Mariano Rivera. Da pesca da sardinha à unanimidade no basebol
Babe Ruth, Willie Mays, Mickey Mantle, Lou Gehrig, Joe DiMaggio, Cy Young, Ted Williams, Jackie Robinson e tantos outros têm uma coisa em comum: são vistos como os melhores de sempre do basebol mas nenhum deles conseguiu ser eleito para o Hall of Fame por unanimidade.
O eterno reconhecimento chegou para todos eles mas conquistar o voto de todos os jornalistas reconhecidos pela associação foi sempre um objetivo utópico. Em 2016, Ken Griffey Jr. esteve muito perto de fazer história mas conseguiu «apenas» 99,32% dos votos. Por outras palavras, três dos 440 jornalistas que votaram não fizeram a cruzinha necessária no nome daquele que foi a primeira escolha do draft em 1987.
Esta semana, porém, tudo mudou. O feito que muitos achavam que nunca aconteceria – afinal, se Babe Ruth não foi unânime, ninguém deverá ser -, aconteceu. Mariano Rivera, o panamiano que foi vedeta dos New York Yankees no final do século XX e até 2013, era a figura de proa no lote de candidatos ao Hall of Fame e mereceu a confiança, à primeira oportunidade, de todos os 425 jornalistas que exerceram o seu direito de voto.
«Eu já me tinha dado por contente só por ter chegado à Major League Baseball e por ter jogado pelos New York Yankees, e vencer o máximo de campeonatos possíveis. Quando terminei a carreira, pensei se teria uma boa oportunidade de ser um hall of famer, mas isto ultrapassa a minha imaginação. Isto é o pináculo de qualquer jogador de basebol. Chegar lá já é uma honra, mas ser unânime é inacreditável», reagiu Rivera, poucos minutos depois de os resultados serem conhecidos.
Os números de Mariano Rivera não deram margem para dúvida: entre 1995 e 2013, foi cinco vezes campeão, venceu o título de MVP da final uma vez e disputou o jogo das estrelas em 13 ocasiões. Quando disse adeus, em 2013, saiu como recordista de saves (652), fazendo dele o melhor closer – e mais famoso – na história do basebol.
O medo cénico do senhor Sandman
Jorge Valdano timbrou a expressão “medo cénico” durante a década de 80 para se referir ao medo irracional que os adversários tinham quando se deslocavam ao Santiago Bernabéu para defrontar o Real Madrid. Na década seguinte, em Nova Iorque, começou a existir o mesmo com Mariano Rivera.
«É o único no basebol que consegue mudar um jogo sentado no banco. Começa a afetar as equipas adversárias logo no quinto inning porque elas começam a pensar que ele está ali, que está quase a entrar. Nunca vi alguém afetar tanto um jogo desta forma como ele», comentou uma vez Alex Rodríguez, companheiro de Mariano Rivera nos Yankees entre 2004 e 2013.
Mariano Rivera era assim mesmo. Quando chegou à equipa principal dos Yankees em 1995, assumiu-se como lançador inicial, mas em 1997 já tinha feito a transição completa para closer – aquele que normalmente é escolhido para eliminar os três últimos adversários e garantir o triunfo. E, aí, mostrou ser melhor do que alguém alguma vez tinha sido.
Tudo à volta de Rivera era mítico e em 1999 ganhou um novo patamar, quando os responsáveis dos Yankees começaram a tocar «Enter Sandman» dos Metallica sempre que o jogador era chamado ao jogo. Sabem como Red Auerbach sacava do seu charuto assim que entendia que o jogo estava ganho para os Celtics? Emocionalmente, ouvir aquela música tinha o mesmo efeito. A entrada de Rivera era sinónimo de triunfo garantido.
Das origens humildes do Panamá à sorte no recrutamento
A vida de Mariano Rivera demorou até ter o selo do basebol na carreira. De uma família muito humilde, a paixão pelo desporto era dividida entre duas modalidades: o basebol e o futebol. Mas não passava disso, uma paixão. Mariano tinha de ajudar a família e assim que teve tamanho suficiente começou a ajudar o pai na pesca da sardinha.
Um dia, o barco naufragou e, já depois de o seu tio ter morrido num acidente semelhante, Rivera decidiu que aquela vida não era para ele. Afinal, sempre desejara ser mecânico. Nas horas livres continuava a jogar futebol mas as sucessivas lesões nos tornozelos e joelhos forçaram-no a decidir-se pela outra paixão.
Mariano Rivera jogava como shortstop e entrou no universo de observações de um olheiro dos Yankees. Reprovou: dificilmente teria qualidade para chegar à elite. Mas, de repente, perante a lesão de um lançador, tudo mudou. O treinador pediu a Rivera para ocupar a posição vaga e o sucesso foi imediato. A notícia correu mundo e chegou à atenção dos Yankees, que voltaram a observar o jogador e chegaram a acordo para um contrato amador em 1990, com um prémio de assinatura de 2500 dólares.
A adaptação aos Estados Unidos foi difícil. Rivera não sabia falar inglês e nenhum dos seus colegas na equipa-satélite dos Yankees falava castelhano. A única solução para comunicar com alguém era falar com a família, mas esta era tão pobre que não tinha telefone, o que obrigava o jogador a enviar uma carta, sendo forçado a esperar vários dias até ter uma resposta.
O caminho até à equipa principal dos Yankees foi tortuoso. Na altura, era um lançador inicial com uma margem de evolução promissora mas com um rendimento sofrível. Quando sofreu uma lesão grave num ligamento, a equipa chegou a perder a esperança nele e deixou-o vulnerável a ser recrutado por outras equipas durante a expansão de 1992, que abriu caminho para a entrada dos Colorado Rockies e dos Florida Marlins. Ninguém apostou em Rivera.
Momentos maus tão famosos como os bons
A aura de infalível de Mariano Rivera contribuiu para que os momentos maus se tornassem ainda mais mediáticos. Eram tão poucos que hoje ainda será possível contar apenas pelos dedos de uma mão aqueles que verdadeiramente importaram.
Estamos a falar de um jogador com uma estatística impensável: «Na história da humanidade, houve mais homens a andar na lua (12) do que a marcar um ponto a Mariano Rivera nos playoffs (11)», leu-se esta madrugada nas redes sociais um pouco por todo o lado.
O primeiro episódio relevante surgiu em 2001. No jogo sete da World Series, contra os Arizona Diamondbacks, Rivera entrou no nono inning com a equipa a ganhar e um erro num lançamento abriu caminho para a derrota. Poderia ser um momento definidor, mas o jogador sempre soube dar a volta para conseguir uma nova interpretação.
«Estou contente por termos perdido a World Series porque isso significa que ainda tenho um amigo.» A frase pode parecer estranha mas diz respeito à forma como afetou os planos de Enrique Wilson. Tivessem os Yankees vencido o troféu, o colega dominicano teria ficado mais uns dias em Nova Iorque para a celebração e só teria embarcado de volta para o seu país num voo da American Airlines que caiu e matou todas as 260 pessoas a bordo.
Mais tarde, em 2004, chegou a série mais famosa da história. Os Yankees estavam perto de «varrer» os Red Sox na final da Liga Americana, mas Mariano Rivera não conseguiu manter a vantagem e abriu caminho para a primeira reviravolta de 0-3 para 4-3 em jogos. Com uma série para esquecer, Rivera tornou-se uma figura estranhamente acarinhada pelos adeptos de Boston e no ano seguinte chegou a ser aplaudido de pé no Fenway Park. Afinal, as suas exibições, na maior parte das vezes infalíveis, tinham permitido à equipa dar um passo decisivo para quebrar um jejum de 86 anos sem campeonatos. Rivera entrou no jogo e agradeceu, sempre com bom humor.
Os erros, poucos, nunca conseguiram afetar a mente de Rivera. O jogador sabia que seria sempre mais importante começar a pensar no amanhã do que continuar preocupado com o ontem. Esta capacidade de regeneração fez com que fosse capaz de reagir aos momentos maus, fossem lesões ou jogos menos conseguidos, e construir um legado inatacável ao terminar a carreira.
Agora, seis anos depois e na primeira vez que surgiu como candidato ao Hall of Fame, os jornalistas confirmaram a ideia: Mariano Rivera é especial. Pode não vir a ser lembrado no mesmo lote que Babe Ruth, Willie Mays e outras estrelas imortais do basebol, mas será sempre o primeiro jogador a ser votado por unanimidade.