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É Desporto

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08 de Maio, 2019

Quando o Deportivo fez de Liverpool e goleou um gigante europeu

Rui Pedro Silva

Deportivo-Milan

Aconteceu há 15 anos e só não é o momento mais memorável da edição da Liga dos Campeões de 2003/2004 porque houve o FC Porto de José Mourinho a ganhar a final. Depois de uma derrota pesada em Milão (4-1), o Deportivo conseguiu uma noite de sonho e aplicou «chapa quatro» ao então campeão europeu em título. As marcas de comparação com o Liverpool-Barcelona estão um pouco por todo o lado.

 

Um Deportivo-Milan atualmente é muito diferente do que foi aquela eliminatória em 2004. A equipa da Galiza vivia o melhor momento da sua história, fora campeã espanhola em 2000 e lutava frequentemente pelo título. O plantel estava recheado de bons jogadores e, apesar de não ser um peso pesado na Europa, ameaçava intrometer-se entre os grandes. Tinha velhos conhecidos dos portugueses como Naybet e Duscher e figuras respeitadas como Mauro Silva, Valerón ou Fran.

 

Do outro lado, viviam-se os últimos anos da hegemonia do futebol italiano no continente. Na época anterior, em 2003, a final da Liga dos Campeões tinha oposto Milan a Juventus e uma terceira equipa, o Inter, ficara pela meia-final. Na Taça UEFA, a Lazio também tinha atingido a meia-final.

 

O Milan não era apenas o campeão europeu em título. Era o verdadeiro estandarte de uma supremacia anunciada, um clube a viver os últimos anos de uma geração impressionante em que os talentos se juntavam aparentemente sem dificuldade. Havia Maldini, Nesta e Costacurta, Pirlo, Seedorf e Kaká, Cafú, Rui Costa, Shevchenko e Inzaghi.

 

Quando o sorteio ditou uma eliminatória entre as duas equipas, o favoritismo recaiu sobre o Milan. Quando San Siro assistiu a uma vitória tranquila por 4-1 (Pandiani adiantou os espanhóis mas Kaká-2, Shevchenko e Pirlo escreveram a reviravolta), a segunda mão pareceu ser pouco mais do que uma formalidade.

 

Naquele 7 de abril de 2004, o futebol espanhol estava em jogo. Na véspera, o Real Madrid perdera uma vantagem de 4-2 ao perder 1-3 no Mónaco e o país estava em risco de se ver excluído da fase decisiva da competição. O Milan surgiu tranquilo na Corunha, longe de imaginar que ia ser figurante numa das noites europeias mais memoráveis do futebol continental. Um pouco à imagem do que se passou no Liverpool-Barcelona, portanto.

Deportivo-Milan

Walter Pandiani deu novamente o mote, com o primeiro golo do encontro – logo aos cinco minutos – e ao intervalo já os espanhóis estavam em vantagem na eliminatória, fruto dos festejos de Valerón aos 35’ e Luque aos 44’.

 

Apanhado desprevenido, o Milan de Carlo Ancelotti teve quinze minutos para recuperar a concentração e retomar a vantagem da eliminatória na segunda parte, mas foi incapaz. O Deportivo não só segurou a baliza de Molina como viu uma das suas figuras míticas – Fran – sair do banco para fechar o resultado final aos 76 minutos.

 

«Foi tal e qual como sonhei», garantiu Javier Irureta, treinador deificado no Riazor. «Era uma missão quase impossível mas conseguimos os três golos necessários depois de uma primeira parte sensacional.»

 

Carlo Ancelotti não parecia acreditar no que acabara de acontecer: «É verdadeiramente difícil explicar esta derrota. Eles jogaram no topo das suas capacidades e nós estivemos longe disso».

08 de Maio, 2019

Birgit Prinz. A adolescente que gravou um lugar na história

Rui Pedro Silva

Birgit Prinz em cima do lado direito (16)

Quando a Alemanha chegou ao Mundial da Suécia, em 1995, Birgit Prinz já não era apenas uma jovem a dar os primeiros passos ao serviço da seleção. Internacional desde o ano anterior, tinha apenas 17 anos quando se sagrou campeã europeia pela primeira vez, em março de 1995, após vitória sobre a Suécia (3-2).

Prinz marcou na final do Europeu. Tal como já tinha marcado na segunda mão da meia-final contra a Inglaterra. A atacante podia estar longe de ser o símbolo do ataque germânico, como viria a ser durante o início do século XXI, mas nem por isso deixava de ser uma sensação da equipa que seria vice-campeã mundial na Suécia.

A veia goleadora da alemã ainda não transportava muito sangue por esta altura. Em toda a fase final do Mundial, marcou apenas por uma vez, no último jogo da fase de grupos, frente ao Brasil – também o único em que foi titular. Do outro lado, tinha uma ex-guarda-redes de andebol, Margarete Pioresan, mais conhecida por Meg, que estava a entrar na história das fases finais: nunca uma guarda-redes tão velha disputou uma partida. Tinha 39 anos.

Quando Prinz nasceu, a 25 de outubro de 1977, Meg já estava na universidade a jogar andebol. Curiosamente, o futebol ainda não tinha entrado na sua vida. Praticamente duas décadas depois, o destino das duas futebolistas cruzou-se e, se uma estava a fazer história por ser demasiado velha, a outra também iria entrar nos livros da FIFA por ser muito nova.

Foi o que aconteceu na final contra a Noruega, a 18 de junho. Prinz pode ter sido substituída ainda na primeira parte mas já se tinha tornado a mais jovem atleta, até hoje, a disputar uma final da competição. Tinha apenas 17 anos e 236 dias.

Na altura, esse era o recorde ao qual se podia agarrar, mas tinha uma vida inteira pela frente. Os números em fases finais não deixam dúvida sobre o quão especial Birgit Prinz foi durante a carreira. Em 2003 foi a melhor marcadora, com sete golos, e recebeu o troféu de melhor jogadora da competição. Quatro anos depois, na China, capitaneou a seleção alemã rumo ao segundo título consecutivo.

Alemã foi estrela da seleção

A hegemonia germânica no futebol feminino tornou-se indissociável do melhor período da carreira de Birgit Prinz. Ao serviço do FFC Frankfurt, venceu sete vezes o título alemão e três vezes a UEFA Women’s Cup. A nível individual, foi a jogadora do ano para a FIFA em 2003, 2004 e 2005.

O currículo crescia ano após ano e as participações em fases finais do Mundial surgiam com naturalidade. Prinz foi a única alemã a jogar em todos os encontros da Alemanha em 1995 (finalista vencida), 2003 e 2007 (campeã mundial). É também graças a isto que é, ainda hoje, a única mulher a disputar três finais FIFA. Em 2003, rumo ao primeiro título da Alemanha, garantiu novo recorde que ainda perdura: marcou em cinco jogos consecutivos. E continua a ser a única jogadora a marcar cinco golos em pelo menos duas fases finais.

Birgit Prinz disputou um total de cinco Mundiais – a Alemanha desiludiu em 1999 e 2011 – mas o palmarés da avançada, pela seleção, não se limitou às provas organizadas pela FIFA. Além do título europeu de 1995, Prinz repetiu a façanha com a Alemanha em quatro outras edições e conta também com três medalhas em Jogos Olímpicos. Foi bronze em 2000, bronze em 2004 e… bronze em 2008.

O sucesso de Birgit Prinz no futebol feminino foi tão contundente que chegou a ser assediada pelo presidente do Perugia, Luciano Gaucci, para se tornar a primeira mulher a jogar na Série A masculina. Gaucci não era novo nestas andanças: foi ele que contratou Nakata ainda durante a década de 90, que permitiu a Carolina Morace tornar-se a primeira mulher a treinar uma equipa profissional em Itália (Viterbese-1999), que despediu o sul-coreano que eliminou a tália do Mundial-2002 e que contratou o filho de Muammar Kadhafi, ditador líbio. A ideia com Prinz era apenas mais um passo mediático para o seu império.

Presidente e futebolista chegaram a reunir-se e adiaram uma decisão definitiva para a semana seguinte. Gaucci insistiu, mais do que uma vez, que não haveria regulamento que pudesse proibir Prinz de alinhar pelo Perugia: «É uma cidadã de um país da União Europeia. Repito que não há nenhuma lei que a impeça de jogar entre homens».

O negócio não avançou, por vontade de Prinz. «Já tomei a minha decisão, especialmente por razões desportivas. Jogo futebol por prazer e se estiver entre homens corro o risco de ter apenas alguns minutos ou de nem sequer ser utilizada.»

Afinal, Prinz não precisava de jogar entre homens para ter um lugar na história. Ela foi, praticamente desde o início, uma das melhores de sempre.