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É Desporto

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20 de Março, 2019

Heike Drechsler. Saltar para a glória… entre duas Alemanhas

Rui Pedro Silva

Heike Drechsler nos Jogos Olímpicos de Barcelona

Foi um produto da RDA e chegou a ser eleita como deputada, mas a maior glória só chegou após a queda do Muro de Berlim. Especialista nas provas de velocidade e no comprimento, fez história nos Jogos Olímpicos de Sydney… com 35 anos.

 

É difícil para alguém, qualquer pessoa, que tenha desenvolvido consciência durante a década de 90 ignorar o nome de Heike Drechsler. A maior figura do atletismo alemão dominava por onde quer que passasse e tinha uma afirmação fonética no apelido – independentemente da forma como se quisesse pronunciar – que intimidava.

 

O batismo de fogo de Drechsler surgiu em 1983, no Mundial de Helsínquia, quando era conhecida por Heike Daute. Tinha apenas 18 anos e sentia-se nervosa por ter conseguido entrar para uma seleção historicamente forte. Apesar de especialista no comprimento, estava ainda mais intimidada pela romena Anisoara Cusmir, dois anos mais velha, e maior favorita na competição.

 

«Eu era muito tímida e havia uma grande adversária da Roménia. A marca dela era muito melhor do que a minha, fiquei estupefacta. Tivemos uma bonita luta na competição e eu ganhei», recordou anos mais tarde, numa entrevista à IAAF.

 

Ganhar o Mundial em Helsínquia, com 18 anos, foi o momento mais importante da sua carreira. «Foi importante, aprendi a não ter medo de grandes nomes ou de grandes resultados», disse. A partir daí, nada mais seria o mesmo.

 

A aposta da RDA no atletismo – e em todas as edições de Jogos Olímpicos – fazia de Heike Drechsler uma das suas maiores esperanças. A confiança era de tal forma forte que em 1984 foi eleita para a Volkskammer, o parlamento da RDA. Esse foi também o ano em que foi obrigada a deixar de lado a estreia nos Jogos Olímpicos, devido ao boicote do bloco de leste a Los Angeles-1984. A romena Anisoara Cusmir conquistou o ouro.

 

Transição para as provas de velocidade

Sydney-2000 tornou Drechsler única

A temporada de 1986 incluía os Europeus de Estugarda e Heike Drechsler decidiu que estava na hora de ir mais longe. Juntou os 100 e os 200 metros ao seu cartão de visita e os resultados foram imediatos, sobretudo na distância maior.

 

A competir na Alemanha rival, não só foi campeã europeia no salto em comprimento, com 18 centímetros de vantagem sobre a soviética Galina Chistyakova, como venceu a prova dos 200 metros, pulverizando toda a concorrência e igualando o recorde mundial de Marita Koch (21,71 segundos). A RDA também venceu os 100 metros, por Marlies Göhr, mas Drechsler não conseguiu fazer parte do grupo de três atletas que representaram a seleção.

 

A evolução de Heike Drechsler nas provas de velocidade durante o primeiro ano foi sensacional: passou dos 11,75 para os 10,91 segundos nos 100 metros e dos 23,19 para o recorde mundial de 21,71 nos 200 metros. E, claro, no comprimento continuava a ser a rainha.

 

Quando conseguiu finalmente a estreia em Jogos Olímpicos, em Seul-1988, o currículo da alemã já impunha um largo respeito, com mais duas medalhas no Mundial de Roma, disputado no ano anterior.

 

A Coreia do Sul seria, ainda assim, um ano especial. Não só pela estreia, mas por ter conseguido uma medalha em cada uma das três provas. Falhou o título, é verdade, mas saiu do continente asiático com a prata no comprimento, batida por Jackie Joyner-Kersee por 18 centímetros, e o bronze nos 100 metros e nos 200 metros.

 

A rivalidade com Jackie Joyner-Kersee foi mesmo um dos temas daquele período. «Era sempre uma grande batalha. Era uma grande lutadora e precisava dela para fazer grandes resultados. Com ela, havia sempre uma grande tensão no ar», explicou.

 

O fim do muro e a união das Alemanhas

Comprimento era a grande especialidade

O currículo de Heike Drechsler como atleta da República Democrática da Alemanha saldou-se com três medalhas olímpicas, três mundiais e quatro europeias. Quando o muro caiu e as duas seleções se juntaram, a espinha dorsal veio do oriente.

 

Ao contrário do futebol, onde nomes como Matthias Sämmer, Ulf Kirsten, Andreas Thom e Thomas Doll eram exceções, no atletismo a tradição estava do lado de leste. E, apesar de estar a defender um novo nome, Drechsler não deixou de ser uma figura forte… cada vez mais.

 

Obrigada a debater-se com acusações de doping e de fazer parte do leque de informadores da Stasi (nos anos 80, pelo menos um terço dos jogadores de uma equipa de futebol era, de alguma forma, informador da polícia de estado), Drechsler levou a sua superioridade para a pista.

 

As medalhas acumularam-se mas nenhuma foi tão importante como o ouro olímpico. Primeiro em Barcelona, batendo, entre outras, a rival Joyner-Kersee, e depois, oito anos mais tarde, em Sydney.

 

Quando chegou à Austrália, Heike Drechsler tinha 35 anos e todos pensavam que estava no ocaso da carreira. Tinham razão, claro, mas o ocaso continuou a ser suficiente para se tornar a primeira atleta da história a acumular mais do que uma medalha de ouro olímpica na prova de comprimento feminino.

 

Não chegou aos sete metros (venceu com 6,99) mas isso era o menos importante. «Foi uma loucura. Tinha 35 anos e foi um ano muito difícil. Estive lesionada, o treino não correu bem, foi preciso dar alguns passos atrás na preparação. E depois, na competição, tudo resultou, e de repente era campeã olímpica novamente. Foi mesmo uma loucura.»

 

Os 7,48 metros registados por Heike Drechsler por duas vezes (Neubrandenburg-1988 e Lausanne-1992) continuam a ser a terceira melhor marca na história do salto em comprimento. Apenas a soviética Galina Chistyakova e a norte-americana Jackie Joyner-Kersee fizeram melhor.