Futebol dos 90. O Farense de 1997/98
Falar do Farense na década de 90 é falar de Paco Fortes. O pequeno treinador espanhol, que tinha chegado a Portugal ainda como jogador, para representar a equipa algarvia em 1984, era um espetáculo dentro do próprio espetáculo. O seu carisma e garra, apesar da baixa estatura (1,68 metros), tornaram-se uma ideia indissociável dos jogos do Farense no São Luís.
Não havia transmissão televisiva, relato na rádio ou resumo em que não fosse referida a forma como Paco Fortes incentivava os seus jogadores, quase sempre com um bigode farto e esbracejando vivamente com um casaco feito à medida para quem sempre sonhou ser jogador de basquetebol mas demorou muito tempo até poder entrar em montanhas-russas.
Paco Fortes era a alma farense. Foi ele que levou a equipa à final da Taça de Portugal e que subiu a equipa ao primeiro escalão em 1990, que garantiu um apuramento europeu e que bateu o recorde de seis presenças consecutivas no primeiro escalão. Em 1997, o espanhol estava preparado para atacar a Liga Portuguesa pela oitava edição seguida.
O Verão garantiu o melhor reforço que os adeptos podiam desejar. Depois de duas temporadas na Luz, Hassan, o goleador marroquino que tantas saudades tinha deixado com um rasto de golos e destruição das defesas adversárias, voltava para reassumir o trono do reino dos Algarves.
As notícias não foram exclusivamente boas. Peter Rufai, o príncipe nigeriano, tinha dado o salto a meio da época anterior para o futebol espanhol (Hércules) e, pela primeira vez desde 1994, a época ia começar com outro guarda-redes titular. Numa lógica de rei morto, rei posto, a posição foi ganha por um imperador. Marco Aurélio, contratado ao Rio Ave, mostrou ser uma alternativa digna e lançou raízes sólidas de uma carreira que só iria acabar no Restelo em 2006/07, com Jorge Jesus.
As saídas significativas não se ficaram por aí: Raul Barbosa saiu para Felgueiras, Paiva para Guimarães, Tozé para Barcelos e o mítico Helcinho, um jogador que parecia combinar as características físicas de Rui Barros com as de Domínguez, foi para Espanha.
O reforço do plantel, sobretudo no meio-campo, foi uma prioridade e chegaram jogadores com experiência: Mauro Soares, ex-Belenenses e Sporting, foi recrutado no Brasil e Besirovic chegou de Espinho.
Início auspicioso não foi continuado
O sorteio das primeiras jornadas não foi fácil para a equipa algarvia. Receber o Sporting a abrir, algo que já tinha acontecido em 1994, seria sempre uma tarefa difícil mas o Farense de Paco Fortes impôs-se e sacou um nulo. Para a história, ficou o primeiro onze daquela temporada: Marco Aurélio, Carlos Costa, Camilo, Paulo Sérgio, Pedro Miguel, Paixão, Mauro Soares, Besirovic, Hajry, Djukic e Hassan.
A expulsão do avançado marroquino, por duplo amarelo, foi a pior notícia possível mas nem assim os algarvios perderam o sentido da baliza na viagem até Braga para a segunda jornada. Paco Fortes repetiu as opções que podia e a alternativa a Hassan, o irreverente Bráulio, bisou com dois golos em cinco minutos no empate (2-2).
Quando a equipa de Paco Fortes somou dois triunfos nos dois jogos seguintes (3-0 no Restelo e 1-0 ao Desp. Chaves), a época estava a assumir contornos otimistas. À partida para a quinta jornada, o Farense era quarto classificado com oito pontos, a quatro do líder FC Porto e à frente de Sporting (7) e Benfica (4). Mas o êxito foi sol de pouca dura, mesmo no Algarve. Até à passagem de ano, os algarvios só voltaram a vencer um jogo (1-0 ao Varzim no São Luís com um golo de Hassan), num total de oito pontos. Pelo meio, o sorteio da Taça também não foi amigável e acabaram eliminados pelo Benfica na Luz (4-2).
A série negativa não foi suficiente para empurrar a equipa para os últimos lugares. Na primeira jornada de 1998, o Farense era 12.º com 16 pontos, enquanto os lugares de descida eram ocupados pelo Boavista (13), Belenenses (9) e Desp. Chaves (8).
O novo ano trouxe uma nova vida ao Farense. A derrota pesada em Setúbal a abrir (4-1) foi um percalço sem repetição numa série positiva que durou até ao início de março. Durante esse período, em nove jogos, os algarvios só voltaram a perder um jogo (em Alvalade com o Sporting, com Paulo Alves a fazer o decisivo 3-2 a três minutos do fim), somaram um total de 14 pontos e foram notícia ao travar o Benfica em casa: 1-1 num jogo “decidido” aos oito minutos depois de golos de Tahar (4’) e Marco Nuno (8’).
Sofrer para garantir a permanência
Faltavam dez jornadas para o final do campeonato e o futuro permanecia uma incógnita. Os algarvios tinham conseguido uma boa série de jogos sem derrotas mas o excesso de empates (12 em 24 jogos eram o máximo registado naquela época) não tinha ajudado a cavar um fosso suficiente para o último lugar de descida, ocupado então pela Académica, com 24 pontos. O Farense tinha 30.
O pior período do Farense vinha a caminho e na pior altura possível, uma vez que Hassan já estava lesionado desde a jornada 19 e só voltaria a jogar no penúltimo encontro. Nos sete jogos seguintes, registaram uma série de cinco derrotas consecutivas, num total de seis. Pelo meio, pontuaram apenas uma vez, na receção ao Leça (1-1).
Durante este período, Paco Fortes foi apostando num ataque mais móvel, alternando combinações que incluíam Ramos, Marco Nuno, Bráulio, Zezinho, Pintassilgo, Youssef e Djukic.
O calendário entrou em Maio, faltavam apenas três jogos, os dois primeiros lugares já tinham sido assegurados por FC Porto e Benfica e os lugares de descida estavam ao rubro. O Belenenses já tinha sido despromovido, mas Desp. Chaves (28), Varzim (29), Farense (31) e Académica (32) tinham uma margem reduzida para garantir a permanência.
Paco Fortes juntou esforços e, na antepenúltima jornada, guiou a equipa ao triunfo no São Luís sobre o V. Setúbal (2-0 com golos de Ramos e Mauro Soares). Os três pontos foram valiosos, sobretudo porque Varzim e Académica perderam. Com seis pontos em disputa, os algarvios pareciam ter mais margem para respirar.
As aparências iludiram. Na penúltima jornada, os algarvios podiam ter fechado as contas no jogo em Coimbra mas perderam com a Académica (1-0, João Tomás). O Varzim imitou o resultado e ficou automaticamente despromovido mas o Desp. Chaves surpreendeu e foi vencer a Setúbal por 2-1, graças a um bis de Míner. Conclusão: faltava descer uma equipa e havia cinco equipas separadas por três pontos – V. Setúbal e Campomaiorense (37), Académica (35), Farense e Desp. Chaves (34). Por agora, a vantagem no confronto direto sobre os flavienses fazia a diferença.
A última jornada foi vivida ao limite. Se o Farense ia receber um Rio Ave cómodo no meio da tabela e sem nada pelo que lutar, os outros dois maiores aflitos iam jogar entre si: Desp. Chaves-Académica em Trás-os-Montes.
Até ao apito final, tudo podia acontecer. Djukic marcou para o Farense antes do intervalo e o duelo do norte continuava sem golos. Mas, a qualquer momento, um golo do Rio Ave aliado a um do Desp. Chaves podia empurrar o Farense para a segunda divisão.
Não aconteceu. Os resultados não sofreram alterações, o Farense respirou de alívio e terminou no 14.º lugar com 37 pontos, à frente da Académica com 36 e do despromovido Desp. Chaves com 35.
Relatório e contas da temporada
O balanço final acabou por ser positivo. Marco Aurélio foi o único totalista do plantel e o reforço Besirovic foi o jogador de campo mais utilizado por Paco Fortes. Contratado para fazer golos, Hassan não desiludiu e assumiu-se como o melhor marcador da equipa com nove.
A temporada de regresso de Hassan trouxe dois dados muito curiosos: marcou no terreno dos quatro campeões nacionais à altura (um no Restelo, um na Luz, dois nas Antas e um em Alvalade), e foi expulso no primeiro e último jogo que fez na temporada: no São Luís com o Sporting por acumulação de amarelos e em Coimbra com vermelho direto depois de entrar aos 74 minutos.
Ramos e Bráulio, cada um com sete golos, também foram decisivos. Velozes, os dois jogadores ajudaram a desequilibrar muito pelos flancos e assumiram-se como peças essenciais da estratégia de Paco Fortes.
Dois últimos destaques para Hajry e Djukic. O outro marroquino do plantel, que é um verdadeiro sinónimo do Farense na década de 90, foi uma peça nuclear da equipa, desequilibrando pela experiência e com três golos que garantiram três pontos. O sérvio, herói da última jornada, em época de despedida, fez apenas dois golos.