Escócia. O declínio de um dos pioneiros do futebol
Defrontou a Inglaterra a 30 de novembro de 1872 naquele que foi o primeiro jogo entre seleções na história do futebol. Nunca conseguiu conquistar uma grande prova mas nos seus tempos áureos era uma presença assídua nas fases finais. A humilhação no Cazaquistão (3-0) na semana passada agravou a agonia que está a ser o século XXI.
Saint-Étienne, 23 de junho de 1998. Quando a Escócia entrou em campo para defrontar Marrocos na última jornada do grupo A do Mundial, o cenário parecia animador. A possibilidade de passar da fase inaugural pela primeira vez na história (depois de sete participações em Mundiais e duas em Europeus) era forte, apesar de estar no último lugar.
As contas eram simples. O Brasil tinha seis pontos, a Noruega dois e Marrocos e Escócia seguiam no fundo com um. Mas, havendo um Brasil-Noruega no outro jogo, podia pensar-se que os escoceses dependiam apenas de si. Depois de uma derrota com o Brasil (1-2) e do empate com a Noruega (1-1), a seleção de Craig Brown estava confiante.
O que se passou a seguir foi um pesadelo. Marrocos adiantou-se logo na primeira parte e seguiu para um triunfo esclarecedor por 3-0. Os africanos também não conseguiram festejar: o Brasil falhou na colaboração e, apesar de Bebeto ter feito o primeiro golo do encontro aos 78 minutos, os noruegueses conseguiram a reviravolta através de Flo (83’) e Rekdal (89’).
Não havia forma de prever mas aquele 3-0, quase tão humilhante como o do Cazaquistão, 21 anos depois, foi a despedida da Escócia dos grandes palcos. Desde então, nunca mais voltou a figurar entre os finalistas de uma grande prova e o cenário para o Euro-2020 também não é animador. O que se passou?
Envelhecimento sem renovação
A geração dos anos 90 não foi a melhor na história do futebol escocês mas soube culminar com êxito um período áureo que se começou a escrever ainda na década de 70. Entre o Mundial-1974 e o Mundial-1998, só por uma vez os escoceses falharam uma fase final: em 1994. Por outro lado, só nesta década é que conseguiram chegar às rondas decisivas do Europeu: em 1992, ainda com oito equipas, e em 1996, já com 16.
O fracasso de 1998 foi estrondoso. Não apenas pelo significado que tem hoje, 21 anos depois, mas pelo que representou logo na altura. Estatisticamente, pode não ter sido a pior participação na história escocesa (em 1954 saiu após dois jogos com 0-8 em golos), mas não ficou muito longe disso, com apenas um único ponto conquistado, dois golos marcados e seis sofridos.
O onze apresentado por Craig Brown ajuda a explicar o que se passou no futebol escocês. Numa convocatória em que apenas seis jogadores tinham menos de 28 anos, a equipa que se despediu contra Marrocos tinha Jim Leighton (39) na baliza; Jackie McNamara (24), Tom Boyd (32), Colin Hendry (32), David Weir (28) e Christian Dailly (24) como defesas; Paul Lambert (28), Craig Burley (26) e John Collins (30) no meio-campo; e Kevin Gallacher (31) e Gordon Durie (32) no ataque.
As expectativas de renovação eram escassas. Algumas das pedras essenciais do grupo estavam em fase decadente e não apareciam novos talentos capazes de suprir as despedidas. Para o Euro-2000, ainda foram a tempo de procurar uma última oportunidade no play-off, mas caíram aos pés da Inglaterra.
De quem é a culpa?
Como é que uma seleção que se habitou a fazer sempre parte das fases finais, mesmo que sem sucesso, deixou simplesmente de aparecer? É possível que depois de duas ou três gerações de talento, o futebol escocês tenha secado ao ponto de nem com o alargamento da fase final do Europeu, para 2016, tenha havido hipóteses?
A evolução no ranking da FIFA é um espelho do problema. Durante a década de 90, os escoceses estiveram sempre no top-40, chegando mesmo a terminar a temporada de 1999 com um brilhante 20.º lugar. A partir daí houve uma quebra profunda, com destaque para o 86.º posto com que terminaram o ano de 2004.
As piores classificações no ranking significam piores lotes nos sorteios de qualificação. Com melhores adversários, torna-se mais complicado ter um grupo promissor. É certo que a Escócia encetou uma recuperação brilhante depois de bater no fundo e chegou a ocupar o 13.º lugar em outubro de 2007, mas rapidamente voltou a estar fora do top-40.
A nível interno, o futebol escocês passou por uma mudança radical que cortou espaço às novas gerações de talento. A formação deixou de ser uma prioridade e o equilíbrio no campeonato desapareceu. Na década de 80, onde a esmagadora maioria dos jogadores presentes em 1998 foram formados, a liga teve quatro campeões diferentes: Aberdeen e Dundee United juntaram-se aos crónicos Celtic e Rangers.
Depois, David Murray tornou-se proprietário do Rangers em 1988 e tudo mudou. O investimento louco secou as equipas à volta e a porta dos jogadores estrangeiros abriu-se como nunca antes – aqui a mudança da lei na década de 90 também é responsável.
A falta de competitividade e a mudança de prioridades mataram a possibilidade de amadurecer os talentos que ainda se iam criando. Sem espaço nas melhores equipas e num campeonato com apenas dois pesos pesados, as possibilidades de amadurecimento natural desapareceram. A Premier League era uma opção mais difícil e queimava etapas. Durante anos, o campeonato escocês serviu de incubadora de talento… agora está limitado a um papel de satélite fraco.
A mudança na sociedade também é apontada como uma causa para este fenómeno. O governo nunca encarou o problema de frente e as mudanças na educação, com os professores a serem ilibados de responsabilidades extracurriculares, fez com que o desporto escolar – sobretudo o futebol – sofresse um enorme rombo.
Os clubes tinham agora um monopólio indesejado na formação de futebolistas, num período em que as prioridades – e oportunidades – mudavam radicalmente a cada temporada. Jogar futebol de forma organizada deixou de ser visto como algo natural, o número de participantes baixou e as consequências anunciaram-se à distância.
Hoje, a Escócia é o patinho-feio das ilhas britânicas. O tempo em que discutia com a Inglaterra a supremacia do futebol mundial é uma memória do passado que poucos têm. E as presenças nas fases finais servem agora, mais do que tudo, como uma humilhação. O Euro-2016 é a prova disso: contou com a Inglaterra, a Irlanda, a Irlanda do Norte e o País de Gales. A Escócia viu de fora, ultrapassada no seu papel e cada vez mais esquecida.