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É Desporto

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28 de Abril, 2019

Michelle Akers. A melhor jogadora do século XX

Rui Pedro Silva

Michelle Akers ao centro

Não tinha ainda vinte anos quando se estreou pela seleção dos Estados Unidos durante uma digressão a Itália, naqueles que seriam os primeiros compromissos da equipa. A organização era escassa – estavam a dar os primeiros passos – mas, com 19 anos, Akers demonstrou que tinha um lugar na história à espera dela e marcou o primeiro golo de sempre dos Estados Unidos, num 2-2 com a Dinamarca.

 

Quando o Mundial-1991 chegou, a seleção dos Estados Unidos era mais do que um simples grupo de férias em Itália. A fase final era na China e o grau de preparação tinha subido vários níveis. Akers estava na sua melhor fase de sempre, acabada de casar e com um acordo recém-assinado para representar o Tyreso da Suécia.

 

«Caí num mundo de fantasia: um noivado rápido, uma casa, um casamento, um Mundial. Foi tudo supersónico», recordou, sem dar grande destaque ao que ia acabar por fazer na China.

 

A prestação de Akers entrou para a história. Fiel ao seu estilo de dar tudo a cada jogada sem pensar no futuro, a jogadora da frente de ataque começou por marcar um golo ao Brasil e dois ao Japão, ainda durante a fase de grupos. Nos quartos-de-final elevou o patamar com cinco golos a Taiwan – um recorde que ainda dura – e na final, contra a Noruega, foi absolutamente decisiva com os dois golos no triunfo por 2-1.

 

Foram dez golos no total. Desde então, nenhuma jogadora conseguiu chegar passar dos sete numa fase final desta competição. Estrelas como a chinesa Sun Wen em 1997, Birgit Prinz em 2003 e Marta em 2003 alcançaram essa marca, mas nada mais do que isso.

 

Michelle Akers regressou aos Estados Unidos como uma heroína desconhecida. Logo no voo de regresso, uma idosa perguntou-lhe o que tinha ido fazer à China. Ficou satisfeita pelo triunfo, como quem reage a uma resposta positiva sobre se as férias foram felizes. «Boa», respondeu, ao saber.

 

O ano tinha sido inacreditável, com 39 golos em 26 jogos pela seleção, mas o futuro trazia uma novidade sombria: o diagnóstico de que tinha o vírus de Epstein-Barr, conhecido por provocar fadiga crónica e outros sintomas de debilidade incapacitante.

Michelle Akers

E ali estava Akers, conhecida pela sua entrega total, incapaz de acordar com energia suficiente para fazer o que mais gostava. «Todos os dias sentia como se tivesse feito uma viagem de avião até à Europa, sem dormir, sem comer, saída do avião e direta para o treino. Quando era mau, não me conseguia sequer sentar numa cadeira, só conseguia estar deitada. À noite encharcava três camisolas com suor. E as dores de cabeça eram incapacitantes», recordou anos mais tarde.

 

Vista como o Michael Jordan do futebol feminino, Akers estava obrigada a negociar com a selecionadora o seu tempo de utilização. Sabia que não podia disputar os 90 minutos, mas não deixava de tentar conquistar cada minuto em campo. De decisiva em 1991 passou para um trunfo especial nas edições seguintes.

 

Os problemas físicos, que não se limitavam ao vírus, provocaram uma metamorfose em campo. Começou a recuar no terreno, fugindo dos momentos de maior agressividade das defesas contrárias, e fixou-se no meio-campo, destacando-se uma vez mais pela sua enorme qualidade.

 

Anson Dorrance, então selecionadora, nunca se cansou de elogiar a competência de Akers. «Era uma guerreira icónica. Hoje [2013] ainda digo que é a jogadora mais completa de sempre. Podes olhar para diferentes jogadoras que são consideradas as melhores do mundo e encontrar falhas. Quando estava no seu melhor, Akers não tinha nenhuma», disse.

 

Não foi por acaso que em 2002, já depois de ter contribuído de forma modesta mas importante para o título mundial de 1999, a jogadora foi eleita a melhor de sempre do século XX, numa distinção que foi obrigada a partilhar com Sun Wen, na mesma lógica que Pelé e Maradona a dividiram, com base nas escolhas dos especialistas em conjunto com os votos dos adeptos.

 

Michelle Akers já não jogava mas a sua sombra continuava a meter medo. Para trás tinham ficado 105 golos em 153 jogos pela seleção. E tudo tinha começado na China, em 1991, como a primeira verdadeira sensação do futebol feminino.