Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

É Desporto

É Desporto

09 de Abril, 2019

F1 700. Uma corrida ganha por Fisichella no «videoárbitro»

Rui Pedro Silva

Giancarlo Fisichella no Grande Prémio do Brasil

A confusão marcou o Grande Prémio número 700 na história do Mundial de Pilotos na Fórmula 1. O circuito de Interlagos devia receber 71 voltas mas a corrida teve um fim precipitado. O pódio só teve dois pilotos porque Alonso – terceiro classificado - estava a receber assistência médica. E Räikkönen festejou o primeiro lugar na cerimónia apenas para depois ver o triunfo atribuído a Fisichella.

 

Há quem diga que não há nada suficientemente mau que não possa piorar. Pela mesma lógica de ideias, vamos substituir o adjetivo mau por confuso. E, nesta nova ordem de raciocínio, o Grande Prémio do Brasil, terceira corrida da temporada de 2003 da Fórmula 1, está num lugar de enorme destaque.

 

É difícil encontrar uma estrutura narrativa que consiga fazer jus ao caos que se abateu sobre o Autódromo José Carlos Pace, em São Paulo, a 6 de abril de 2003. Na véspera, os brasileiros tinham tido motivos para festejar, com o Ferrari de Rubens Barrichello a garantir a pole position, com apenas 11 milésimos de vantagem sobre o McLaren-Mercedes de David Coulthard.

 

O domingo seria um dia para confirmar a superioridade mas tudo foi diferente do esperado. A tempestade que se abateu sobre São Paulo tornou a pista muito mais difícil, praticamente sem aderência e, por razões de segurança, a partida foi feita com o safety car em ação, dez minutos depois da hora marcada.

 

A liderança de Rubens Barrichello tinha os minutos contados mas tudo foi imprevisível em pista. O primeiro lugar voltou a mudar de mãos para o brasileiro e enquanto uns carros começavam a aproveitar as partes secas, outros despistavam-se assim que apanhavam um setor mais molhado.

 

Giancarlo Fisichella, o futuro vencedor da corrida, arriscou e adotou uma estratégia de encher o depósito no início, poupando ao máximo durante as inúmeras entradas do safety car em ação. No fim, por razões inesperadas, a aposta deu frutos. «Estava no limite. Não teria chegado até ao fim [se houvesse 71 voltas]», confessou.

 

A corrida devia ter durado 71 voltas. Mas os sucessivos acidentes precipitaram a decisão de mostrar a bandeira vermelha depois de um incidente provocado por Fernando Alonso. O Renault do espanhol protagonizou um dos momentos mais «espetaculares» da tarde, ao não abrandar perante as bandeiras amarelas e a embater a toda a velocidade num pneu perdido no meio da pista do Jaguar-Cosworth de Mark Webber, que se tinha despistado instantes antes. O rescaldo do acidente deixou destroços por toda a pista, bloqueando qualquer passagem segura e tornando impossível que a corrida prosseguisse.

Destroços invadiram circuito de Interlagos

Por esta altura, já não havia nenhum Ferrari em pista – foi o primeiro abandono de Michael Schumacher em mais de um ano – e Giancarlo Fisichella estava no primeiro lugar, seguido de Kimi Räikkönen e... Fernando Alonso. Mas o regulamento da FIA dizia que, quando uma bandeira vermelha é mostrada, é contabilizada a classificação que se verificava duas voltas antes. O italiano ultrapassara o finlandês na volta 54 e os comissários entenderam que o líder ainda estava na volta 55. 

 

O fim do Grande Prémio implicaria, nesta lógica, Räikkönen no primeiro lugar, Fisichella no segundo e Alonso no terceiro. A cerimónia do pódio - muito confusa - teve apenas dois pilotos porque o espanhol estava a ser assistido na sequência do acidente mas o sabor do triunfo do finlandês durou apenas… cinco dias.

 

A FIA só tomou a decisão 11 de abril, depois de uma investigação ter chegado à conclusão que, no momento em que as bandeiras vermelhas foram mostradas, Fisichella já estava na 56.ª volta. Sendo assim, a classificação contabilizada passaria a ser a da 54.ª volta, legitimando o primeiro lugar do italiano.

 

Na corrida seguinte, em Imola, fez-se uma cerimónia improvisada para emendar toda a confusão do Brasil. Alonso estava finalmente no pódio e Räikkönen e Fisichella trocaram de posição. Foi a primeira de três vitórias oficiais do piloto italiano na Fórmula 1 e claramente a mais memorável.

 

Curiosamente, os dois pontos que Räikkönen «perdeu» com esta alteração foram precisamente a diferença para Michael Schumacher no final do Mundial de Pilotos. Poderia ter sido a diferença mais pequena a decidir um título: o campeonato continuaria a ser do alemão, por ter vencido seis provas contra apenas duas do finlandês.

08 de Abril, 2019

F1 600. Vitória de Villeneuve e recorde para um Schumacher

Rui Pedro Silva

Pódio no Grande Prémio da Argentina

A temporada de 1997 da Fórmula 1 ficou marcada pela luta pelo título sem tréguas entre o Williams de Jacques Villeneuve e o Ferrari de Michael Schumacher. As reviravoltas constantes marcaram a reta final da época com o campeonato a sorrir ao canadiano depois de uma manobra quase suicida do alemão no último Grande Prémio da temporada. Antes, na Argentina, naquela que foi a 600.ª corrida da história do Mundial de Pilotos, Villeneuve teve de dividir o estrelato com outro Schumacher: Ralf.

 

Há quem diga que a história se repete, que é cíclica e que a podemos prever ao perceber que determinados acontecimentos que levaram a outros no passado estão a começar a surgir novamente. A Fórmula 1 não escapa a esta tendência e a propensão para pilotos pressionados pela conquista do título recorrerem a qualquer meio para atingir o fim vai resistindo.

 

As disputas entre Ayrton Senna e Alain Prost em Suzuka entraram para o imaginário automobilístico. Em 1989, o francês encostou o brasileiro e garantiu o título mundial na penúltima prova. No ano seguinte, foi a vez de o sul-americano retribuir a gracinha, exatamente nas mesmas condições.

 

A relação amarga entre Senna e Prost, que nasceu enquanto eram colegas na McLaren, será sempre mais emblemática do que qualquer outra, mas a tendência para recorrer à mesma manobra para tentar garantir um título sobrevive e voltou a dar sinal de si em 1997, quando Michael Schumacher liderava com um ponto de vantagem sobre Jacques Villeneuve na última corrida do Mundial, no Grande Prémio da Europa, em Jerez de la Frontera, e tentou deixar o canadiano fora de pista quando este iniciou uma manobra de ultrapassagem por dentro.

 

Resultado? Schumacher foi para a gravilha e desistiu. Villeneuve resistiu na corrida, somou o terceiro lugar e garantiu os pontos necessários para festejar o quarto título da Williams na década, depois de Mansell em 1992, Prost em 1993 e Hill em 1996.

 

Michael Schumacher acabou por ser desqualificado mas, se a FIA não tivesse optado por tomar essa medida, a diferença entre os dois seria de apenas três pontos. Ou seja, cada uma das sete vitórias de Villeneuve no campeonato surgiriam como fundamentais para garantir o primeiro lugar (a vitória valia dez pontos, o segundo lugar seis).

 

Um dos triunfos foi precisamente no 600.º Grande Prémio da história do Mundial de Pilotos. Na terceira corrida da temporada, na Argentina, Jacques Villeneuve entrou no fim-de-semana já na liderança, partilhada com David Coulthard, ambos com dez pontos, e saiu de lá consagrado com o segundo triunfo da época.

Villeneuve no Grande Prémio da Argentina

Tudo pareceu correr bem à Williams no sábado. Villeneuve conquistou a pole position – a 100.ª na história da equipa britânica – e a primeira linha da grelha ficou completa com o seu colega de equipa, Heinz-Harald Frentzen. Depois, no dia seguinte, apesar do problema mecânico do alemão, que forçou o abandono logo na quinta volta, o canadiano não deu hipótese e pareceu ter a corrida sempre controlado, vencendo com pouco menos de um segundo de vantagem sobre Eddie Irvine.

 

Os dez pontos conquistados por Jacques Villeneuve foram um impulso perfeito para o desenrolar da temporada. Deixou de haver liderança partilhada – até porque David Coulthard desistiu logo na primeira volta. O grande futuro rival, Michael Schumacher, não fez melhor e abandonou pela mesma altura após embater no Stewart de Rubens Barrichello.

 

O último lugar do pódio foi para um Schumacher. Ralf, ao volante de um Jordan-Peugeot, ainda não tinha acabado um único Grande Prémio e estava a fazer a terceira corrida de Fórmula 1 na carreira. Aquele 13 de abril de 1997, contudo, foi triplamente especial: acabou a corrida, foi terceiro e tornou-se o piloto mais jovem de sempre a subir ao pódio, com 21 anos e 287 dias.

 

Um último dado curioso vai para o facto de outro dos desistentes desta corrida ter sido Jos Verstappen. O filho Max detém atualmente o recorde que Ralf Schumacher roubou na altura ao italiano Elio de Angelis. No Grande Prémio de Espanha, em 2016, o holandês venceu a corrida e estreou-se no pódio com apenas 18 anos e 228 dias. Recorde imbatível?

07 de Abril, 2019

F1 500. Festa de Piquet com amuo de Prost

Rui Pedro Silva

Nelson Piquet venceu a penúltima prova da sua carreira

Ayrton Senna já era campeão depois de uma vingança sobre Alain Prost no Grande Prémio do Japão. Duas semanas depois, na Austrália, o francês fez birra, o brasileiro desistiu durante a corrida e Nelson Piquet aproveitou para fechar a temporada de 1990 com dois triunfos consecutivos. Foi o 500.º Grande Prémio na história do Mundial de Pilotos e a Fórmula 1 fez questão de marcar o momento.

 

Para perceber o contexto do Grande Prémio da Austrália que encerrou a temporada de 1990 é preciso recuar até 1989, a Suzuka. No Japão, Alain Prost tinha a faca e o queijo na mão rumo à conquista do título mundial mas estava a ser perseguido há várias voltas pelo seu maior rival – e colega de equipa na McLaren – Ayrton Senna.

 

Se fosse ultrapassado e o deixasse vencer, Senna dependeria apenas de si na última prova do ano, na Austrália. Por outro lado, se ambos fossem forçados a desistir, o título ficaria decidido na hora. Assim, no momento em que Senna arriscou finalmente uma ultrapassagem, houve uma colisão (não apontamos responsabilidades, tirem as vossas próprias conclusões) e Prost pôde festejar o campeonato.

 

Um ano depois, as situações inverteram-se. Ayrton Senna manteve-se na McLaren mas Alain Prost foi para a Ferrari. Os dois estavam na luta pelo título e desta vez era o brasileiro a festejar o título mundial se nenhum dos carros terminasse.

 

O brasileiro e o francês saíram da primeira linha da grelha mas não passaram sequer da primeira curva. Prost foi mais rápido a largar mas houve nova colisão (uma vez mais, tirem as vossas conclusões) e as contas ficaram fechadas.

Ayrton Senna e Alain Prost em Suzuka (1990)

Duas semanas depois, na Austrália, Alain Prost era um homem amargo, aborrecido, sem vontade de cumprir ou fazer o que quer que fosse. Era suposto ser um fim-de-semana de festa, de Senna e da própria Fórmula 1 por ser o fim da temporada e a 500.ª corrida do Mundial de Pilotos, mas o francês não estava para aí virado.

 

Entre os momentos de maior tensão, contaram-se o abandono da reunião de pilotos a meio e a não comparecência à sessão de fotografias oficial com vários dos antigos campeões mundiais – Juan Manuel Fangio, Jack Brabham, Denny Hulme, Jackie Stewart, Nelson Piquet e… Ayrton Senna.

 

Na pista, a conversa foi outra. Havia pouco para decidir: Ayrton Senna já era campeão e Alain Prost o segundo classificado, e a McLaren-Honda tinha garantido um novo título no Mundial de Construtores. De qualquer forma, uma corrida de Fórmula 1 é sempre um evento especial e há sempre qualquer coisa em disputa.

 

A McLaren confirmou a superioridade da época ao conseguir a primeira linha da grelha – Senna seguido de Berger -, mas nenhum dos carros chegou sequer ao pódio: o brasileiro teve problemas mecânicos depois de 61 das 81 voltas e o austríaco ficou na quarta posição.

 

O triunfo foi para o brasileiro Nelson Piquet, que teve de sofrer e quase desistir depois de uma tentativa de ultrapassagem do Ferrari do britânico Nigel Mansell. Os dois carros resistiram, passaram a meta separados por pouco mais de três segundos, e foram seguidos pelo Ferrari de Alain Prost.

 

A vitória na Austrália garantiu também o terceiro lugar no Mundial a Nelson Piquet, com os mesmos pontos de Gerhard Berger (43), mas com a vantagem de ter vencido duas corridas: precisamente as duas últimas da temporada.

 

Piquet estava na fase decadente da carreira e acabaria por deixar a Fórmula 1 no ano seguinte, em 1991. A vitória na Austrália foi a penúltima de uma carreira que contou com 23 triunfos.

06 de Abril, 2019

F1 400. A única vez em que Lauda ganhou em casa

Rui Pedro Silva

McLaren de Niki Lauda

Niki Lauda não é apenas o melhor piloto austríaco na história da Fórmula 1, é também um dos melhores de sempre. O Grande Prémio do seu país teve sempre um significado muito especial – foi lá que se estreou em 1971 – mas só em 1984 é que conseguiu vencer ali, pela primeira e única vez. Foi a 400.ª corrida na história do Mundial de Pilotos.

 

Ninguém esquece a estreia na Fórmula 1 mas Niki Lauda, ao volante de um March-Ford, não teve grandes razões para sorrir a 15 de agosto de 1971. Depois de fazer o penúltimo tempo da qualificação, a mais de seis segundos da pole position de Jo Siffert e a mais de dois segundos do antepenúltimo classificado, a espiral de problemas sucedeu-se e foi obrigado a desistir depois de cumprir 20 das 54 voltas ao circuito de Spielberg.

 

O talento de acabaria por falar mais alto com o passar dos anos – a passagem para carros mais fiáveis e competitivos também ajudou -, mas o Grande Prémio da Áustria manteve-se como uma pedra no sapato do piloto. Em 1972 foi décimo e no ano seguinte nem sequer chegou a participar. Com a passagem para a Ferrari, em 1974, a ambição tinha outros argumentos e a obsessão só aumentou: na estreia desistiu, em 1975 foi sexto e pontuou pela primeira vez e no ano seguinte nem sequer foi para a pista, depois de ter escapado à morte no Grande Prémio da Alemanha, duas semanas antes.

 

O segundo lugar na época de despedida da Ferrari, em 1977, depois de ter saído da pole position, foi só mais um capítulo no desespero do próprio e dos adeptos austríacos. Por esta altura, Niki Lauda caminhava para o bicampeonato mundial mas ainda não conseguira triunfar dentro de portas.

 

Foi preciso esperar até 1984, o ano do terceiro e último título mundial da carreira, para assistir à tão ansiada vitória. E fê-lo com pompa e circunstância, na 400.ª corrida na história do Mundial de Pilotos da Fórmula 1.

 

Ao contrário de 1977, Lauda não foi o melhor da qualificação. Não foi além do quarto tempo, atrás de Nelson Piquet, Alain Prost e Elio de Angelis, e durante a corrida teve de esperar 40 voltas para saltar finalmente para o primeiro lugar.

 

Numa corrida em que três pilotos que hoje são campeões mundiais desistiram (Prost, Senna e Rosberg), Niki Lauda cruzou a meta na primeira posição para gáudio dos milhares de austríacos nas bancadas. Nelson Piquet, Michele Alboreto e Teo Fabi foram os únicos a terminar na mesma volta do vencedor.

 

O Grande Prémio ficou marcado pela confusão na partida, com as luzes a fazerem uma combinação de discoteca que confundiu os pilotos e obrigou a uma segunda largada, e pela estreia de um novo piloto austríaco: Gerhard Berger. Ao contrário de Lauda, nunca chegou a ser campeão mas terminou a carreira com dez triunfos.

 

O hiato do Grande Prémio da Áustria no final da década de 80 e mais de metade da de 90 impediu-o de ter uma verdadeira oportunidade de se tornar o segundo piloto austríaco a vencer em casa. Em cinco participações, nunca conseguiu pontuar e não foi além de um sétimo lugar (1986).

 

O triunfo na Áustria aumentou a vantagem de Niki Lauda no campeonato, numa época em que a diferença final para Alain Prost foi apenas de meio ponto. Para a classificação contavam apenas os 11 melhores resultados das 16 corridas, mas o austríaco desistiu em seis delas. Logo, os nove pontos alcançados a correr em casa foram absolutamente essenciais para escrever o último grande capítulo de memórias enquanto piloto. Por outro lado, a despedida da Fórmula 1 só chegou na época seguinte, em 1985, e, tal como em 1971, não chegou ao fim. Foi o fechar de um ciclo inglório.

05 de Abril, 2019

F1 300. O drama de Peterson na estreia de Rosberg

Rui Pedro Silva

Lotus de Ronnie Peterson

Lotus dominou a temporada de 1978 e viu Mario Andretti tornar-se o último norte-americano a ser campeão de Fórmula 1. Na terceira corrida do ano - e 300.ª na história do Mundial de Pilotos -, na África do Sul, o triunfo foi para o outro piloto da escuderia: Ronnie Peterson. O sueco lutou pelo título mas morreu na parte final da temporada e não foi além do vice-campeonato.

 

A tradição da Suécia na Fórmula 1 não é muito forte e, na sua maior parte, é composta por pilotos-cometa, que desaparecem com a mesma rapidez que apareceram. Mas há uma grande exceção: Ronnie Peterson. O melhor piloto do país escandinavo que alguma vez passou pela Fórmula 1 disputou mais de 100 corridas, venceu dez provas e terminou o Mundial na segunda posição em 1971 e 1978.

 

À imagem de tantos outros, teve um fim trágico. No antepenúltimo Grande Prémio de 1978, em Itália (Monza), Peterson teve um acidente na primeira volta e morreu no dia seguinte no hospital, vítima de um embolismo provocado pelos ferimentos.

 

O fim foi trágico mas o início do ano foi promissor. A Lotus era mais forte e venceu na estreia, com o triunfo de Andretti na Argentina, mas a Ferrari respondeu no Brasil com o primeiro lugar de Carlos Reutemann. Ainda no hemisfério sul, mas no outro lado do Atlântico, o Grande Circo virou agulhas para a África do Sul.

 

Aí, na corrida 300 da era do Mundial de Pilotos, Ronnie Peterson mostrou o que valia pela primeira vez. Com muito drama – e sorte – à mistura. Depois de ter feito apenas o 12.º tempo mais rápido da qualificação, beneficiou de um conjunto de azares que se contagiaram entre a concorrência.

 

Niki Lauda conseguiu a pole mas teve um problema de motor. Mario Andretti saiu do segundo lugar da grelha e ficou fora dos pontos, no sétimo posto. Outras figuras como James Hunt, Patrick Tambay, Jody Scheckter, Riccardo Patrese, Gilles Villeneuve e Carlos Reutemann também não conseguiram cruzar a linha de meta, depois de terem estado no top-10.

 

Andretti, Scheckter e Patrese lideraram durante 63 das 77 voltas ao circuito mas a disputa pelo triunfo seria feita entre o francês Patrick Depailler e o sueco Ronnie Peterson, que tinham saído da sexta linha da grelha. Fiel à famosa declaração de Fernando Alonso, que confessou que, a liderar um Grande Prémio, que seja na última volta, Peterson só ultrapassou o rival nos instantes finais e cruzou a meta com menos de meio segundo de vantagem sobre Depailler.

 

Os nove pontos do triunfo fizeram com que trepasse na classificação geral até ao segundo lugar, com 11 pontos. Premonitoriamente, à frente dele só havia Mario Andretti (12). Outro destaque do Grande Prémio da África do Sul foi a estreia de um finlandês chamado Keke Rosberg, ao volante de um Theodore-Ford. Tímido na qualificação (24.º tempo em 26 pilotos que saíram para a corrida), teve um problema mecânico e desistiu após 15 voltas.

04 de Abril, 2019

F1 200. Jackie Stewart dominou no Mónaco do princípio ao fim

Rui Pedro Silva

Jackie Stewart rumo ao triunfo no Mónaco

Depois de Silverstone (1) e Nurburgring (100), a corrida 200 na história da Fórmula 1 voltou a ser disputada num palco mítico. Nas ruas de Monte Carlo, o britânico Jackie Stewart somou a segunda vitória, e o terceiro pódio, em três corridas da temporada de 1971 e estabeleceu a fasquia para uma época em que seria novamente campeão.

 

Vencer o Grande Prémio do Mónaco é uma experiência que não está ao alcance de qualquer um. Lewis Hamilton já foi cinco vezes campeão mundial mas só conseguiu atingir o lugar mais alto do pódio ali duas vezes. É uma pista muito especial, onde todos querem ganhar, e onde a pressão tende a afastar historicamente os mais arrojados dos cautelosos.

 

Por cada Ayrton Senna com seis vitórias, há um Nigel Mansell que não conseguiu vencer. Graham Hill e Michael Schumacher (5) também surgem bem representados e até há espaço para enormes surpresas, como quando Olivier Panis venceu em 1996, ao volante de um Ligier, numa corrida em que apenas três carros chegaram ao fim.

 

Em 1971, o circuito do Mónaco já encantava o mundo automobilístico e tinha em Graham Hill a sua maior figura. Ninguém como ele tinha uma apetência tão grande para fazer daquela corrida citadina o seu império. Na era da Fórmula 1, só Stirling Moss se juntava a ele com múltiplos triunfos. Só que enquanto o piloto mais velho vencera três (1956, 1960 e 1961), Hill chegou a 1971 já com cinco vitórias (1963, 1964, 1965, 1968 e 1969).

 

A 23 de maio de 1971, Hill esteve longe de conseguir aumentar o currículo. Após ter feito o nono tempo da qualificação, sofreu um acidente depois de cumprir a primeira volta e foi obrigado a abandonar. Em sentido contrário, Jackie Stewart, com o número 11 no seu Tyrrell-Ford, voava para uma corrida perfeita, numa época sensacional.

 

Jackie Stewart chegou ao Mónaco com uma vitória e um segundo lugar nas duas primeiras corridas da temporada. O ímpeto continuou com a pole position – a segunda da época – e não houve maneira de o travar durante a prova.

 

Campeão mundial em 1969, o piloto escocês queria reconquistar o título, perdido para o campeão póstumo Jochen Rindt em 1970, e mostrou ao que vinha desde o início. Depois de 80 voltas ao principado, o Tyrrell-Ford cruzou a meta com 25,6 segundos de vantagem sobre o sueco Ronnie Peterson e 53,3 segundos sobre Jacky Ickx. Dos 18 carros que partiram para a corrida, dez cruzaram a meta e apenas três conseguiram fazê-lo sem serem dobrados por Stewart.

 

Com três corridas disputadas, a vantagem de Stewart crescia cada vez mais. Com 24 pontos, tinha já 14 de vantagem sobre Ickx e 15 sobre o norte-americano Mario Andretti. O primeiro terço da temporada ainda não tinha sido dobrado mas a pontuação já seria suficiente para terminar o Mundial no terceiro lugar.

 

Jackie Stewart, naturalmente, não quis saber disso. Nas oito corridas até ao final da época, venceu metade e chegou ao fim com 62 pontos e o título no bolso. Ronnie Peterson, tal como no Mónaco, foi segundo classificado, com 33 pontos.

 

A vantagem de 29 pontos sobre o segundo classificado no final foi um novo recorde que só voltou a ser batido em 1992, quando Nigel Mansell terminou com 62 pontos de vantagem sobre Riccardo Patrese (108 contra 56). As diferenças? Havia mais cinco corridas e a vitória já valia dez pontos. De resto, o Williams do britânico que nunca conseguiu vencer em Monte Carlo era esmagadoramente superior à concorrência.

03 de Abril, 2019

F1 100. A última vitória de Stirling Moss

Rui Pedro Silva

O estilo de Stirling Moss

Britânico conquistou o 16.º e último triunfo na Fórmula 1 da sua carreira no Grande Prémio da Alemanha em 1961. Mais do que pelo feito do piloto da Walker Racing Team, a prova ficou famosa por ter sido a centésima corrida da história.

 

A incógnita que era a Fórmula 1 a 13 de maio de 1950, quando Giuseppe Farina venceu em Silverstone, já fazia parte do passado. O mundo tinha mais estabilidade e já ninguém duvidava do impacto da categoria-rainha do automobilismo.

 

Farina tinha conseguido completar a vitória na estreia com o primeiro título e o argentino Juan Manuel Fangio assumira-se como a maior vedeta do circuito, com cinco campeonatos, quatro deles consecutivos. No virar da década, a tendência era de crescimento e os pilotos anglófonos ganhavam cada vez mais destaque.

 

Um deles era Stirling Moss. O inglês corria na Fórmula 1 desde 1951 e estava à beira do final da carreira nesta categoria. Conhecido como o melhor piloto da história a nunca ter sido campeão, talvez tenha encontrado motivação para escrever um capítulo especial ao conquistar o centésimo Grande Prémio.

 

Nurburgring recebeu a sexta e antepenúltima corrida da temporada. A consistência de Phil Hill estava a ser a tendência do ano (nas cinco provas anteriores, ganhara uma, fizera três pódios e registara a pole position em quatro) mas era o colega de equipa Von Trips que liderava o Mundial, muito à custa de dois triunfos e de um segundo lugar.

 

Na Alemanha, em agosto, Phil Hill voltou a estar em excelente plano, registando o tempo mais rápido da qualificação. Stirling Moss, pelo contrário, teve mais dificuldades e foi obrigado a sair da segunda linha da grelha.

 

Quando foi hora de acelerar, o britânico não deu hipótese, saltou para a liderança e venceu a corrida, estando na frente durante todas as 15 voltas ao circuito de quase 23 quilómetros. Mais de duas horas depois, o Lotus-Climax de Moss apareceu com 21,4 segundos de vantagem sobre o alemão Wolfgang von Trips e 22,5 segundos sobre Phil Hilll.

 

Von Trips, ao volante de um Ferrari, garantiu o título de construtores para a marca italiana, consolidou a liderança do Mundial e… deixou uma marca decisiva: foi o último Grande Prémio que concluiu (cinco semanas mais tarde, a 10 de setembro, em Monza, conseguiu a pole position mas morreu após colidir com o Lotus de Jim Clark. Na altura, tinha quatro pontos de vantagem sobre Hill).

 

O bicampeão em título, Jack Brabham, sofreu um acidente logo na primeira volta em Nurburgring e não conseguiu pontuar, perdendo de vez as possibilidades matemáticas de alcançar o tricampeonato.

 

Para Moss, foi uma espécie de adeus ingrato. Foi importante vencer a centésima corrida, naquela que foi a sua última vitória, mas os Grandes Prémios seguintes não trouxeram grandes motivos para sorrir. A inconsistência voltou a ser a sua imagem de marca e foi forçado a desistir em Monza e em Watkins Glen.

 

A falta de concorrência – desistências de Moss e morte de Von Trips – garantiu o título a Phil Hill na penúltima corrida, não precisando sequer de correr em casa, nos Estados Unidos (nem poderia, uma vez que a Ferrari decidiu não viajar para a última prova depois da morte do alemão). Foi o primeiro norte-americano a vencer o Mundial, feito que só viria a ser replicado por Mario Andretti, em 1978.

02 de Abril, 2019

Fórmula 1. E no início houve… Silverstone

Rui Pedro Silva

Silverstone e a F1 em 1950

O circuito britânico de Silverstone acolheu o primeiro Grande Prémio na história da Fórmula 1 na era do Mundial de Pilotos. Aconteceu a 13 de maio de 1950, com presença real nas bancadas, e a vitória sorriu a um italiano, Giuseppe Farina, ao volante de um carro italiano, Alfa Romeo. A partir daí, nada mais foi o mesmo.

 

Não era um fenómeno mediático, não havia milhões à espera que as luzes vermelhas se apagassem e DRS era um conjunto de três letras que estava longe de fazer qualquer sentido na Fórmula 1. Os próprios carros eram ainda mais diferentes dos atuais do que o homo sapiens do australopiteco.

 

Ninguém poderia imaginar que a Fórmula 1 acabaria por ser um fenómeno em todo o mundo e que movimentaria milhões… de dólares (euros, libras ou qualquer que seja a moeda) e de interesses.

 

A Europa estava ainda em fase de recuperação da II Guerra Mundial e os desportos automobilísticos aceleravam rumo ao interesse global. A indústria dos automóvel voltava a ser uma prioridade e havia vontade de mostrar ao mundo a afirmação da engenharia.

 

Silverstone era palco habitual de corridas de automóveis mas naquele dia de maio de 1950 aconteceu o início de um dos maiores fenómenos desportivos da nossa era. As corridas de Fórmula 1, no sentido lato, já existiam, mas um Mundial onde os pilotos teriam a oportunidade de ser coroados como os mais rápidos do mundo era uma ideia nova.

 

Os interessados fizeram fila e chegaram 26 pilotos a Silverstone. O argentino Juan Manuel Fangio estava no topo dos destaques, mas também havia italianos, britânicos, franceses, um belga, um monegasco, um suíço, um tailandês e um irlandês.

 

A Alfa Romeo conquistou o fim-de-semana. Giuseppe Farina fez o tempo mais rápido da qualificação e viu o seu compatriota Luigi Fagioli ocupar o segundo lugar. A supremacia do construtor italiano foi tão grande que os motores dos quatro tempos mais rápidos falavam todos a mesma língua.

 

O dia da corrida chegou e entre os 200 mil espetadores estavam presenças de respeito. Houve lugar para o rei George VI, a rainha Isabel e a princesa Margarida. Dentro de pista, os britânicos não conseguiram homenagear os seus líderes.

 

Reg Parnell foi terceiro classificado e o único de onze britânicos a terminar num lugar de pontos – na altura reservado apenas aos cinco primeiros. Giuseppe Farina confirmou a superioridade da qualificação e entrou para a história como o primeiro vencedor ao cortar a meta, depois de 70 voltas ao circuito, com 2,6 segundos de vantagem sobre Luigi Fagioli. Dos 21 carros que alinharam na partida, apenas 11 conseguiram classificar-se e só os três primeiros não foram dobrados por Farina.

 

Juan Manuel Fangio, futura força hegemónica da competição, foi obrigado a desistir a oito voltas do fim com uma fuga de óleo.

 

O pontapé de partida estava dado. Farina aproveitou o excelente augúrio para ser campeão mundial, depois de três vitórias e apenas três pontos de vantagem sobre Juan Manuel Fangio, o argentino do tudo ou nada: participou em seis das sete corridas do Mundial, venceu três e desistiu nas restantes três.

01 de Abril, 2019

A magia da Fórmula 1 em 999 corridas

Rui Pedro Silva

Fórmula 1

O Grande Prémio do Bahrain ainda está fresco na memória de todos (não na minha, que este texto foi escrito há vários dias) mas já ninguém consegue ignorar que estamos cada vez mais próximos de um feito especial na história da Fórmula 1: a milésima corrida desde que há Mundial de Pilotos.

 

Eu, fã intermitente de Fórmula 1, me confesso. A última metade da carreira de Ayrton Senna marcou a minha infância. E não apenas a minha. Na escola, primeiro na pré-primária, depois na primária, éramos todos fãs do brasileiro do carro vermelho e branco com um capacete amarelo. Lembro-me de haver festas de aniversário em que ficávamos especados em frente ao televisor a ver as acrobacias e qualidades do brasileiro enquanto voava por circuitos apertados como o de Monte Carlo.

 

A Fórmula 1 era uma tradição secular de domingo. Todos os passos eram aguardados com enorme expectativa e um brilho nos olhos. Não me canso de dizer isto – e percebo que estou a ficar velho – mas vivia-se uma era em que as experiências eram verdadeiramente partilhadas. Naquela altura específica ainda mais. Não havia SIC. Não havia TVI. E ter a televisão ligada àquela hora, como provavelmente estaria em todas as casas, era sinónimo de ver o Grande Prémio. Servia para mim, para o meu pai, para a minha mãe, para a minha irmã. E para milhares de famílias.

 

Foi um hábito que ganhei muito novo, ainda antes de Ayrton Senna ter confirmado o título mundial em 1991. Mas esse dia, no Japão, marcou a minha primeira memória mais forte da Fórmula 1. A prova era transmitida em diferido, devido ao fuso horário, mas isso não importava: não tínhamos forma de saber o resultado. E quando Ayrton Senna acelerou para o título na última volta mas, mesmo assim, esperou que o colega da McLaren-Honda, Gerhard Berger, se aproximasse, o ultrapassasse e vencesse pela primeira vez na época, guardei um dos exemplos mais fortes de fair-play e companheirismo.

 

Sabia pouco sobre o passado. A Fórmula 1 antes dos anos 90 era pouco mais do que umas ideias sobre o que tinha acontecido a Niki Lauda – já na altura aparecia muito durante a transmissão –, sobre os cinco títulos de um argentino de nome esquisito (Fangio) ou sobre os apelidos curiosos de outros brasileiros, como Piquet e Fittipaldi.

 

A morte de Ayrton Senna foi um golpe duro. Por muito que se goste de uma modalidade por si só, há sempre um interesse especial quando se vibra verdadeiramente por uma equipa ou um atleta. Agora, sem Senna – especialmente pela forma como foi – tudo seria diferente.

 

Hoje, praticamente 25 anos depois, é difícil encontrar quem seja capaz de conquistar da mesma forma. As corridas parecem menos intensas, com menos ultrapassagens, com menos gente na luta. É mais seguro – valha-nos isso.

 

O acesso que temos à informação hoje permite-nos saber praticamente tudo o que há para saber. Os grandes campeões do passado, os trágicos acidentes, as enormes rivalidades, as estatísticas. Está tudo à distância de um clique, ou de uma subscrição.

 

Quando o Grande Prémio da China começar daqui a onze dias, haverá muito mais do que o presente em jogo. O passado vai lá estar. De Farina a Hamilton, de Prost a Leclerc, de Fangio a Pérez, de Senna a Räikkönen, de Schumacher a Vettel. Os carros podem ter mudado radicalmente de década para década mas o frio na barriga quando as luzes se apagam continuará a ser o mesmo. A incerteza da primeira curva, o aperfeiçoamento do arranque e da trajetória escolhida sobrevivem.

 

Foi a pensar nisto que preparámos um especial para os próximos dias, de antecipação ao milésimo Grande Prémio, com histórias diárias sobre as corridas redondas. Começamos em 1950, com a primeira, e a partir daí será sempre a acelerar até à 100, passando depois de centena em centena.

 

Poderão pensar que foi tudo uma enorme coincidência mas a verdade é que a Fórmula 1 tem sempre grandes histórias para contar, sobretudo quando as vemos com um distanciamento próprio. É a magia do desporto. E é a magia da Fórmula 1, em 999 corridas.

Pág. 2/2