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É Desporto

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29 de Janeiro, 2019

Naim Suleymanoglu. Um Hércules de Bolso imparável

Rui Pedro Silva

Naim Suleymanoglu

Não há nome mais dominador no halterofilismo do que Naim Suleymanoglu. O Hércules de Bolso, como era conhecido, podia ter apenas 147 centímetros mas a sua grandeza no colchão, com halteres que chegavam a ter o triplo do seu peso, nunca foi mensurável.

 

Suleymanoglu fez o que podia fazer com a sua vida. Nascido na Bulgária, em 1967, de pais que também não ultrapassavam o metro e meio, cresceu de forma humilde e sempre com um alvo nas costas por parte do governo búlgaro por ser de uma família de origem turca.

 

Sem grandes perspetivas de futuro, encontrou no halterofilismo uma forma de ganhar dimensão e ficar famoso. Os primeiros sinais surgiram ainda em criança, quando se divertia a levantar grandes pedras e troncos de árvores enquanto acompanhava o pai, um mineiro, no trabalho.

 

Das pedras e troncos para os halteres foi um pulo. Naim Suleimanov, o nome que tinha quando nasceu, não demorou muito até mostrar que era um predestinado e bateu o primeiro recorde mundial aos 15 anos, em 1982, já depois de ter sido campeão mundial sub-19 com apenas 14 anos. Em 1984 estava preparado para conquistar a primeira medalha de ouro olímpica na carreira, mas o boicote de leste a Los Angeles-1984 impediu-o de brilhar no palco mais importante.

 

A perseguição às minorias turcas na Bulgária atingiu um novo ponto alto em 1985, quando o governo decidiu retirar o passaporte a todas as famílias e mudar o nome aos turco-descendentes para que pudessem ter uma identidade mais… nacional. Naim Suleimanov tornou-se Naum Shalamalov, mas não por muito tempo.

 

No ano seguinte, durante uma prova da Taça do Mundo em Melbourne, o então bicampeão mundial decidiu que estava na altura de tomar uma decisão: fugiu após a prova e só apareceu quatro dias depois, a pedir asilo na embaixada turca.

 

A pérola do milhão de dólares

Naim com as cores da Turquia

Chegar à Turquia, com escala em Londres, não foi difícil. Mas continuar a competir, agora com outras cores, foi mais problemático. A Bulgária reteve a licença do atleta, agora finalmente conhecido como Naim Suleymanoglu, e obrigou a Turquia a elevar a fasquia durante as negociações. O acordo fechou-se com o pagamento de um milhão de dólares mas o halterofilista já não foi a tempo de conquistar nenhuma prova em 1987.

 

Os Jogos Olímpicos de Seul estavam no horizonte e Suleymanoglu tinha uma sede de vencer incomparável. Seria finalmente a sua estreia olímpica, aos 21 anos, e a oportunidade para mostrar ao mundo, no palco mais importante, que era um predestinado.

 

O título foi arrebatador. Competia na categoria dos 60 quilos e acabou com um total acumulado de 342,5 quilos (152,5 no arranque e 190 no arremesso). Basta fazer as contas: Suleymanoglu não deu hipóteses e no arremesso, gesto de levantamento a dois tempos, conseguiu elevar acima da cabeça mais do que o triplo do seu peso.

 

O domínio foi tão absurdo que o segundo classificado, o búlgaro Stefan Topurov, ficou a trinta quilos. E o terceiro classificado levantou menos 55 quilos no total. Mais, os 342,5 quilos seriam suficientes para ser campeão na categoria acima (67,5), uma vez que o campeão olímpico, Joachim Kunz, não levantou mais do que 340 quilos acumulados.

 

«Fiz o melhor que um homem consegue fazer num desporto mas a minha mente não quer saber da medalha de ouro nem dos recordes mundiais. Estou preocupado com a minha família. Espero que se possa juntar a mim na Turquia», desabafou, antes de embarcar em Seul, com destino a Ankara, no avião fretado propositadamente para o efeito pelo primeiro-ministro turco, Turgut Ozal.

 

A Bulgária acedeu e, um mês depois, os pais e os dois irmãos juntaram-se a Naim na Turquia.

 

Hegemonia arrebatadora

Naim Suleymanoglu

Tornou-se impossível não reconhecer Suleymanoglu nos anos seguintes. Durante a carreira conseguiu um total de 46 recordes mundiais e esteve oito anos e meio sem perder qualquer prova. A série chegou ao fim nos Europeus de 1992, por culpa de um… búlgaro (Nikolay Peshalov).

 

Não foi mais do que um acidente de percurso. No mesmo ano, nos Jogos Olímpicos de Barcelona, Suleymanoglu elevou a fasquia ao revalidar o título, ao mesmo tempo que continuava a acumular campeonatos do mundo (1985, 1986, 1989, 1991, 1993, 1994 e 1995).

 

Em Atlanta, em 1996, Suleymanoglu envolveu-se numa batalha memorável com o grego Valerios Leonidis. Levantamento após levantamento, os dois mostraram ser ossos duro de roer mas, no fim, foi o turco que levou o ouro para casa e garantiu um feito inédito: o primeiro halterofilista a conquistar o ouro olímpico em três edições consecutivas. «Vou até ao meu limite, mas ele consegue sempre ter um limite maior», desabafou Leonidis.

 

Foi o último grande palco de Suleymanoglu. Em 2000, ainda tentou chegar ao quarto ouro consecutivo mas teve mais olhos do que barriga e foi adiando a primeira tentativa até esta ser demasiado pesada. Falhou as três tentativas e regressou a casa pela porta pequena.

 

Tinha 33 anos e a saúde começava a dar de si. Fumava 55 cigarros por dia e dava mostras dos primeiros problemas de fígado, a principal razão da sua morte em 2017. O Hércules de Bolso acabou vergado mas a glória foi imortalizada. Será eternamente lembrado como o pequeno turco que se tornou um dos melhores atletas de sempre. O nome pode ter mudado, mas a alma de vencedor foi sempre a mesma.