Hugo Koblet. O primeiro estrangeiro a vencer o Giro
Apareceu em Itália sem avisar e não se importou com a grandeza de nomes como Fausto Coppi e Gino Bartali. O galã do ciclismo passou a fronteira da Suíça para deixar um país inteiro aos seus pés. Podia ter sido o início de uma brilhante carreira mas…
«Não estava à espera de ter de lidar com outro Fausto Coppi», desabafou Gino Bartali durante a 33.ª edição da Volta a Itália em bicicleta. Vencedor da prova em 1936, 1937 e 1946, o italiano de então 35 anos sentia que aquela seria a sua última oportunidade para vencer perante o seu público.
Em 1947 e 1949, Bartali fora segundo atrás de Coppi. Agora, em 1950, depois de o grande carrasco ter fraturado a pélvis durante a nona etapa, o objetivo parecia estar à mão de semear. O problema foi não contar com o aparecimento de Hugo Koblet, um suíço de 25 anos a participar na sua primeira grande competição por etapas.
Koblet tinha provas dadas nas corridas de seis dias nos Estados Unidos e em eventos mais curtos na Suíça, mas esta seria uma experiência diferente para a qual ninguém poderia saber se estava preparado. Spoiler alert: estava mais do que preparado.
O suíço ameaçou o pódio com a vitória na sexta etapa e subiu à liderança pela primeira vez – nunca mais a largando – depois do triunfo na oitava tirada. Por esta altura, tinha 19 segundos de vantagem sobre Alfredo Martini (2.º), 3’58’’ sobre Fausto Coppi (4.º) e 6’12’’ sobre Gino Bartali (7.º).
Vitória estava destinada
Por outras palavras, por muito que Bartali possa ter lamentado o aparecimento de um novo Coppi, a vantagem de Koblet já existia, e era significativa, quando Coppi caiu durante a nona etapa, curiosamente ganha por Bartali.
A superioridade de Koblet nunca foi posta em causa e, à chegada a Roma, a diferença foi de 5’12’’ segundos. A edição do Mundo Deportivo de 14 de junho escreveu que «Koblet demonstrou ser cada vez mais forte com o desenrolar das etapas, resistindo a todos os ataques e sem fraquejar em nenhuma das batalhas».
«Foi uma autêntica e grande revelação […]. Coppi ter-se retirado pode ter facilitado o caminho mas a balança de méritos do jovem corredor suíço assinala a extraordinária proeza de ter batalhado contra os restantes ciclistas italianos, catalogados como os mais fortes e combativos da Europa, e ter-lhes vencido em todos os terrenos», continuou.
O grande destaque era, ainda assim, a «transcendental efeméride» de ser o primeiro estrangeiro a vencer uma Volta a Itália nos 33 anos de história da prova.
Naquelas semanas, nada afetou o rendimento de Koblet. Na penúltima etapa, furou quatro vezes e conseguiu recuperar sempre a ligação com o grupo da frente. Por esta altura, já Bartali era um homem resignado e conformado em ser segundo uma vez mais.
Entrada no ciclismo «por obrigação»
Hugo nasceu em Zurique em 1925 no meio de uma família de padeiros. Não conseguiu fugir ao trabalho no negócio familiar e, como irmão mais novo, estava destinado aos trabalhos mais chatos, desde varrer o chão a levar as encomendas, de… bicicleta.
Foi assim que nasceu o amor pelo ciclismo. Quando fez 17 anos, deixou a padaria e foi trabalhar para uma oficina num velódromo local. Deu nas vistas numa corrida de dez quilómetros, em terreno montanhoso, e Leo Amberg, um antigo vencedor do Tour, convenceu-o a levar a modalidade mais a sério.
Venceu 70 corridas durante a carreira. O Giro-1950 foi o primeiro grande destaque mas também conquistou o Tour no ano seguinte. A partir daí, apesar do segundo lugar no Giro em 1953 e 1954, o futuro começou a fugir-lhe por entre os dedos.
Inexplicavelmente – fala-se de tudo desde doping a uma doença venérea – deixou de ter força nas etapas mais complicadas e ficou reduzido à insignificância. O galã do ciclismo, que fazia questão de se apresentar sempre impecavelmente, antes, durante e depois das corridas, até no casamento começou a perder. O divórcio foi uma inevitabilidade e em 1964 implorou à ex-mulher por uma segunda oportunidade, mas esta recusou.
Koblet tinha deixado o ciclismo há seis anos, tinha ouvido um não da mulher e estava atolado em dívidas. Mais perto do final do ano, a 6 de novembro de 1964, com apenas 39 anos, morreu num acidente de viação ao volante de um Alfa Romeo.
Testemunhas garantem que o suíço viajava a grande velocidade, superior a 100 quilómetros horários, e passou duas vezes pela árvore fatal momentos antes de colidir frontalmente com ela, como se estivesse a ganhar coragem para acabar com a vida.