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É Desporto

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17 de Abril, 2019

O futebol feminino está em todo o lado

Rui Pedro Silva

Futebol feminino tem cada vez mais impacto

Faltam 51 dias para o arranque do Mundial-2019, em França, e decidi fazer um especial que ajude a perceber a evolução do futebol feminino desde o início do século passado. Lancei-me nesta aventura em janeiro, pouco tempo depois de ouvir o episódio de podcast do Matraquilhos sobre o tema e nos dois meses seguintes percorri, dentro do tempo disponível, toda a informação que consegui.

 

Durante dezenas de horas, percebi que o futebol feminino está em todo o lado. Que, ao contrário do que se pode pensar, é um fenómeno que antecede, em largas décadas, o primeiro Mundial da FIFA, organizado em 1991, e que só não atingiu uma escala ainda maior muito mais cedo porque foi morto à nascença em Inglaterra, quando ameaçava incomodar a versão masculina do pós-guerra.

 

A pesquisa resultou em 50 histórias para todos os gostos – uma por dia até ao arranque da fase final. O grosso do trabalho reflete o que se passou nas edições desde 1991 mas decidi procurar mais um bocado pelas verdadeiras raízes. Do dia em que o Goodison Park se encheu para ver um jogo de futebol feminino na década de 20 à proibição da prática desportiva em Inglaterra, passando por batalhas legais, primeiros jogos internacionais e momentos que definiram a modalidade como é vista hoje.

 

De 1991 a 2015, entendi também como a compreensão do futebol feminino foi mudando. Recordei momentos históricos, descobri outros que me deixaram boquiabertos, de tão incríveis ou insólitos, e confirmei como, infelizmente, o futebol feminino foi demasiadas vezes usado como um veículo mediático, fosse quando a italiana Carolina Morace foi nomeada treinadora de uma equipa profissional ou quando Birgit Prinz esteve em negociações com uma equipa... italiana. Em qualquer um dos casos, o homem por trás da ideia era o mesmo. O tal que também contratou Nakata para o Perugia e despediu o sul-coreano que eliminou a Itália no Mundial-2002.

Birgit Prinz esteve em negociações com o Perugia

À medida que me deixava entranhar pelo futebol feminino, percebi ainda que ele sempre estivera na minha vida. Por muito que as memórias nunca tivessem estado reunidas no mesmo saco, o futebol praticado por raparigas e mulheres sempre me rodeou, da escola primária à vida adulta. Para cada um desses momentos, há também sempre um nome-chave.

 

A primeira foi a Diana, na escola primária. Durante quatro anos, só houve futebol numa aula de Educação Física uma única vez. Nós, rapazes, depois de tanta insistência, delirámos. Mas não ficámos satisfeitos por aí além quando a professora disse que a condição era toda a gente jogar, incluindo raparigas. Lembro-me do estado de desânimo tão bem como do resultado final: 2-2. O mais curioso: os dois golos da minha equipa foram marcados pela Diana.

 

Com o início do Ensino Básico chegou a Vânia. A Vânia era aquilo que muitos na altura chamavam Maria-Rapaz, como se não fosse permitido a uma rapariga gostar de futebol enquanto tal, uma rapariga que gosta de futebol. Na altura – e hoje ainda há sinais disso – achava-se que era apenas uma rapariga com gostos de rapazes. Pois, mas a Vânia não se importava com isso. Era da minha turma e jogava bem o suficiente para fazer parte da equipa. Jogava na frente do ataque.

 

O Ensino Secundário trouxe a Marta e, com ela, o primeiro verdadeiro contacto com raparigas que jogavam futebol (futsal, neste caso) federado. A escola tinha, pelo menos (agora que penso nisso), quatro raparigas com muita qualidade. Além da Marta, havia outra Marta (uma excelente guarda-redes), uma Teresa e uma Sara (possivelmente a melhor das quatro). Num dos três anos, decidimos juntar-nos e fazer uma equipa para o torneio da escola. Éramos apenas dois rapazes na equipa, para espanto de muita gente, mas não nos saímos mal. Por esta altura, em 2002, já o futebol feminino começava a ter cada vez mais influência.

 

No último ano do secundário fui para os juniores do 1.º Dezembro e o contacto com o futebol feminino tornou-se ainda mais intenso. Foi no período de maior hegemonia do clube de Sintra no campeonato nacional e, apesar de tudo, as nossas experiências nem foram as melhores. Afinal de contas, havia apenas um campo e os horários dos nossos treinos entravam em conflito muita vez. Eram os tempos das Carlas: a Couto no ataque e a Cristina na baliza.

 

A partir daí, há a Mariana. Jogou no 1.º Dezembro, é treinadora no Sporting e já serviu de intermediária em jogos organizados contra as equipas dela. O último foi em janeiro de 2018, curiosamente na última vez que joguei futebol.

Dérbi de Lisboa no Restelo foi um sucesso

Com ou sem Dianas, Vânias, Martas, Carlas ou Marianas, Portugal respeita muito mais o futebol feminino do que no passado. Chegámos lá mais tarde do que grande parte do resto do mundo mas é impossível ignorar o progresso. Equipas como Boavista, Trajouce e 1.º Dezembro, que dominaram no passado, foram obrigadas a lutar sempre contra o estigma e contra a falta de atenção mediática. Hoje, primeiro com Sporting e Sp. Braga e mais recentemente com o Benfica, o futebol feminino deixou de ser uma coisa de marias-rapazes, muitas vezes associadas a estereótipos e preconceitos, e é cada vez mais reconhecido e respeitado. Com todo o mérito.

 

O futebol feminino está em todo o lado – como sempre esteve, apesar de tudo – por mérito próprio. Terá sempre características diferentes do futebol masculino, mas o futebol do Barcelona e o do Boavista de Pacheco também serão sempre diferentes. É futebol. E, como poderão ler nas 50 histórias dos próximos 50 dias, é igualmente capaz de produzir histórias memoráveis. É desporto. E só isso interessa.