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É Desporto

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26 de Abril, 2019

John Havlicek. Morreu o ladrão mais famoso na história da NBA

Rui Pedro Silva

O lance lendário da carreira de Havlicek

Foi oito vezes campeão da NBA nas 16 temporadas que jogou pelos Boston Celtics e continua a ser o melhor marcador na história da equipa (26395 pontos). Considerado um dos melhores jogadores de basquetebol de sempre, ficou imortalizado por um… roubo de bola na final do Este em 1965.

 

O comunicado dos Boston Celtics a anunciar a morte de John Havlicek não poupa nas palavras… nem podia. Durante os 16 anos em que jogou pela equipa com mais títulos na NBA, Havlicek também não poupou nos esforços, e nos recordes batidos.

 

Abandonando a carreira em 1978, continua a ser o jogador com mais pontos e jogos disputados pela equipa de Boston. O número 17 da sua camisola foi retirado imediatamente e a entrada no Hall of Fame foi uma inevitabilidade consensual. «A sua identidade como jogador definia-se pelo esforço constante e pela entrega genuína à equipa em detrimento do individual», pode ler-se no texto divulgado na noite de 25 de abril nos Estados Unidos.

 

É visto como um jogador que revolucionou o conceito de «sexto jogador» e é associado a «muitos dos momentos mais emblemáticos na história da equipa». Chegado à equipa em 1962, já com Red Auerbach e Bill Russell, jogou ao lado de outras figuras lendárias, foi campeão nas primeiras quatro temporadas da carreira e… ganhou-lhe o gosto.

 

O contributo para o terceiro dos quatro títulos consecutivos entrou na história do imaginário basquetebolístico da NBA. Não sendo um nome que figura automaticamente na lista dos melhores de sempre para o adepto mais comum, é difícil ignorar o roubo de bola que a própria NBA tem na lista dos melhores momentos de sempre.

 

«Havlicek stole the ball»

John Havlicek tem o «17» pendurado em Boston

Boston, 15 de abril de 1965. Os Celtics eram pentacampeões da liga e estavam à procura do sexto título consecutivo – e sétimo da sua história. Antes de chegar à final, ganha tranquilamente aos LA Lakers (4-1), a equipa de Red Auerbach teve de ultrapassar os Philadelphia 76ers de Wilt Chamberlain.

 

Nos primeiros seis jogos, três triunfos para cada lado. A decisão fora adiada para o Boston Garden e a equipa de Bill Russell, Sam Jones, KC Jones, Tommy Heinsohn, Satch Sanders e, claro, John Havlicek era favorita. Mas nenhum jogo era ganho à partida, sobretudo quando do outro lado estava uma lenda como Wilt Chamberlain.

 

O primeiro assalto caiu para o lado dos Celtics, com 35-26 no fim do período inaugural. Mas os 76ers recuperaram e, com um parcial de 36-26, foram para o intervalo a vencer por um. No terceiro período, a superioridade voltou a ser de Boston (29-20), mas a reação fez-se sentir novamente e os 76ers disputaram o jogo até ao último suspiro do encontro.

 

Faltavam cinco segundos para o final e os Celtics tinham acabado de cometer um turnover. Por baixo do cesto de ataque, a equipa de Filadélfia tinha uma oportunidade de luxo e conseguia sentir a surpresa na ponta dos dedos.

Havlicek controla a reposição pelo canto do olho

O base Hal Greer encarregou-se de repor a bola em campo e viu o caminho para Wilt Chamberlain travado por Bill Russell. Com o tempo para fazer o passe a esgotar-se, Greer apercebeu-se que Chet Walker estava (enganadoramente) sozinho.

 

A ideia de Havlicek foi simples. Sabia que Chamberlain seria a referência até ao limite mas confiava no trabalho de Bill Russell. Nesse momento, desesperado, Greer veria que tinha Walker sozinho. Havlicek contou até quatro, esperando o último dos cinco segundos que uma equipa tem para repor a bola em jogo, e não permitiu qualquer reação aos adversários. Não só o passe já estava feito como Walker não estava à espera do salto inesperado que Havlicek fez para intercetar a bola, quase como um segurança que se atravessa na trajetória de uma bala dirigida ao presidente.

 

A bola desviada por Havlicek sobrou para Sam Jones que, sozinho, garantiu que o resto do tempo se esgotava, dando início ao pandemónio no Boston Garden, perante mais um título de conferência conquistado. Se John Havlicek foi o «herói cantado», o comentador radiofónico Johnny Most foi o responsável pela imortalização do momento.

 

«Greer is putting the ball into play. He gets it out deep. Havlicek steals it! Over to Sam Jones! Havlicek stole the ball! It's all over! Johnny Havlicek stole the ball!»

 

O grau de entusiasmo, celebração e surpresa com que comentou os cinco segundos fizeram da jogada um momento ainda mais histórico e ainda hoje considerado por muitos o comentário radiofónico mais famoso na história do basquetebol.

 

Com 26 pontos e 11 ressaltos – muitos deles no decisivo quarto período – John Havlicek teve naquele roubo o momento mais marcante de uma carreira com tanto por onde escolher. Não que precisasse, mas a partir daquele momento consolidou-se como um herói em Boston e prosseguiu uma carreira brilhante.

 

Na hora de dizer adeus, a despedida do basquetebol foi definitiva. Nunca se preocupou em ser treinador ou continuar ligado ao desporto. Os investimentos precoces que tinha feito numa cadeia de hambúrgueres (deliciosos) chamada Wendy’s deram dividendos e viveu sem dificuldades até à sua morte, no mês em que cumpriu 79 anos.

26 de Abril, 2019

Sue López. De jogadora a ativista respeitada

Rui Pedro Silva

Sue López

Nasceu um dia antes de o Japão assinar a rendição na II Guerra Mundial mas nem por isso pode dizer que cresceu num ambiente sem conflito. Em 1945, as inglesas estavam a meio da proibição que a Federação Inglesa de Futebol tinha imposto ao futebol feminino em 1921 e que viria a durar cinco décadas.

 

Como tantas outras, Sue López fez o possível para contornar este obstáculo e tornou-se, desde o início, uma das vozes mais importantes do futebol feminino em Inglaterra. Hoje, é reconhecida pelo seu futebol dentro das quatro linhas, mas também pelo seu impacto fora delas, seja através do período como treinadora, dirigente, autora ou, simplesmente, ativista do futebol feminino.

 

E tudo começou em 1966, por causa do Mundial de futebol que a Inglaterra organizou. Durante a prova, viu uma notícia sobre um jogo de futebol feminino que ia acontecer num parque em Southampton. A novidade deixou-a em êxtase e não descansou enquanto não recebeu um convite para participar, já depois de ter enviado uma carta para o jornal local a perguntar por mais detalhes.

 

«Quando lá cheguei, vi que havia um campo com as dimensões oficiais, linhas, equipamentos, balizas e muita gente preparada para assistir. Já nem me lembro do que fiz para arranjar umas chuteiras mas, à hora do jogo, estava preparada», recordou recentemente.

 

Sem grande poder de escolha, foi-lhe dito para jogar no lado direito da defesa. «Eu queria era marcar golos, por isso sempre que tinha a bola, subiu pelo flanco e rematava. Acho que ainda marquei alguns. No final, perguntaram-me se queria começar a jogar todas as semanas.»

 

A iniciativa, aliada ao impacto do Mundial-1966, teve um sucesso brutal. A notícia espalhou-se e, domingo após domingo, havia cada vez mais mulheres interessadas em jogar. Havendo vontade, havia sempre equipas dispostas a entrar em campo.

 

O problema é que a proibição continuou em vigor até 1971. «Não podíamos ter árbitros registados, não tínhamos um campo oficial, não havia ninguém para te treinar», queixa-se, lembrando a vez em que foram desconvidadas de fazer uma demonstração antes de um jogo do Southampton ou de quando um treinador foi obrigado a deixar a equipa apenas porque estava inscrito na Federação Inglesa e o organismo não queria misturas.

 

Sementes do domínio

 

O sucesso do futebol feminino em Southampton fez com que não fosse surpresa que, quando a FA finalmente reverteu a proibição, a hegemonia das Taças de Inglaterra passasse pela equipa de Sue López.

 

Entre 1971 e 1983, o Southampton conquistou oito títulos e esteve presente em onze finais consecutivas. «Tenho orgulho em ser uma das pioneiras que ajudou verdadeiramente o futebol feminino a recomeçar do zero em 1966 depois de todas as equipas terem desaparecido com a proibição», afirmou a jogadora, que fez toda a carreira no Southampton, exceto uma temporada em que atravessou a Europa para atuar na Roma.

 

Sue López foi internacional por Inglaterra (22 jogos) e, quando acabou a carreira, atravessou para o lado lá, atuando como treinadora, dirigente e até autora de um livro sobre a evolução do futebol feminino, e lamenta que o Southampton tenha acabado com a equipa feminina em 2003, momento em que se despediu definitivamente dessa carreira.

 

Hoje, continua a ser uma voz importante e respeitada no futebol feminino. Sabe que a modalidade está muito melhor mas tem medo que venha a estagnar se a Inglaterra não alcançar um grande troféu em breve. «Tal e qual como o futebol masculino, que não ganha nada desde 1966. Sinto que precisamos de ganhar algo para continuar a formar grandes talentos, de começar a moldar a qualidade das jovens desde uma tenra idade, com treinadores conceituados.».