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É Desporto

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22 de Maio, 2019

Ruta Meilutyte. Quando os fenómenos se afogam na depressão

Rui Pedro Silva

Ruta Meilutyte

Nadadora lituana foi campeã olímpica em Londres com apenas 15 anos e iniciou um ciclo de constante pressão para o qual não estava preparada. Sofreu uma depressão, perdeu a vontade de nadar e acabou suspensa por falhar o código de regras antidoping. Hoje anunciou o final da carreira.

 

O desporto de alta competição consegue ser macabro para os jovens fenómenos. Modalidades como a natação, a ginástica e a patinagem, em que os vencedores são normalmente muito novos, começam a moldar crianças desde uma fase prematura da infância e roubam-lhes a possibilidade de viver tudo o que têm direito.

 

Os sacrifícios são enormes mas os resultados começam a aparecer e, com eles, surgem também os monstros competitivos. Tudo é novo, tudo parece um paraíso, tudo é tal e qual o que se tinha sonhado. O problema é que raramente estão preparados para o fracasso ou, simplesmente, para o período pós-glória.

 

Em setembro de 2017, a patinadora russa Yulia Lipnitskaya anunciou o final da carreira. Tinha apenas 19 anos, fora campeã olímpica em 2014, e terminou a atividade na sequência de sucessivos tratamentos para a anorexia. «Será que tenho de ter 37 quilos para sempre só para deixar toda a gente feliz?», questionava-se.

 

O caso de Lipnitskaya está longe de ser único. Passemos do estado sólido da água para o estado líquido e vejamos os inúmeros exemplos na natação. Michael Phelps atravessou um período problemático entre feitos olímpicos mas conseguiu dar a volta por cima. Ruta Meilutyte não conseguiu. Pelo menos da forma que desejava.

 

A história de vida da nadadora lituana não é muito diferente da de tantos talentos na modalidade. Deu nas vistas muito nova e foi campeã olímpica em Londres-2012, com apenas 15 anos, nos 100 metros bruços.

Lituana conquistou título olímpico em 2012

Alcançar um feito tão importante tão nova foi, de certa maneira, o pior que lhe podia ter acontecido. Foi o dia em que deixou de ser uma promessa e passou a ser uma confirmação. Foi o dia em que deixou de assumir um compromisso pela busca de um triunfo e passou a ser uma nadadora certificada obrigada a defender a sua imagem. Podia estar no nono ano de escolaridade, podia ter uma vida igual à de milhões de adolescentes por todo o mundo, mas era campeã olímpica e ia começar a afogar-se na pressão.

 

O período de graça manteve-se nos dois anos seguintes, com títulos mundiais e europeus. Depois, finalmente, o castelo começou a ruir, como contou a 19 de abril de 2018, numa entrevista ao Globo Esporte. «Tenho uma depressão e luto todos os dias contra ela. É uma batalha. Com a ajuda da minha família e dos meus amigos, encontrei maneiras de lidar com ela e de me sentir melhor. Mas não estou livre e sinto que ainda tenho de trabalhar para a ultrapassar.»

 

A doença redefiniu as vontades e os objetivos de Ruta. Continuava a competir mas nada parecia o mesmo. Era como se vivesse uma experiência extracorpórea, longe de corresponder a todos os estímulos que se esperavam. Três dias depois, a 22 de abril, Ruta quebrou pela primeira vez o código de conduta antidoping, ao não estar presente na morada que tinha indicado para eventuais testes.

 

A segunda infração surgiu a 19 de agosto e terceira e última aconteceu a 28 de março deste ano. De acordo com o regulamento de antidoping, a existência de três ocorrências constitui uma violação grave e conduziu a uma suspensão de doze meses. Ruta Meilutyte não estaria obrigada a manter-se disponível para testes antidoping se tivesse assumido a intenção de não competir a curto prazo, desde que apresentasse um formulário devidamente preenchido. Não o fez.

 

A lituana estava a viver em piloto automático, não estava preocupada com alíneas de regulamentos que para ela, naquele momento, estavam longe de ser uma prioridade. «Às vezes, perguntava-me o que estava a fazer da minha vida», disse ao Globo Esporte. «Perdia a perceção das coisas, o que fazia com que descartasse o lado positivo da minha vida e me concentrasse apenas no negativo. E quando isso acontecia não queria treinar nem ver pessoas», continuou.

 

A confissão de Ruta Meilutyte diz respeito ao que aconteceu em 2016, em período pré-olímpico. «Eu não estava feliz comigo e ao mesmo tempo tinha de continuar a minha vida e conseguir bons resultados. Entrei em depressão profunda. Foi o ponto mais baixo que passei», admitiu.

Ruta Meilutyte

A lituana garante que foi importante falar da sua experiência. «Não é algo de que devamos ter medo. Muitos atletas têm receio de que pareça uma desculpa», disse.

 

Ruta nunca quis que fosse uma desculpa. E sempre assumiu os seus erros, garantindo total responsabilidade nas violações do código de conduta antidoping. Hoje, aos 22 anos, a pouco mais de um ano de nova edição dos Jogos Olímpicos, a vida de Ruta Meilutyte está diferente. E parece mais feliz.

 

«Estou pronta para começar um novo capítulo na minha vida. Quero agradecer a todos os que me apoiaram neste caminho», expressou em comunicado, acrescentando que está preparada para retomar os estudos e «viver as coisas simples, crescer», conhecer-se melhor e «conhecer melhor o mundo».

 

Depois de uma (curta) vida dedicada à natação, Ruta Meilutyte decidiu que estava na altura de ser uma pessoa. Sem pressão acumulada, sem obsessões, sem obrigação de defender a imagem que construíram de si. Recuperou a sensação de liberdade.

22 de Maio, 2019

Mundial-2007. Mais do mesmo… em todos os sentidos

Rui Pedro Silva

Alemanha foi bicampeã mundial em 2007

Foi organizado pela China, tal como em 1991, foi ganho pela Alemanha, tal como na edição anterior, e pela primeira (e única) vez na história não houve qualquer seleção a fazer a sua estreia. O número de espetadores total esteve muito perto de bater o recorde de 1999.

 

O Mundial-2007 foi a quinta edição da fase final de futebol feminino organizada pela FIFA. Foi também a quinta vez em que Portugal não participou. No grupo 2 da qualificação europeia, a seleção nacional somou oito derrotas em oito jogos e ficou no último lugar atrás de Suécia, Chéquia, Islândia e Bielorrússia. Marcou quatro golos e sofreu 31.

 

Portugal não participou porque não estava destinado… e continua a não estar. Mas naquele ano, porém, a fase final não foi para novos. Ao contrário de todas as edições até então, o China-2007 não teve qualquer estreante. Todas as 24 seleções em prova já tinham estado, pelo menos uma vez, nas semanas de todas as decisões. A maior parte, claro está, era presença assídua.

 

Os planos de ir jogar na China tinham saído gorados no Mundial-2003, quando um surto de pneumonia atípica obrigou a FIFA a encontrar uma solução a quatro meses do arranque da prova. Os EUA mostraram-se disponíveis para acolher o torneio e o país asiático foi premiado com a organização da fase final seguinte.

 

O sucesso foi praticamente uma constante mas os caprichos voltaram a prejudicar a China. Sem problemas de saúde, apareceram os problemas de meteorologia. A organização foi obrigada a reagendar alguns jogos em cima do joelho por culpa do tufão Wipha mas decidiu manter o encontro entre os Estados Unidos e a Nigéria em Xangai. O jogo foi disputado sob chuva torrencial e com condições pouco convidativas. A lotação oficial não deixa dúvidas: apenas 6100 pessoas nas bancadas.

Cerimónia de abertura

O número é ainda mais impressionante quando se percebe que o China-2007 esteve muito próximo de bater o recorde de assistência de 1999, com 1,190 milhões de espetadores totais e uma média de 37218 por jogo. Oito anos antes, os Estados Unidos tinham tido valores de 1,214 milhões e 37944. Para se perceber a importância daqueles 6100 espetadores, basta verificar que todos os outros 31 jogos da fase final tiveram pelo menos 27 mil pessoas nas bancadas.

 

Sepp Blatter ficou satisfeito. «Os fãs que migraram para os cinco estádios deste Mundial estiveram perto de bater o recorde de 1999 e ajudaram a tornar esta fase final num festival de futebol que cativou as pessoas de todo o mundo, graças a uma cobertura televisiva num total de 200 países», disse o então presidente da FIFA, elogiando também a ausência de expulsões e de testes de doping positivos.

 

Uma novidade em 2007 foi a compensação financeira para as equipas participantes, desde 200 mil dólares para as que eram eliminadas na fase de grupos até um atrativo milhão de dólares para a futura campeã. O relatório técnico da FIFA realça que «com esta introdução, haveria motivos para acreditar que as equipas iriam alterar o seu comportamento para jogar com mais segurança e correndo menos riscos, o que implicaria um decréscimo no número de golos marcados», mas sublinha que nada mudou. Foram marcados 111 golos, mais quatro do que em 2003.

 

Num campeonato marcado pelo crescente equilíbrio, fruto da contínua aposta de federações e confederações no futebol feminino, a FIFA expressou também a importância que a criação dos Mundiais de sub-17 e sub-20 podia ter no encorajamento ao investimento no futebol feminino também nos escalões de formação.

 

Por outro lado, as goleadas continuaram a aparecer, com destaque para o 11-0 da Alemanha à Argentina na fase de grupos. As sul-americanas estavam a caminho de um recorde negativo que ainda perdura – seis derrotas em seis jogos em fase finais -, enquanto as germânicas partiam para a revalidação do título, algo que nenhum país tinha conseguido até então.

 

Os destaques individuais passaram muito pelo futebol alemão. Birgit Prinz, autora de um hat-trick à Argentina, terminou a prova com cinco golos e superou Michelle Akers na lista de melhores marcadoras em fases finais (14 vs. 12). Em sentido contrário, a guarda-redes Nadine Angerer fez toda a prova sem sofrer qualquer golo, sendo obrigada até a defender um penálti de Marta na final.