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É Desporto

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27 de Maio, 2019

Bobby Orr. O salto que entrou na história

Rui Pedro Silva

O mítico salto de Bobby Orr

Disputava-se o prolongamento do jogo 4 da Stanley Cup de 1970. Os Boston Bruins estavam a jogar em casa e sabiam que uma nova vitória garantiria o título contra os St. Louis Blues. Bobby Orr foi o herói com uma finalização que terminou com um salto que entrou para a história e ficou imortalizado… em fotografias e numa estátua em Boston.

 

É difícil chegar ao pavilhão dos Celtics e dos Bruins sem dar de caras com uma estátua de um jogador de hóquei no gelo que parece festejar enquanto mantém uma queda no ar para a frente. O momento memorável representa a figura que Bobby Orr fez a 10 de maio de 1970, depois de marcar o 4-3 que acabou com a temporada e garantiu o título dos Boston Bruins.

 

O hóquei no gelo é o parente pobre dos desportos profissionais nos Estados Unidos. As efemérides mais recordadas dizem maioritariamente respeito a modalidades como o basquetebol, o futebol americano e o basebol. Mas, de vez em quando, há espaço para momentos que fizeram a diferença. Aí, o golo de Bobby Orr – tanto pela importância como pelo efeito estético – merece um lugar de destaque.

 

Quando a Stanley Cup começou, o favoritismo parecia tender para o lado da equipa do Missouri. Estavam na sua terceira final consecutiva e, apesar de terem perdido as duas anteriores para os Montreal Canadiens sem qualquer triunfo, acreditavam que à terceira seria de vez. Do outro lado, os Boston Bruins estavam numa seca de títulos: não iam a uma final desde 1958 e o último campeonato tinha sido conquistado em 1941.

 

Naquela altura, Boston era uma cidade de basquetebol. Red Auerbach tinha construído uma hegemonia nos Celtics, e o basebol não resistia aos constantes fracassos dos Red Sox. O hóquei do gelo era, ainda assim, uma fortaleza de tradição. Afinal de contas, os Bruins fizeram parte do Original Six que marcou o arranque do campeonato na primeira metade do século.

 

Os primeiros três jogos inclinaram irremediavelmente a balança a favor de Boston. Depois de triunfos contundentes em St. Louis (6-1 e 6-2), os Bruins venceram por 4-1 e ficaram a apenas uma vitória do título. Determinados a evitar uma terceira derrota por 0-4 numa Stanley Cup, os Blues apareceram revigorados para o jogo seguinte e estiveram duas vezes em vantagem durante os três períodos regulamentares (2-1 e 3-2). Mas não conseguiram evitar o prolongamento.

Outro plano do mesmo momento

A tensão estava nos píncaros. No tempo extra não há margem para errar e o primeiro golo decide o encontro. Neste caso, se fosse dos Bruins, decidiria também a final. Apesar do nervosismo máximo, foram necessários apenas 40 segundos para encontrar um vencedor. Bobby Orr, com 22 anos feitos dois meses antes, recebeu o disco e marcou o golo decisivo, acabando a festejar em pleno voo depois de ter sido rasteirado por um adversário.

 

As objetivas dos fotógrafos presentes no pavilhão não pararam de disparar e ajudaram a construir um momento icónico dos Boston Bruins, da NHL e do desporto norte-americano. Nenhum deles contribuiu tanto como Ray Lussier, o fotógrafo ao nível do rinque que captou de forma perfeita o salto de Orr acompanhado pelas expressões vitoriosas de jogador e adeptos.

 

Em Boston desde 1966, Bobby Orr mostrou ter uma capacidade peculiar para aparecer em momentos decisivos. Dois anos depois, num novo título dos Bruins, voltou a ser ele a marcar o golo que desbloqueou o encontro decisivo da final com os New York Rangers.

 

Hoje, 49 anos depois do famoso golo, Bobby Orr é considerado o melhor jogador de sempre dos Boston Bruins e um dos melhores defesas na história do hóquei no gelo. Hoje, Bruins e Blues voltam a encontrar-se numa Stanley Cup. Orr já não joga mas continua a voar na memória de muitos.

27 de Maio, 2019

Derby County. O sonho europeu morreu em Turim

Rui Pedro Silva

McFarland e Altafini foram protagonistas na primeira mão

Foi o período de ouro da equipa do Derbyshire durante uma era em que Brian Clough se estava a afirmar como um dos melhores treinadores na história do futebol inglês. Depois de um inédito campeonato em Inglaterra, os rams atravessaram o Canal da Mancha e brilharam também na Europa. Estiveram a um passo da final da Taça dos Campeões Europeus mas caíram por causa do que aconteceu em Turim, frente aos «batoteiros sacanas» dos italianos.

 

O Derby County é um dos dois clubes em Inglaterra que têm claramente um a.C e um d.C. Não, não falamos de Cristo, mas sim de Brian Clough. O carismático treinador, com tanto de irascível como de competente, estará para sempre ligado, sobretudo, à forma brilhante como foi campeão inglês e bicampeão europeu no Nottingham Forest, mas foi no Derby County que começou a construir o seu estatuto.

 

O clube do Derbyshire não era mais do que uma nota de rodapé do futebol inglês quando Brian Clough chegou, acompanhado do seu eterno braço-direito (Peter Taylor), em 1967. O Derby County tinha disputado o escalão principal pela última vez em 1953 e as memórias dos tempos áureos eram cada vez mais distantes.

 

Com Clough, tudo isso mudou. Pedra sobre pedra, o clube foi cimentando uma imagem cada vez mais forte e garantiu o regresso à elite em 1969. Depois de dois anos a ganhar experiência na primeira divisão, o Derby County foi ainda mais além e sagrou-se campeão nacional, conquistando o primeiro título relevante do palmarés desde a FA Cup em 1946.

 

Num dos campeonatos mais renhidos na história do futebol europeu, o clube terminou as 42 jornadas com um ponto de vantagem sobre Leeds United, Liverpool e Manchester City, e assegurou uma inédita participação na Taça dos Campeões Europeus.

 

A Europa era uma experiência nova para Brian Clough. O quarto lugar alcançado em 1970 tinha garantido uma vaga na Taça das Cidades com Feira mas o clube fora banido pela UEFA devido a irregularidades financeiras. Agora, dois anos depois, o objetivo era claro: demonstrar que conseguiam ser tão dominadores e competitivos no Velho Continente como eram nas ilhas britânicas.

 

O Derby County venceu na estreia (2-0 ao Zeljeznicar) e irrompeu para uma campanha de sucesso, eliminando os jugoslavos de Sarajevo (4-1), Benfica (3-0) e Spartak Trnava (2-1) antes de apanhar a Juventus nas meias-finais da competição. A primeira mão ia ser disputada em Turim.

 

«A Juventus comprou o árbitro»

McGovern era uma das figuras do Derby County

Brian Clough nunca teve problemas em dizer o que achava. Era cru, sem contemplações e não hesitava no momento de criticar adversários, treinadores e árbitros. Na noite de 11 de abril de 1973, no dia e que a Juventus bateu o Derby County por 3-1 com a ajuda de um bis de Altafini, o técnico não calou a revolta.

 

Com o jogo ainda fresco na memória, Clough recusou falar com a imprensa italiana. «Não falo com batoteiros sacanas. Não vou falar com nenhum batoteiro sacana», insistiu, ainda incrédito com o que tinha acabado de presenciar.

 

A derrota era apenas um dos problemas daquela noite. Archie Gemmill e Roy McFarland, dois dos esteios da equipa do Derby County, tinham visto o amarelo das mãos de alemão Gerhard Schulenberg e estavam de fora da segunda mão. E quem tinha sido visto a visitar o árbitro alemão no balneário ao intervalo? O alemão Helmut Haller, suplente da Juventus.

 

A qualidade de um plantel com jogadores como Dino Zoff, Fabio Capello ou Roberto Bettega foi relegada para segundo plano. Brian Clough estava inconformado com o que tinha acabado de acontecer. Peter Taylor já tinha sido avisado por Gary Charles, antiga glória da Juventus, que Haller tinha ido visitar Schulenberg antes do jogo, mas depois viu-o com os próprios olhos ao intervalo. O adjunto pediu para ouvir a conversa, garantindo que percebia alemão mas, de acordo com o que escreveu num livro anos mais tarde, acabou por ser atingido nas costelas pelo futebolista e mantido longe por funcionários da Juventus.

 

O Derby County teve motivos de queixa? As reportagens da altura – as britânicas – revelam uma atitude permissiva do árbitro face às investidas italianas e uma aparente exigência disciplinar perante as respostas inglesas. Se a entrada de Gemill sobre Furino – uma retribuição – pode ser vista como um amarelo, o lance que valeu a suspensão a McFarland é visto como um choque casual de cabeças numa disputa de bola.

 

Brian Clough, esse, não teve dúvidas. «Não conseguia acreditar em algumas das coisas que os meus olhos estavam a ver em Turim», recordou mais tarde numa autobiografia. «Cheirava mal por todo o lado. Tinha ouvido lendas de suborno, corrupção, de árbitros amigos em Itália, chamem-lhe o que que quiserem, mas nunca tinha visto algo tão claro como naquele jogo. Fiquei fora de mim!», continuou.

 

«A Juventus comprou o árbitro, não tenho qualquer sombra de dúvida. Fui enganado. O Taylor quase foi preso e dois jogadores foram suspensos por praticamente nada. O que me surpreende mais é que a Juventus era uma equipa suficientemente boa. Tinham o melhor plantel mas talvez tivéssemos atingido a final europeia se o Gemmill e o McFarland tivessem jogado a segunda mão», afirmou.

 

Novas suspeições, agora com um árbitro português

Juventus acabou ilibada de todas as suspeitas

A eliminatória continuava em aberto, apesar de tudo. Em Inglaterra, o Derby County podia estar em desvantagem e sem dois dos seus melhores talentos, mas a Juventus sabia que não seria fácil. Desta feita, foi o próprio árbitro, o setubalense Francisco Marques Lobo, a revelar que tinha sido abordado pela Juventus.

 

O árbitro português garantiu ter recebido uma oferta de cinco mil dólares e um carro caso a Juventus ganhasse. A UEFA investigou a acusação e ilibou o clube italiano, garantindo que a proposta tinha sido feita por um mafioso húngaro a agir por contra própria.

 

As suspeições de Clough nunca se confirmaram oficialmente. E o jogo da segunda mão não foi além de um empate a zero golos, numa arbitragem considerada positiva e sem casos. O Derby County desperdiçou uma grande penalidade e até acabou reduzido a dez, depois de Roger Davies ter agredido um italiano à cabeçada. Clough reconheceu a justiça da decisão.

 

A Juventus seguiu para a final de Belgrado mas falhou o primeiro título da sua história, permitindo o terceiro triunfo consecutivo do Ajax, graças a um golo solitário de Johnny Rep. A vecchia signora só conseguiu ganhar finalmente em 1985. Por essa altura, já Clough tinha abandonado o Derby County e conquistado duas Taças dos Campeões Europeus com o Nottingham Forest (1979 e 1980), e com Gemmill no plantel no primeiro triunfo.

 

O Derby County nunca mais voltou a estar tão perto da glória europeia. A equipa foi campeã inglesa novamente em 1975, já sem Brian Clough, mas não foi além da segunda ronda da Taça dos Campeões Europeus em 1975/76. As últimas décadas têm sido marcadas pela irrelevância e na era da Premier League têm apenas sete presenças no escalão máximo.

27 de Maio, 2019

Mundial-2011. Japão abre a porta para a Ásia

Rui Pedro Silva

Mundial-2007

A China organizou as fases finais de 1991 e 2007. E participou na final em 1999, perdendo apenas nas grandes penalidades. Mas foi o Japão que fez história ao tornar-se a primeira seleção fora da Europa e América do Norte a  conquistar uma prova. De vulnerável equipa nos anos 90, passou por uma fase de crescimento no início do século XXI e coroou a evolução com a chave de ouro em 2011.

 

A Alemanha foi a organizadora da fase final – na primeira edição organizada pela Europa desde o Suécia-1995 – e tinha uma oportunidade de ouro para alcançar um inédito tricampeonato. A organização começou por pensar em alargar a prova para 24 seleções mas a ideia de manter as 16 foi para a frente, até porque não havia certezas de que o mundo teria equipas suficientes com qualidade.

 

Houve espaço para tudo. Brasil, Alemanha, Japão, Nigéria, Noruega, Suécia e Estados Unidos mantiveram a sua série de assiduidade intocável, apesar de as norte-americanas terem sido obrigadas a disputar um play-off com a Itália. Em sentido contrário, a China desperdiçou a oportunidade de ver o Japão celebrar o título, enquanto Colômbia e Guiné Equatorial conseguiram a estreia no torneio.

Brasil-Austrália

Os resultados não surpreenderam: a Colômbia foi última classificada do seu grupo, apesar de somar um empate com a também vulnerável Coreia do Norte, enquanto a Guiné Equatorial ficou mesmo em branco, num grupo com Brasil, Austrália e Noruega. Bom, na verdade conseguiu festejar por duas vezes, durante a derrota com as socceroos (3-2).

 

O Japão conquistou o torneio e fez duplamente história. Além de se tornar a primeira seleção asiática a vencer a prova, foi também a primeira equipa a erguer o troféu depois de perder um jogo durante a prova. A culpada foi a Inglaterra, naturalmente ainda durante a fase de grupos. Quando os jogos foram a doer, não houve quem travasse as nipónicas: a bicampeã Alemanha foi eliminada no prolongamento dos quartos-de-final, a Suécia ficou pelo caminho na meia-final e no jogo mais ansiado, com os Estados Unidos, a emoção chegou para dar e vender.

 

Por duas vezes o Japão esteve a perder, por duas vezes conseguiu o empate, uma delas a três minutos do final do prolongamento. No desempate por grandes penalidades, Boxx, Lloyd e Heath falharam para as norte-americanas. Ou melhor, Ayumi Kaihori defendeu e ganhou o estatuto de lenda no futebol japonês.

 

Joseph Blatter garantiu que este foi o melhor Mundial de sempre, que «todos os indicadores apontam para isso». E que indicadores são esses? Um deles foi a média mais baixa de golos de sempre numa fase final (2,7).

 

Era um sinal de modernidade. O 11-0 da Alemanha à Argentina em 2007 era coisa do passado. A vitória do Japão sobre o México na fase de grupos (4-0) foi o resultado mais desnivelado e houve apenas um jogo com mais golos (5) do que o encontro da final. E mesmo esse, o já referido Austrália-Guiné Equatorial, teve um resultado equilibrado (3-2).

Suécia-EUA

O número de espetadores total voltou a baixar do milhão, com 845 711, sendo ainda assim muito melhor do que os pouco mais de 110 mil que a única prova na Europa tinha registado até então, em 1995.

 

Blatter destacou também a emoção vivida na final, com Homare Sawa, a mítica e experiente japonesa, a garantir um desfecho perfeito na sua quinta e última fase final: sagrou-se a melhor marcadora da prova (5) e recebeu o troféu de melhor jogadora.

 

«A conclusão é óbvia», escreveu Sepp Blatter. «O Mundial-2011 foi a melhor plataforma possível para mostrar ao mundo que as mulheres conseguem, de facto, jogar futebol de maneira técnica, física, rápida e cativante.»

 

O jogo da Alemanha com o Canadá, o primeiro da anfitriã em casa, registou a maior assistência da prova, com 73680 pessoas, e passou a ser o único encontro do top-8 das lotações na história das fases finais a não ter sido disputado na edição de 1999. A árbitra da final foi uma mulher que é hoje notícia por todo o mundo: a alemã Bibiana Steinhaus, que atualmente é nomeada para jogos da Bundesliga.

 

No que diz respeito aos golos, Marta marcou mais quatro e igualou Birgit Prinz na lista de melhores marcadores da história. Contudo, ao contrário da alemã, precisou de apenas três fases finais para lá chegar: três em 2003, sete em 2007 e quatro em 2011.

 

Sem surpresa, Portugal ficou de fora da competição. Na fase de qualificação, foi terceiro classificado num grupo com Itália (22 pontos), Finlândia, Eslovénia e Arménia. A seleção nacional terminou com um registo positivo de golos (17-10) muito por culpa das vitórias contra Eslovénia (4-0 e 1-0) e Arménia (7-0 e 3-0). Fora desses jogos, apenas dois golos marcados, dez sofridos e quatro derrotas.