Silva

Inglaterra no Mundial-2007

Estados Unidos (duas vezes), Noruega e Alemanha (também duas vezes) conquistaram as cinco primeiras edições de Mundiais de futebol feminino sem sofrer uma única derrota. Foi preciso esperar até 2011, na Alemanha, para que uma equipa já vencida pudesse chegar à final e vencer o tão ansiado troféu. Aconteceu como Japão… e a culpada foi a Inglaterra.

 

A expressão «campeão sem derrotas» tem um significado muito mais forte do que merece na realidade. E isso acontece porque o nosso cérebro está formatado para pensar automaticamente num campeonato com 30 ou mais jornadas, onde os deslizes acontecem e uma derrota, apesar de tudo, não significa o fim da linha.

 

Quando chegamos a fases finais, a expressão perde significado. Desde logo porque ser campeão sem derrotas acaba por ser o mais natural. A partir da fase a eliminar, a derrota é, literalmente, uma obrigação de saída da competição. E, na fase de grupos, os maiores candidatos raramente tremem.

 

Em sete edições do Mundial de futebol feminino, contando já com 2015, houve apenas uma seleção a erguer o troféu depois de perder um jogo na fase de grupos: o Japão. E se decidirmos alargar o espetro ao futebol masculino, verificamos que desde 1930, em 21 edições, houve apenas quatro casos: a RFA perdeu com a Hungria em 1954 (3-8) e com a RDA em 1974 (0-1), a Argentina perdeu com a Itália em 1978 (0-1), e a Espanha perdeu com a Suíça em 2010 (0-1).

Gelson Fernandes bateu a Espanha em 2010

A Inglaterra é a culpada na sombra de este feito inédito no futebol feminino na edição ganha pelo Japão. As duas equipas defrontaram-se a 5 de julho, em Augsburgo, perante mais de vinte mil pessoas, na última jornada da fase de grupos. O Japão já estava apurado, com seis pontos, mas as inglesas podiam ser eliminadas através de uma improvável – mas possível – combinação de resultados.

 

Sem a pressão do apuramento, o selecionador japonês Norio Sasaki não rodou a equipa e entrou em campo exatamente com o mesmo onze que tinha goleado o México (4-0) quatro dias antes e derrotado a Nova Zelândia por 2-1 na estreia. Se houve pé fora do acelerador, não foi pela equipa que entrou em campo.

 

Na verdade, o jogo teria mais a decidir do que o apuramento. O grupo B do Mundial cruzava com o A, onde estava a anfitriã e bicampeã mundial em título Alemanha. O problema? Havia um França-Alemanha a ser disputado apenas depois do Inglaterra-Japão.

 

Mais do que escapar à Alemanha, as inglesas queriam mostrar o que valiam em campo e provaram-no com um triunfo por 2-0. Ellen White inaugurou o marcador aos 15 minutos e Rachel Yankey, entrada ao intervalo, fixou o resultado aos 66 minutos.

 

O triunfo da Inglaterra não foi um choque. Nem podia ser visto como tal. O historial do Japão na prova era pobre: tinha cinco participações mas só em 1995 passara da fase de grupos, perdendo logo no embate dos quartos-de-final. Agora, o simples apuramento já era visto como uma melhoria.

Japão festejou no fim

Quando, cerca de cinco horas mais tarde, a Alemanha derrotou a França por 4-2, o destino das quatro seleções ficou traçado. Contra todas as expectativas, o Japão derrotou a Alemanha após prolongamento (1-0, Maruyama) e protagonizou um choque inesperado. A Inglaterra esteve perto das meias-finais mas desperdiçou a vantagem de 1-0 aos 88 minutos e foi forçada a decidir a sorte nos penáltis.

 

Aí, a Inglaterra limitou-se a ser… Inglaterra. O início foi promissor: Abily falhou o primeiro penálti francês e as três primeiras inglesas não vacilaram. Mas, depois, com dois remates desperdiçados consecutivos e um resto de folha imaculada para as francesas, a história no Mundial-2011 ficou por ali.

 

Mais tarde, o Japão conquistou o título, batendo os Estados Unidos nos penáltis. A derrota com a Inglaterra na fase de grupos não foi mais do que uma nota de rodapé numa campanha memorável para um país inteiro.