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É Desporto

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28 de Março, 2019

Phil Hill. Ser campeão porque o colega de equipa morreu

Rui Pedro Silva

Phil Hill

Ferrari dominou temporada de 1961 e tinha dois pilotos na frente da classificação à entrada para o penúltimo Grande Prémio da temporada, em Monza. Alemão Wolfgang von Trips liderava com quatro pontos de vantagem sobre Phil Hill mas morreu após um despiste na segunda volta. Vitória de Hill garantiu os cinco pontos extra que lhe valeram o título. Foi um triunfo amargo.

 

Michael Schumacher foi o primeiro piloto alemão a sagrar-se campeão mundial de Fórmula 1… em 1994. Mas 33 anos antes, no Grande Prémio de Itália, em Monza, Wolfgang von Trips entrou na penúltima corrida da temporada na liderança da classificação e com um cenário muito otimista.

 

Os tempos eram diferentes. A vitória valia nove pontos e o segundo lugar seis, por exemplo. Havia sete provas durante a temporada e eram contabilizados apenas os cinco melhores resultados. Graças a este quadro competitivo, os quatro pontos que Von Trips tinha de vantagem sobre Phil Hill, seu colega de equipa na Ferrari, tinham um significado ainda mais especial.

 

O piloto germânico tinha tudo a seu favor, especialmente depois de conseguir o tempo mais rápido na qualificação. Se conseguisse transpor essa superioridade para o dia seguinte, a 10 de setembro de 1961, seria matematicamente campeão do mundo, graças a três triunfos e dois segundos lugares. Mesmo que falhasse os pontos – ou simplesmente não melhorasse o quarto lugar (que acabou por ser o quinto melhor resultado de Von Trips na temporada), persistia um ónus de elevada dificuldade para Hill.

 

O norte-americano estaria sempre obrigado a vencer uma das duas últimas corridas. Se fosse duas vezes segundo, terminaria com 33 pontos e o título ia para Von Trips, por ter vencido duas corridas, contra apenas uma de Hill.

 

Von Trips podia estar a poucas horas de ser campeão mas teve uma declaração surpreendentemente premonitória na véspera, em declarações ao jornalista Robert Daley, publicadas em livro. «Nunca se sabe quando se vai morrer, é uma das coisas deste negócio. Talvez aconteça amanhã.»

 

Maior tragédia na história da Fórmula 1

Von Trips teve morte imediata

Aconteceu mesmo. Von Trips largou mal para a corrida e terminou a primeira volta na sexta posição. Minutos depois, quando tentava recuperar, perdeu o controlo do Ferrari na aproximação a uma curva para a direita, embateu no carro de Jim Clark e saiu disparado para a esquerda, colhendo uma zona da bancada onde estavam centenas de espetadores.

 

«Tinha acabado de me ultrapassar e acho que nem sabia que eu estava ali. Pensou que tinha o carro mais rápido e que eu teria ficado inevitavelmente para trás», comentou Jim Clark no final da corrida. Por esta altura, já Von Trips tinha morrido, tal como onze adeptos que tiveram morte imediata. Nos dias seguintes, outros quatro não resistiram aos ferimentos e fecharam a estatística do acidente mais mortal na história da Fórmula 1. Foram 16 pessoas, incluindo um piloto, dos 6 aos 62 anos.

 

A hipótese de ser campeão postumamente, ainda antes de Jochen Rindt, durou pouco menos de duas horas. Phil Hill continuava sem saber exatamente o que tinha acontecido e partiu para um triunfo tranquilo, cruzando a meta com 31 segundos de vantagem sobre o Porsche de Dan Gurney.

 

A vitória permitiu-lhe conquistar cinco pontos líquidos na classificação – trocou um terceiro lugar pela vitória – e ultrapassar o colega de equipa por um ponto. Só aí lhe disseram que já era campeão do mundo, apesar de faltar o Grande Prémio dos Estados Unidos. O ponto de vantagem era mais do que suficiente porque o colega de equipa – e grande rival na temporada – estava morto.

 

«Queria ganhar, mas não com este preço», desabafou, dando início a uma fase decadente da sua carreira na Fórmula 1. A Ferrari decidiu não correr em Watkins Glen, retirando a Hill a possibilidade de festejar o título a correr em casa.

 

No seguinte, tudo tinha mudado. «Já não tenho o mesmo desejo de correr, de ganhar. Não tenho a mesma fome. Já não estou disposto a arriscar a morte», admitiu.

 

Em 1966, depois de temporadas muito intermitentes, a despedida da Fórmula 1 chegou finalmente para o norte-americano. Nunca mais voltou a ganhar uma prova. O último triunfo foi o dia em que se sagrou campeão mundial… à custa da vida de um amigo.