França-Holanda. O primeiro jogo internacional reconhecido
Não teve honras de capital, muito menos de cidade importante. Aliás, por pouco quase não era em França. Hazebrouck, a cidade que acolheu o França-Holanda a 17 de abril de 1971, está na ponta norte do país, praticamente em cima da fronteira com a Bélgica, e entrou para a história quase sem saber como.
Calhou ter sido escolhida para organizar aquele jogo, não havia nenhuma ocasião específica aparente. Sim, era um jogo de futebol feminino mas não tinha havido uma enorme preparação ou uma grande carga mediática. Nem sequer seria o primeiro jogo da seleção francesa. Porém, anos mais tarde, a FIFA começou a fazer um histórico de todos os encontros disputados no feminino e foi este que acabou por ser o primeiro a ser reconhecido pela própria Federação Francesa de Futebol.
De pouco valeu que a França já tivesse disputado vários jogos com a Holanda nos anos anteriores, um com a Inglaterra em 1969 e dois com a Itália, em 1969 e 1970. O que ficou para a história, oficialmente, é que o primeiro jogo na história, reconhecido, entre seleções femininas foi disputado na tal cidade francesa chamada Hazebrouck a 17 de abril de 1971.
Este caráter inédito ajuda a criar outros factos pioneiros: a primeira equipa francesa foi composta por Régine Pourveux, Marie-Bernadette Thomas, Nicole Mangas, Colette Guyard, Betty Goret, Marie-Christine Tschopp, Jocelyne Ratignier, Michèle Monier, Jocelyne Henry, Claudine Dié, Maryse Lesieur, Nadine Juillard, Marie-Claire Harant, Ghislaine Royer e Marie-Louise Butzig; o primeiro hat-trick foi marcado por Jocelyne Ratignier. E o último golo por Marie-Claire Harant.
Futebol em franca expansão
«Toda aquela fase foi um sonho tornado realidade. Foi um paraíso», garantiu Marie-Louise Butzig, recordando o feito em declarações à FIFA.
O futebol feminino estava a soltar-se das amarras do preconceito. Não muito tempo antes, a France Football tinha veiculado uma mensagem de que o futebol era um desporto exclusivamente de homens. «Todas as iniciativas organizadas para que haja futebol feminino estão destinadas ao fracasso», escrevia, mostrando uma clara ignorância do que seria o futuro.
Quando a França defrontou a Holanda naquele abril de 1971, já havia mais de duas mil atletas registadas na federação, num total superior a 750 mil praticantes. O número continuava a ser residual, é certo, mas estava em franca expansão e capaz de resistir às críticas conservadoras.
«Ouvíamos muitos comentários desagradáveis na altura. Onde trabalhava, diziam-me que devia estar a emparelhar meias em vez de ir jogar futebol», admitiu Butzig, referindo que depois, lentamente, as coisas começaram a melhorar: «Cheguei a ver um jogo feminino com 1100 pessoas na minha terra, quando os jogos dos homens nunca conseguiam passar dos 150».
Outra pioneira francesa, Ghislaine Royer-Souef, explicou ao organismo mundial que nem na própria família tinha descanso. «Comecei a ir com os meus irmãos quando eles iam jogar futebol mas eu não passava de apanha-bolas. Com o tempo, comecei a misturar-me. Não era fácil jogar sendo rapariga, tínhamos de ouvir muita coisa desagradável, mas isso só demonstrava a nossa inteligência, ao conseguir ignorar e continuar no nosso caminho. Estávamos a perseguir a nossa paixão, isso é que era importante», afirmou.
Jogo valeu apuramento para Mundial não-oficial
A vitória em Hazebrouck contra a Holanda, perante 1500 pessoas e numa tarde de intenso frio, foi mais do que apenas um jogo. E mais do que o primeiro encontro internacional reconhecido na história. Depois do triunfo, o selecionador Pierre Geoffroy revelou que o triunfo tinha garantido um lugar no Mundial não-oficial do México, que ia ser disputado uns meses depois.
«Ele não nos tinha dito nada antes do jogo», relembrou Colette Guyard. «O regresso a casa de autocarro foi eufórico, estávamos muito mais animadas. Celebrámos e bebemos, estávamos todas um pouco tocadas!».
Pierre Geoffroy foi mais do que o selecionador daquela equipa. Foi um verdadeiro impulsionador do futebol feminino em França e um pouco por toda a Europa. Jornalista, escrevia em publicações como a France Football, e não perdia uma oportunidade para promover a modalidade.
Era um visionário e desempenhou um papel fulcral no crescimento das próprias jogadoras dentro e fora de campo. Geoffroy era também o líder do Stade de Reims, equipa que mais alimentava a seleção, e garantia que os tempos livres eram momentos de evolução e crescimento.
A presença no México foi uma memória que as jogadoras nunca esquecerão. Menos de um ano depois de Pelé ter levantado a Taça Jules Rimet pela última vez, mulheres de todo o mundo juntaram-se numa competição que ia estar na base das futuras competições. A França terminou na terceira posição e chegou a jogar no Estádio Azteca perante 60 mil pessoas.