Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

É Desporto

É Desporto

23 de Abril, 2019

Billy McNeill. A incrível carreira do Leão de Lisboa

Rui Pedro Silva

Estátua de Billy McNeill em Glasgow

Venceu 31 títulos entre jogador e treinador ao serviço do Celtic mas nenhum teve um gosto tão especial como a conquista da Taça dos Campeões Europeus, no Jamor, em 1967. Ao longo de 18 anos como futebolista passou por altos e baixos, sempre pelo clube de Glasgow, e despediu-se com um total de 822 jogos. Pormenor interessante? Nunca foi substituído.

 

Quando se fala em jogadores com amor à camisola, há nomes que surgem sempre na primeira linha. A história de Paolo Maldini com o Milan é quase sempre o maior destaque, mas nomes como Ryan Giggs e Francesco Totti não lhe ficam muito atrás. Hoje, com a morte de Bill McNeill, o mundo do desporto parou para apreciar mais um exemplo de dedicação extrema.

 

William, mais conhecido por Billy, chegou ao Celtic em 1957, com apenas 17 anos, e não precisou de muito tempo para se aperceber de que a glória nem sempre se encontrava ao virar da esquina. O clube católico estava a caminho de uma série de oito anos sem conquistar qualquer título e viviam-se momentos de celebração para clubes como Rangers, Hearts, Dundee, Aberdeen e Kilmarnock.

 

A seca do Celtic alastrou-se a todas as provas e quis o destino que Billy McNeill cumprisse os primeiros oito dos 18 anos que esteve ligado ao clube sem qualquer troféu. A tendência era desanimadora e ninguém conseguiu prever quão brilhante o futuro seria.

 

O golo que marcou uma nova era

McNeill saltou mais alto e marcou um golo emblemático

O primeiro sintoma de uma era épica chegou com a final da Taça da Escócia em 1965. Também aqui o jejum do Celtic era grande. O clube não vencia desde 1954 e já tinha perdido as finais de 1955, 1956, 1961 e 1963. A 24 de abril de 1965, no mês seguinte à estreia do lendário Jock Stein como treinador, McNeill saboreou pela primeira vez um triunfo. E de que maneira!

 

Curiosamente, McNeill chegou a estar em dúvida para a final no Hampden Park depois de ter sofrido uma lesão no gémeo durante o encontro anterior com o Partick Thistle. Mas, quatro dias antes do encontro, Stein decidiu inovar e anunciou o onze titular aos jornalistas. E McNeill constava da lista.

 

O jogo com o Dunfermline não se adivinhava fácil e a marcha do marcador comprova a ideia. Por duas vezes o adversário adiantou-se no encontro (Melrose 15’ e McLaughlin 43’), por duas vezes o Celtic conseguiu o empate (Auld 31’ e 52’). Foi preciso esperar pelo minuto 81 para a história começar a ser escrita. Com a assinatura de McNeill, claro está.

 

As ordens de equipa partiam do princípio que McNeill, como defesa, não ia à área contrária nos cantos, mas naquele instante Stein teve uma ideia luminosa e decidiu mudar. Resultado? Charlie Gallagher bateu o canto para a área e McNeill fechou o marcador de cabeça, garantindo o primeiro título na história do clube desde a Taça da Liga de 1957. Foi o primeiro golo do defesa na competição.

 

O cabeceamento de McNeill foi simbólico. De uma travessia no deserto, o Celtic prosseguiu para uma fase de grande bonança. Foi nove vezes campeão, em edições consecutivas, entre 1966 e 1974, venceu mais seis Taças da Escócia e seis Taças da Liga. O grande, e mais emblemático, momento aconteceu, ainda assim, logo em 1967, no Estádio do Jamor.

 

Leões de Lisboa imortalizados

McNeill num cenário muito conhecido em Portugal

Como em Glasgow dois anos antes, o Celtic até esteve a perder (Mazzola de penálti aos sete minutos), mas estava destinado a fazer história e tornar-se a primeira equipa escocesa – e britânica – a conquistar a Taça dos Campeões Europeus. Tommy Gemmell empatou aos 63’, Stevie Chalmers concretizou a reviravolta aos 84’ e o capitão Billy McNeill ficou imortalizado ao erguer o troféu em nome dos jogadores que passaram a ser conhecidos por Leões de Lisboa.

 

A cada ano que passava, tornava-se cada vez mais difícil dissociar o nome de Billy McNeill do Celtic. Quando decidiu terminar a carreira, em 1975, tinha já 35 anos e um total impressionante de 822 jogos pelo clube. A curiosidade extra mostra também que McNeill nunca foi substituído durante estes encontros, embora na altura a tradição das alterações estivesse apenas a dar os primeiros passos.

 

A ligação ao Celtic não se limitou às ações dentro de campo. A carreira de treinador de McNeill começou nos escalões de formação do clube e incluiu duas passagens pela equipa profissional, primeiro entre 1978 e 1983 e depois entre 1987 e 1991. Durante estas temporadas, acumulou mais quatro campeonatos, três Taças da Escócia e uma Taça da Liga.

 

Apesar das passagens no Aberdeen (vice-campeão e antecessor de Alex Ferguson), Manchester City (vencedor do segundo escalão) e Aston Villa, a ligação ao Celtic nunca esmoreceu e foi, sem grande surpresa, nomeado embaixador do clube em 2009.

 

Hoje, apenas um dia antes de se cumprirem 54 anos do golo decisivo na final da Taça da Escócia, o Celtic anunciou a morte da lenda. «A família do Celtic chora a morte de Billy McNeill, o maior capitão do clube e um dos melhores homens que jogaram e treinaram no clube, que morreu com 79 anos», pode ler-se num tweet.

 

Os últimos anos da vida de McNeill foram muito difíceis. Em 2017, a família confirmou à comunicação social que o antigo jogador sofria de demência. Contou que a concentração estava a ser afetada e, com ela, também a capacidade de comunicação e de discurso tinham sido perturbados. 

23 de Abril, 2019

Theresa Bennett. A rapariga que levou a FA para os tribunais

Rui Pedro Silva

Theresa Bennett

Não era uma rapariga igual às outras. Ou melhor, era, simplesmente tinha um gosto diferente e não tinha vergonha nenhuma disso. Numa era em que o futebol feminino ainda era um tabu (1978), Theresa Bennett convenceu os responsáveis do Muskham United, da Newark Football League (nos arredores de Nottingham), que tinha mais do que qualidade para fazer parte da equipa de sub-12.

 

Theresa era uma rapariga a jogar entre rapazes. Tinha 12 anos e vivia livre de preconceitos. Os pais apoiavam a decisão, os treinadores reconheciam a qualidade e os colegas de equipa até agradeciam a mais-valia que era para a equipa. Mas a Federação Inglesa de Futebol (FA) não gostou da mistura e decidiu intervir.

 

Não era novidade em Inglaterra a federação sentir-se tão ameaçada pela “invasão” de mulheres que se via forçada a partir para decisões radicais. Aqui, tal como aconteceu com todo o futebol feminino em 1921, Theresa Bennett foi banida. Não havia espaço para uma rapariga numa equipa de rapazes.

 

A justificação era risível. «Basearam-se em crenças biológicas ultrapassadas de que as mulheres podem ter outras características mais desenvolvidas do que os homens, mas que não têm a força e a resistência necessária para correr, rematar, fazer tackles e afins», recordou Sue López, uma pioneira do futebol feminino em Inglaterra.

 

Os pais não aceitaram a justificação e levaram o caso para tribunal. Queixaram-se que Theresa não tinha tido acesso a igualdade de oportunidades e que jogar numa equipa masculina de sub-12 era a única opção, permitida e avaliada com sucesso por todos os responsáveis em primeira instância.

 

O juiz concordou depois de uma batalha intensa no tribunal. A Federação Inglesa de Futebol foi condenada a pagar 200 libras por ter privado Theresa de continuar a jogar e 50 libras por danos psicológicos. Para Theresa, era apenas o início do regresso à sua vida perfeita: «Se me deixarem, agora vou jogar pelos sub-14».

 

A Federação Inglesa de Futebol tinha outra ideia. «Esta é uma decisão histórica que vai ter repercussões consideráveis», afirmou o presidente, Harold Thompson, abrindo caminho para a hipótese de um recurso. «Não faço ideia se haverá uma enchente de raparigas a quererem jogar com rapazes, não sou vidente. Vamos ter de esperar para ver», acrescentou.

 

O recurso chegou e os tribunais reverteram a decisão. De nada valeu o argumento de que não havia diferenças físicas evidentes nesta fase da puberdade e o estudo de que neste escalão etário muitas raparigas são mais altas e fortes do que os rapazes. Tal como em 1921, a FA tinha vencido a batalha contra as mulheres.

 

Mas a guerra estava a começar a ser perdida. O impacto mediático do caso foi tão grande que a pressão para que a Federação Inglesa tomasse medidas tornou-se insuportável. Para ficar bem na fotografia, recomendou às escolas que começassem a abrir espaço para equipas femininas e não apenas para equipas masculinas. Era a decisão natural depois de a cobertura do caso ter provocado o interesse no futebol em centenas de raparigas.

 

Theresa Bennett foi apenas o ponto de partida. Não estava interessada na fama, apenas em jogar futebol. Era disso que gostava e que pensava a toda a hora. Adepta do Manchester United, apostou na Argentina para vencer o Mundial-1978. A razão sempre estivera do seu lado… em tudo.