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É Desporto

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09 de Maio, 2019

Bruce Grobbelaar. O homem das pernas de esparguete

Rui Pedro Silva

Final europeia de 1984

Combateu na guerra da Rodésia quando era adolescente e decidiu abandonar a África do Sul quando lhe pediram para fazer o mesmo em Angola. Alimentou o sonho de jogar pelo Liverpool e concretizou-o depois de passagens pelo Canadá e pelos escalões secundários de Inglaterra. É o protagonista de um dos momentos mais memoráveis da Taça dos Campeões Europeus.

 

Roma, 30 de maio de 1984. O Liverpool defronta a Roma perante os seus adeptos na final da Taça dos Campeões Europeus e está à procura do quarto título da sua história. Depois de um empate (1-1) após prolongamento, o jogo vai decidir-se nas grandes penalidades.

 

Bruce Grobbelaar está a caminho de proporcionar um momento memorável. Perante as grandes penalidades de Bruno Conti e Francesco Graziani, o guarda-redes nascido na África do Sul mas natural da Rodésia (atual Zimbabué) decidiu ser inovador. No primeiro, dançou como se estivesse nos anos 60, no segundo fingiu que as pernas eram tão fracas como fios de esparguete cozido.

 

«Estava a ir para a baliza para o primeiro penálti quando senti um braço à minha volta. Não precisei de me virar para saber quem era, porque senti o cheiro a cigarro do Joe Fagan. Disse-me que ele e a equipa técnica, os diretores e o presidente, o capitão e o resto da equipa, as mulheres e as namoradas, e os 20 mil adeptos que viajaram até Roma não me iam culpar se não conseguisse parar nenhuma bola», recordou numa conversa do podcast «Caught Offside».

 

O guarda-redes ficou atónito com esta mensagem e retorquiu com um surpreendido obrigado e, já quando estava a uns metros do seu treinador, ouviu novo recado: «Mas podes pelo menos tentar!».

Sofrimento terminou com o título

O cenário não era favorável para o Liverpool. Stevie Nicol falhara o primeiro pontapé – quando devia ter sido Phil Neal a marcar – e a Roma já imaginava o título em casa depois de Di Bartolomei marcar pelos italianos.

 

Estava na altura do génio de Grobbelaar entrar em ação, perante o segundo penálti de Bruno Conti. «Aproximou-se como se estivesse a dançar e eu não gostei, parecia arrogante. Por isso pus as mãos nos meus joelhos e comecei a trocá-las como naquela dança dos anos 60. Ele olhou para mim e não gostou, e rematou por cima da barra. Fez-me pensar que tinha funcionado», contou.

 

O novo ataque surgiu na quarta série. Phil Neal, Graeme Souness e Ian Rush tinham marcado para os ingleses e Righetti recuperara a calma dos romanos. Era a vez de Francesco Graziani tentar o empate. «Ele pegou na bola e foi pôr os braços à volta do árbitro. ‘O que é que este idiota está a fazer?’, pensei, e foi nessa altura que mordi as redes. Depois beijou a bola e benzeu-se, e foi nesse momento que comecei a fazer as tais pernas de esparguete. E ele fez exatamente o mesmo: atirou a bola por cima da barra», recordou.

 

Grobbelaar estava eufórico e festejou o momento como tal. O Liverpool estava a um penálti marcado do título e o guarda-redes, que já tinha marcado um golo de penálti nos escalões secundários de Inglaterra ao serviço do Crewe Alexandra, era o próximo na lista.

 

Mas, quando deu por si, já Alan Kennedy tinha pegado na bola. «Se corres durante vinte segundos, sabes que será outro a marcar», disse-lhe o treinador Joe Fagan, troçando dos festejos. «Por isso podes sofrer aqui connosco a ver», acrescentou. Para Grobbelaar acabou por ser o desfecho perfeito: «Imaginem se tivesse sido eu e tivesse falhado? Ainda bem que ele marcou!».

 

Da guerra para o futebol

Bruce Grobbelaar

O início de vida de Bruce Grobbelaar foi radicalmente diferente do de outros jogadores. Com talento para o críquete e para o basebol, chegou a ser excluído de uma equipa de futebol na África do Sul por ser… branco. Natural da Rodésia (atual Zimbabué), apesar de ter nascido na África do Sul, serviu o exército nacional entre os 17 e os 19 anos, durante a guerra.

 

«Era pisteiro e estava sempre perto da linha de combate. Fazia parte de uma unidade de quatro pessoas. Uns meses antes do final da guerra, num momento mais calmo, olhei para eles e disse-lhes que se saísse vivo dali, queria jogar pelo Liverpool», explicou.

 

O sonho, ainda tão distante, de um jovem de 19 anos parecia inalcançável, mesmo que escapasse ileso da guerra. A verdade é que a guerra terminou, Bruce foi jogar para a África do Sul e chegou a uma encruzilhada quando lhe pediram para combater em Angola. O guarda-redes rejeitou, foi viver para o Reino Unido e, mais tarde, acabou a jogar no Canadá, ao serviço dos Vancouver Whitecaps, na antiga NASL (North American Soccer League).

 

O caminho do Canadá até Liverpool demorou menos de dois anos. Foi para Vancouver em 1979, sofreu um golo de Cruijff na estreia, e terminou a temporada cedido por empréstimo ao Crewe Alexandra, no quarto escalão inglês. Deu boas indicações, caiu no goto de observadores do Liverpool e assinou pela equipa inglesa em 1981, com a ideia de ser suplente de Ray Clemence.

 

O dono da baliza saiu para o Tottenham no verão e Bruce Grobbelaar acabou por merecer a confiança de Bob Paisley, apesar de mostrar uma grande inconsistência na baliza. As 250 mil libras da contratação acabaram por revelar-se baratas, uma vez que se manteve no clube até 1994, conquistando seis campeonatos, três Taças de Inglaterra, duas Taças da Liga, cinco Supertaças e, claro está, a famosa Taça dos Campeões Europeus em 1984. No total, fez 624 jogos.

 

Propensão para as tragédias

Bruce teve uma carreira de altos e baixos

Bruce Grobbelaar viveu de perto muitos momentos dramáticos. Esteve na guerra da Rodésia e nos desastres de Heysel e Hillsborough… e acabou com o nome manchado pelo alegado envolvimento num escândalo de manipulação de resultados, iniciado por uma denúncia do jornal The Sun em novembro de 1994.

 

O guarda-redes declarou-se inocente em tribunal – garantindo que estava apenas a reunir informação para a passar à polícia – e o júri não conseguiu chegar a um veredicto consensual. Quando o pior parecia ter passado, Grobbelaar acusou o The Sun de difamação e, depois de um recurso, perdeu o caso e foi obrigado a pagar as custas judiciais ao periódico.

 

O problema: estava sem dinheiro. Não tinha capacidade para fazer face a esta despesa e declarou bancarrota. Nas quatro linhas, o seu contributo era cada vez mais fugaz. A era no Liverpool tinha sido precipitada com a contratação de David James e a experiência no Southampton, em 1994/95, também não deixou uma grande marca.

 

O resto da carreira não foi mais do que uma sombra do passado, perdido por clubes dos escalões secundários. O presente podia ser negro mas a história relembraria sempre a noite em que teve pernas de esparguete e ajudou o Liverpool a conquistar mais um troféu europeu.

09 de Maio, 2019

Ingrid Jonsson. O esforço da Suécia na arbitragem foi recompensado

Rui Pedro Silva

Ingrid Jonsson, anos mais tarde, à direita

O destino de Ingrid Jonsson como primeira árbitra nomeada para uma final FIFA começou a ser escrito em 1975, quando a sueca tinha apenas 14 anos e ainda não fazia sequer ideia de que a arbitragem iria fazer parte da sua vida. Naquela década, o futebol feminino estava a dar passos concretos na Escandinávia mas, como escreveu Lars-Ake Bjorck, membro do Comité de Arbitragem da FIFA, no relatório técnico do Mundial-1995, «as mulheres eram muito mal representadas no que diz respeito à arbitragem».

 

«Foi definido um plano de dez anos na Suécia que, em colaboração com outros países da Escandinávia, tinha o objetivo de garantir aprendizagem e treino para produzir um número suficiente de árbitras», explicou Bjorck.

 

Ingrid Jonsson foi uma das mulheres a beneficiar deste plano para o futuro. «Comecei a carreira de árbitra em 1983 quando ainda jogava como guarda-redes. Naquela altura também era professora de Educação Física», contou.

 

O Suécia-Noruega de 1985 marcou o primeiro passo efetivo do plano escandinavo. Foi nesse encontro particular feminino que, com a aprovação da FIFA, foi nomeado um trio de arbitragem composto exclusivamente por mulheres. Ingrid Jonsson era, curiosamente, uma das árbitras assistentes.

 

Os anos passaram e Ingrid Jonsson continuou a figurar na vanguarda da arbitragem no feminino. No primeiro Mundial de futebol feminino organizado pela FIFA, foi uma das poucas mulheres convidadas para o evento, numa altura em que ainda não as havia nos quadros do organismo internacional.

 

Se a história recaiu sobretudo na brasileira Cláudia Vasconcelos – primeira mulher a arbitrar um jogo, no encontro de atribuição do terceiro lugar -, Ingrid Jonsson pode orgulhar-se de dizer que marcou presença, como assistente, na final entre Estados Unidos e Noruega.

 

Quando, quatro anos depois, esteve novamente na final, mas como árbitra principal, o carrossel de emoções já não era o mesmo. Ingrid arbitrava jogos do campeonato sueco feminino desde 1986 e tinha mais de 85 jogos nacionais e 10 internacionais no currículo.

 

Ali, naquele momento, nem os milhares nas bancadas a atemorizaram. «Em 1991, fui assistente na final entre Noruega e Estados Unidos com 63 mil espetadores. Na Suécia, em 1995, o jogo entre Noruega e Alemanha tinha cerca de 17 mil espetadores. Foram jogos diferentes, com atmosferas diferentes. Mas claro que ser nomeada para a final no teu país é especial.»

 

A nomeação de Jonsson também teve uma carga simbólica muito grande. Ingrid não se limitava a fazer a diferença dentro de campo, mas também fora dele. Casada com um árbitro – mas de bandy, não de futebol – foi sempre uma voz ativa na arbitragem na Suécia e uma das maiores razões para que o país já contasse com 1000 mulheres árbitras em 1995.

 

A arbitragem tornou-se uma segunda vida para Ingrid Jonson e mesmo quando disse adeus aos jogos dentro de campo – afinal já tinha 35 anos na final em 1995 -, continuou a fazer parte dos quadros da FIFA e a assumir papéis de relevo na arbitragem mundial… até hoje.