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É Desporto

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16 de Janeiro, 2019

Kisenosato Yutaka. Desistir para não passar mais vergonhas

Rui Pedro Silva

O momento da despedida

Saber quando parar é uma das características mais elogiadas aos melhores praticantes de uma modalidade, seja ela qual for. O tema é motivo de debate contínuo e não faltam exemplos no desporto mundial. Há sempre alguém que continua mais tempo do que devia, acabando por sair pela porta pequena, transmitindo uma última imagem vulnerável, incapaz de estar ao nível do que foi em tempos.

 

Este é o maior medo de quem pratica um desporto de alta competição. «Mais vale sair um ano mais cedo do que um ano demasiado tarde», dizem, sabendo os efeitos que uma época a arrastarem-se terão na visão do seu legado. Por outro lado, é difícil combater a tentação de continuar aquilo que sempre fizeram, aquilo que os tornou grandes, aquilo que lhes deu relevância.

 

Para Kisenosato Yutaka, um lutador de sumo japonês que chegou a atingir o topo da carreira, esse momento chegou tarde. Aos 32 anos, depois de uma série de oito derrotas consecutivas e de três desaires seguidos num torneio de Tóquio (Ryogoku Kokugikan), Kisenosato percebeu a mensagem e decidiu agir.

 

«Vou retirar-me e começar a treinar jovens lutadores. Obrigado pelo apoio de todos enquanto estive no ativo. Embora seja lamentável que não tenha conseguido estar ao nível das expectativas de todos enquanto yokozuna, não me arrependo de um único momento da minha carreira», explicou.

 

As lesões não ajudaram Kisenosato. O objetivo sempre foi conseguir uma saída de cena limpa mas a vontade de retribuir o apoio dos fãs fez com que continuasse a competir sem possibilidades de sucesso: «Lamento muito que tenha sido desta forma».

 

Promoção destinada ao fracasso

Kisenosato Yutaka

O seu mentor, Tagonoura, ficou feliz pela promoção de Kisenosato a yokozuna (o título dado aos lutadores que atingem o grau mais elevado na modalidade) mas sempre soube que era algo destinado ao fracasso. «Conseguia perceber que estava em sofrimento», disse. Os números não mentem: a série de oito derrotas consecutivas, já sem contabilizar uma desistência em novembro, é o pior registo de um yokozuna desde 1949.

 

Em março de 2017, Kisenosato era um homem feliz. Tinha sido promovido a yokozuna: era a primeira promoção do género de um lutador nascido no Japão em 19 anos. O início até foi positivo, com a conquista do torneio seguinte, mas as lesões apareceram e não lhe voltaram a dar descanso.

 

Primeiro no joelho. Depois no tornozelo. Mas também no peito e no braço. Por muito que quisesse, não conseguia corresponder às suas próprias aspirações e aos desejos dos adeptos que o queriam ver ao mais alto nível.

 

Os maus resultados levaram a uma onda de desagrado pela própria federação – perder quatro combates consecutivos num mesmo torneio em novembro foi a gota de água -, que aumentou a pressão e colocou a hipótese de um fim de carreira forçado caso não melhorasse o seu desempenho no torneio de Tóquio.

 

A vergonha de continuar a perder, sem hipótese de recuperar, aliada à pressão da federação falou mais alto e o anúncio foi mesmo feito. Na despedida, os adeptos viram um lutar fragilizado mas capaz de lutar por uma vitória. «Foi impressionante a forma como se dedicou para ganhar uma última vez», disse Nishiiwa, um antigo lutador.

 

O adeus de Kisenosato faz com que o Japão volte a estar sem um yokozuna. Em lágrimas na conferência de imprensa, o atleta explicou que tinha encarado este torneio como um tudo-ou-nada. «Treinei para estar na melhor forma possível. Sabia que ia ser decisivo. Desde a lesão, senti confiança que estava a fazer o melhor que conseguia. Lutei com todas as minhas forças mas, pela primeira vez, senti que não conseguia continuar.»

 

O topo da hierarquia do sumo, com a categoria yokozuna, está agora limitada a dois lutadores, ambos da Mongólia: Kakuryu Rikisaburo, promovido em 2014, e Hakuho Sho, promovido em 2007. «É uma posição solitária», explicou Hakuho depois do anúncio de Kisenosato. «Fiquei sem palavras para expressar a minha apreciação pelo seu esforço.»

16 de Janeiro, 2019

Martin O’Neill. O homem que desafiava Brian Clough

Rui Pedro Silva

Martin O'Neill enquanto jogador

O novo treinador do Nottingham Forest conhece os cantos à casa. Enquanto jogador, fez parte da mítica equipa de Brian Clough que subiu de divisão em 1977, foi campeã inglesa em 1978 e garantiu o bicampeonato europeu em 1979 e 1980. Figura ímpar do clube, manteve sempre uma relação única com o emblemático treinador. «Desconfio sempre de pessoas que são mais inteligentes do que eu», dizia Clough.

 

De 1971 a 2019 passaram 48 anos. Há um mundo de diferença mas as duas datas têm algo em comum: marcam a entrada de Martin O’Neill no Nottingham Forest. Hoje, o irlandês não é mais um jovem de 19 anos com um horizonte de sonhos por alcançar e um cartão-de-visita que incluía um golo marcado ao Barcelona, pelos irlandeses do Distillery, na Taça das Taças. Hoje, O’Neill é um técnico conceituado, sobretudo por culpa dos anos que passou à frente do Celtic (2000-2005) que incluíram a presença numa final da Taça UEFA, perdida para o FC Porto em 2003.

 

O cenário no City Ground é muito diferente daquele que encontrou em 1971. Na altura, o clube estava no primeiro escalão e não conseguiu evitar a descida no final da temporada. Hoje, a equipa já está no segundo escalão e continua a perseguir o objetivo de voltar à elite do futebol inglês. O espanhol Aitor Karanka deixou a equipa no nono posto, com 39 pontos em 27 jogos, e a quatro pontos dos lugares do play-off.

 

A forma como o clube anunciou o novo treinador não deixa margem para dúvida: é um bom filho que está de regresso a casa: «Um dos originais e mais amados Miracle Men, Martin está finalmente a concretizar um sonho de vida ao treinar o seu querido Nottingham Forest. Com o seu compromisso ao clube, conhecimento do jogo e paixão para ter sucesso, O’Neill vai ter o objetivo de levar a equipa de regresso à elite e fazer com que o milagre aconteça novamente».

 

O Milagre com Clough

Brian Clough

Martin O’Neill esteve dez temporadas consecutivas no Nottingham Forest mas a primeira metade esteve longe de ser um milagre. Depois da despromoção na época de estreia, o clube não conseguiu reerguer-se imediatamente e teve campanhas vulgares no segundo escalão.

 

Depois, com a chegada de Brian Clough, em 1975, tudo mudou. O’Neill já era uma das figuras do plantel e o sucesso dentro de campo foi notícia um pouco por toda a Europa. Afinal, aquele progresso do Forest foi notável: subir de divisão em 1977, ser campeão inglês em 1978, vencer a Taça dos Campeões em 1979 e repetir a façanha em 1980. Ainda hoje, o feito é motivo de pergunta de trivial: qual é a única equipa que tem mais títulos de campeão europeu do que de campeão nacional? Isso mesmo, a resposta é Nottingham Forest.

 

O feito continua a ser especial na atualidade mas talvez não se consiga perceber a importância desta reconquista atualmente. Hoje, uma equipa consegue participar consecutivamente na Liga dos Campeões sem vencer o seu campeonato – veja-se o exemplo do Liverpool – mas na altura a única forma de garantir o visto no passaporte era vencendo a liga doméstica ou se entrasse na prova como campeão em título. Foi isso que o Nottingham Forest conseguiu, com distinção, e continua a ostentá-lo no seu currículo.

 

Brian Clough era um espetáculo à parte mas Martin O’Neill nunca se limitou a ser uma ovelha no rebanho. O médio norte-irlandês desafiava-o, exigia que desse o melhor de si e não se deixava intimidar pela hierarquia. Certo dia, num programa que contou com a presença dos dois, Clough confessou: «Desconfio sempre de pessoas que são mais inteligentes do que eu. Mas em breve vou puxar-te para o meu nível».

 

O passado de O’Neill ajudava a perceber que não era um jogador como os outros, ou pelo menos como a ideia que temos dos jogadores durante a década de 70. Quando saiu para Inglaterra, O’Neill não se limitou a deixar o Distillery, interrompeu também o curso de Direito. A paixão pelos estudos seguiu-o por onde andou e fez sempre questão de se manter a par com o mundo e com as novas tendências, dentro e fora do futebol.

 

O’Neill tornou-se um alvo fácil de Clough

Martin O'Neill

Brian Clough sabia o que tinha em mãos e não perdia uma oportunidade para relembrar O’Neill que numa equipa de futebol era ele quem mandava. O jornalista Daniel Taylor, autor de um livro sobre aquela era, recorda uma história de uma goleada ao Ipswich e garante que O’Neill nem sempre terá gostado da sua experiência no Nottingham Forest.

 

«Houve um episódio na Supertaça Inglesa em 1978, quando o Nottingham Forest estava a jogar com o Ipswich, num jogo que ganhou 5-0. O O’Neill marcou dois e estava desesperado por conseguir o hat-trick mas, assim que pôde, o Clough substituiu-o e pôs um central a jogar no seu lugar. Foi praticamente por desprezo apenas, porque eles não se davam nada bem», escreveu.

 

Se O’Neill se achava mais que os outros, Clough exigia ainda mais dele. Não lhe dava margem. Não estava para ver a sua autoridade desafiada e tinha a faca e o queijo na mão. Era ele quem tomava as decisões e garantia que os seus jogadores nunca se esquecessem dessa hierarquia. «O Martin tinha uma personalidade muito vincada e expressava a sua opinião, o Clough não gostava», contou Taylor.

 

Brian Clough martelou a personalidade de O’Neill até o tornar um reflexo do que era. Raramente tinha uma posição definida em campo e nada do que fizesse era encarado como bom o suficiente. O treinador tinha cumprido a sua promessa e a inteligência de O’Neill tinha deixado de importar: pela frente agora já só havia um jogador psicologicamente afetado pelos jogos mentais de que era constantemente alvo.

 

Nunca foi uma questão pessoal. Se O’Neill se sentia apto para desafiar o treinador, Clough tinha a obrigação de demonstrar, sobretudo perante o resto do plantel, que só podia haver uma voz dominante, que não autorizaria qualquer tipo de confronto à ideia instalada.

 

Hoje, tantos anos depois, O’Neill evoluiu para um treinador com vários toques de semelhança com Clough. Menos autoritário, talvez, mas com a mesma escola de espremer a capacidade de um jogador até à última gota pelo bem coletivo.

 

É isso que se espera dele no Nottingham Forest. É com isso que Tobias Figueiredo, Diogo Gonçalves, João Carvalho e Gil Dias podem contar. Repetir o milagre pode ser inalcançável, por muito que clube e adeptos o desejem, mas trazer um pedaço da glória da era de Clough já será um triunfo. Isso e garantir o regresso à Premier League, pela primeira vez desde 1998/99.