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É Desporto

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10 de Janeiro, 2019

José Mourinho. O Toque de Midas invertido

Rui Pedro Silva

José Mourinho e o seu estilo inconfundível

É difícil explicar a alguém sem memória do início do século XXI o que aconteceu com José Mourinho quando o técnico português deu os primeiros passos numa carreira a solo, depois de finalmente se libertar dos papéis de braço-direito de Robson e Van Gaal.

 

A atitude, método e garra foram apresentados no Benfica mas não houve tempo para aparecerem resultados concretos. Em Leiria, provou que tinha a lição bem estudada e, quando chegou ao FC Porto, deixou de haver dúvidas de que o treinador de Setúbal era, de facto, especial.

 

É aceitável dizer que a personalidade de Mourinho não mudou um centímetro desde aquele período. É legítimo dizer que o passar dos anos e os cabelos brancos tornaram-no mais amargo, mas a propensão para intervenções icónicas sempre esteve lá. A conferência de imprensa a arrasar Sabry, a promessa do título em condições normais – e anormais -, e a ameaça de que a eliminatória não estava fechada após a derrota nas Antas com o Panathinaikos compõem apenas o topo de uma pirâmide com vários andares.

 

Pode também parecer difícil compreender que José Mourinho chegou ao FC Porto no período mais difícil da presidência de Pinto da Costa. O clube preparava-se para perder o terceiro título consecutivo, uma figura como Jorge Costa tinha sido excluída por Octávio Machado e os resultados em campo não ajudavam.

 

O FC Porto de José Mourinho, futuro campeão sem discussão na mente do próprio, não era mais do que alguém a correr por fora e longe da pujança do final da década de 90. O primeiro verão trouxe novidades: Jorge Costa regressou do empréstimo ao Charlton, Maniche veio da equipa B do Benfica, Paulo Ferreira de Setúbal, Pedro Emanuel do Bessa e, mais importante, Nuno Valente e Derlei de Leiria.

 

Não foram as únicas contratações mas foram as mais importantes. Com um recrutamento exclusivamente nacional (fora o empréstimo) e com uma margem de erro elevada – jogar no FC Porto traz sempre uma exigência maior -, ninguém sabia exatamente o que esperar desta equipa.

 

Ninguém excepto Mourinho. Paulo Ferreira e Nuno Valente tornaram-se laterais de eleição (e seleção), Jorge Costa recuperou o estatuto ao lado de um Ricardo Carvalho em crescimento, e Maniche e Derlei foram pedras essenciais do meio-campo para a frente, tanto a atacar como a defender.

 

Foi aqui que nasceu o Toque de Midas. De terceiro classificado em 2002, garantindo a presença na UEFA apenas na última jornada, o FC Porto tornou-se a equipa mais forte de Portugal, sem discussão, e num grande candidato à conquista da Taça UEFA.

 

Fê-lo com base num grande investimento? Não. Fê-lo porque Mourinho pegou num punhado de jogadores de 8 ou 80 e pô-los a dar 100%, de potencial pleno, do início ao fim. Foi bicampeão, venceu a Taça UEFA, a Liga dos Campeões, uma Taça de Portugal, uma Supertaça e seguiu para Londres com o estatuto de grande sensação europeia.

 

Padrão de sucesso manteve-se até Milão

Mourinho foi dominador em Stamford Bridge

A realidade do Chelsea era diferente da do Porto mas a ideia subjacente era a mesma: os blues queriam muito um campeonato que fugia desde a década de 50. A jogar por fora, e agora já com um investimento contundente, Mourinho foi fiel ao seu padrão de sucesso.

 

Com ele ao comando, os jogadores pareciam dar sempre mais do que valiam no mercado. Eram especiais, reagiam positivamente aos estímulos e davam à vida por ele se preciso. A ligação entre grupo e treinador era importante e nada parecia pôr isso em risco.

 

Mourinho apostava forte, não recuava e parecia ganhar sempre. A cada afirmação arrogante, o resultado seguinte confirmava que afinal podia ser apenas realista. A postura provocadora ganhou inimigos em Inglaterra mas o bicampeonato pelo Chelsea, apesar de falhar na Europa, serviu para aumentar a sua aura.

 

O início do fim no Chelsea deu-se com as contratações de Ballack e Shevchenko em 2006. Foram recebidas com estranheza. Não pelos montantes de investimento, mas porque não encaixavam na lógica de jogadores que precisavam de ser potenciados porque não estavam a ser devidamente aproveitados. O alemão e o ucraniano tinham uma carreira sonante, de resultados feitos, e não se deram bem com Mourinho.

 

Este foi o primeiro grande sinal: Mourinho tem um problema com jogadores conceituados. A forma como lida com eles é diferente da forma como lida com alguém que tem algo a perder. E a resposta que dão em campo também é radicalmente diferente, até porque estes não estão dispostos a ouvir da mesma forma.

 

No desafio seguinte, em Itália, voltou a assumir o comando de uma equipa que tinha um desafio claro de outsider: não a nível doméstico, onde os títulos pareciam ser uma condição normal, mas sim na Europa, onde a obsessão passava por recuperar a dimensão da década de 60, voltando a ganhar um título europeu.

 

Explorando jogadores como Milito, Eto’o, Zanetti e Sneijder, o Inter cumpriu a profecia na segunda temporada, abrindo caminho para José Mourinho largar Itália e rumar a Espanha para liderar o Real Madrid. Aqui, como em Milão, o objetivo era a glória europeia. Aqui, ao contrário de San Siro, não tinha um grupo de jogadores desejosos de encontrar um líder autoritário. E havia um super Barcelona.

 

Algo aconteceu pelo caminho

Mourinho com Casillas em Madrid

Não é fácil indicar exatamente onde é que o Toque de Midas de Mourinho ficou. Algures pelo caminho, o treinador português deixou de ser alguém capaz de potenciar jogadores e passou a ser alguém com dificuldade para tirar o máximo de cada um que tinha à disposição.

 

A passagem pelo Real Madrid pode ser vista como um fracasso. Sim, a equipa avançou até às meias-finais da Liga dos Campeões, algo que não acontecia há quase uma década, mas o objetivo não era ver a glória, mas sim alcançá-la. E a nível interno o título de 2012, por muito fantástico que tenha sido, não foi suficiente para inverter a tendência de subjugação ao Barcelona e aos ideais de Guardiola.

 

Os desafios seguintes no Chelsea e no Manchester United acentuaram esta tendência, apesar da Premier League e da Liga Europa no currículo. Em 2004, ao sair do FC Porto, ninguém acreditaria que Mourinho fosse capaz de, um dia, desperdiçar os talentos de De Bruyne e Salah, por exemplo. Ou ser incapaz de garantir um relacionamento saudável com Pogba para que o rendimento em campo fosse incomparavelmente maior.

 

Mourinho perdeu-se no meio dos seus demónios. Perdeu critério, ficou sem capacidade de entender um plantel e saber que um jogador com 20, 21, 22 anos em 2018 já não é igual ao que era em 2002. Hoje, Mourinho é uma sombra do que foi e o futuro é visto como uma grande incógnita, tanto para os que gostam dele como para os que nunca se renderam.

 

O futebol andou a uma velocidade muito mais alta do que Mourinho foi capaz de evoluir. A personalidade cativante do passado, onde cada declaração mais audaz era correspondida por um resultado do mesmo nível, foi substituída por um perfil amargurado com afirmações despropositadas, e tristes por já nunca definirem a realidade.

 

O próximo passo de Mourinho será difícil. O seu perfil de treinador está a perder adeptos um pouco por toda a Europa ao ponto de se pensar que mesmo para o Benfica não seria uma boa opção. Hoje, Mourinho é sinónimo de um treinador que exige milhões em reforços mas que depois é incapaz de os aproveitar.

 

Haverá quem continue a querer arriscar? Talvez, afinal a marca Mourinho ainda é sonante e capaz de convencer milionários que não esquecem o que o português já foi. Mas não haja dúvidas: Mourinho não é mais do que uma sombra triste do que foi no passado. E isso deixa-nos a todos nós, adeptos do futebol e da transformação que operou no início do século XXI, desiludidos.

10 de Janeiro, 2019

Futebol dos 90. O Farense de 1997/98

Rui Pedro Silva

Farense 1997/98

Falar do Farense na década de 90 é falar de Paco Fortes. O pequeno treinador espanhol, que tinha chegado a Portugal ainda como jogador, para representar a equipa algarvia em 1984, era um espetáculo dentro do próprio espetáculo. O seu carisma e garra, apesar da baixa estatura (1,68 metros), tornaram-se uma ideia indissociável dos jogos do Farense no São Luís.

 

Não havia transmissão televisiva, relato na rádio ou resumo em que não fosse referida a forma como Paco Fortes incentivava os seus jogadores, quase sempre com um bigode farto e esbracejando vivamente com um casaco feito à medida para quem sempre sonhou ser jogador de basquetebol mas demorou muito tempo até poder entrar em montanhas-russas.

 

Paco Fortes era a alma farense. Foi ele que levou a equipa à final da Taça de Portugal e que subiu a equipa ao primeiro escalão em 1990, que garantiu um apuramento europeu e que bateu o recorde de seis presenças consecutivas no primeiro escalão. Em 1997, o espanhol estava preparado para atacar a Liga Portuguesa pela oitava edição seguida.

 

O Verão garantiu o melhor reforço que os adeptos podiam desejar. Depois de duas temporadas na Luz, Hassan, o goleador marroquino que tantas saudades tinha deixado com um rasto de golos e destruição das defesas adversárias, voltava para reassumir o trono do reino dos Algarves.

 

As notícias não foram exclusivamente boas. Peter Rufai, o príncipe nigeriano, tinha dado o salto a meio da época anterior para o futebol espanhol (Hércules) e, pela primeira vez desde 1994, a época ia começar com outro guarda-redes titular. Numa lógica de rei morto, rei posto, a posição foi ganha por um imperador. Marco Aurélio, contratado ao Rio Ave, mostrou ser uma alternativa digna e lançou raízes sólidas de uma carreira que só iria acabar no Restelo em 2006/07, com Jorge Jesus.

 

As saídas significativas não se ficaram por aí: Raul Barbosa saiu para Felgueiras, Paiva para Guimarães, Tozé para Barcelos e o mítico Helcinho, um jogador que parecia combinar as características físicas de Rui Barros com as de Domínguez, foi para Espanha.

 

O reforço do plantel, sobretudo no meio-campo, foi uma prioridade e chegaram jogadores com experiência: Mauro Soares, ex-Belenenses e Sporting, foi recrutado no Brasil e Besirovic chegou de Espinho.

 

Início auspicioso não foi continuado

Hassan é sinónimo de Farense

O sorteio das primeiras jornadas não foi fácil para a equipa algarvia. Receber o Sporting a abrir, algo que já tinha acontecido em 1994, seria sempre uma tarefa difícil mas o Farense de Paco Fortes impôs-se e sacou um nulo. Para a história, ficou o primeiro onze daquela temporada: Marco Aurélio, Carlos Costa, Camilo, Paulo Sérgio, Pedro Miguel, Paixão, Mauro Soares, Besirovic, Hajry, Djukic e Hassan.

 

A expulsão do avançado marroquino, por duplo amarelo, foi a pior notícia possível mas nem assim os algarvios perderam o sentido da baliza na viagem até Braga para a segunda jornada. Paco Fortes repetiu as opções que podia e a alternativa a Hassan, o irreverente Bráulio, bisou com dois golos em cinco minutos no empate (2-2).

 

Quando a equipa de Paco Fortes somou dois triunfos nos dois jogos seguintes (3-0 no Restelo e 1-0 ao Desp. Chaves), a época estava a assumir contornos otimistas. À partida para a quinta jornada, o Farense era quarto classificado com oito pontos, a quatro do líder FC Porto e à frente de Sporting (7) e Benfica (4). Mas o êxito foi sol de pouca dura, mesmo no Algarve. Até à passagem de ano, os algarvios só voltaram a vencer um jogo (1-0 ao Varzim no São Luís com um golo de Hassan), num total de oito pontos. Pelo meio, o sorteio da Taça também não foi amigável e acabaram eliminados pelo Benfica na Luz (4-2).

Farense foi eliminado na Luz

A série negativa não foi suficiente para empurrar a equipa para os últimos lugares. Na primeira jornada de 1998, o Farense era 12.º com 16 pontos, enquanto os lugares de descida eram ocupados pelo Boavista (13), Belenenses (9) e Desp. Chaves (8).

 

O novo ano trouxe uma nova vida ao Farense. A derrota pesada em Setúbal a abrir (4-1) foi um percalço sem repetição numa série positiva que durou até ao início de março. Durante esse período, em nove jogos, os algarvios só voltaram a perder um jogo (em Alvalade com o Sporting, com Paulo Alves a fazer o decisivo 3-2 a três minutos do fim), somaram um total de 14 pontos e foram notícia ao travar o Benfica em casa: 1-1 num jogo “decidido” aos oito minutos depois de golos de Tahar (4’) e Marco Nuno (8’).

 

Sofrer para garantir a permanência

 

Faltavam dez jornadas para o final do campeonato e o futuro permanecia uma incógnita. Os algarvios tinham conseguido uma boa série de jogos sem derrotas mas o excesso de empates (12 em 24 jogos eram o máximo registado naquela época) não tinha ajudado a cavar um fosso suficiente para o último lugar de descida, ocupado então pela Académica, com 24 pontos. O Farense tinha 30.

 

O pior período do Farense vinha a caminho e na pior altura possível, uma vez que Hassan já estava lesionado desde a jornada 19 e só voltaria a jogar no penúltimo encontro. Nos sete jogos seguintes, registaram uma série de cinco derrotas consecutivas, num total de seis. Pelo meio, pontuaram apenas uma vez, na receção ao Leça (1-1).

 

Durante este período, Paco Fortes foi apostando num ataque mais móvel, alternando combinações que incluíam Ramos, Marco Nuno, Bráulio, Zezinho, Pintassilgo, Youssef e Djukic.

 

O calendário entrou em Maio, faltavam apenas três jogos, os dois primeiros lugares já tinham sido assegurados por FC Porto e Benfica e os lugares de descida estavam ao rubro. O Belenenses já tinha sido despromovido, mas Desp. Chaves (28), Varzim (29), Farense (31) e Académica (32) tinham uma margem reduzida para garantir a permanência.

 

Paco Fortes juntou esforços e, na antepenúltima jornada, guiou a equipa ao triunfo no São Luís sobre o V. Setúbal (2-0 com golos de Ramos e Mauro Soares). Os três pontos foram valiosos, sobretudo porque Varzim e Académica perderam. Com seis pontos em disputa, os algarvios pareciam ter mais margem para respirar.

 

As aparências iludiram. Na penúltima jornada, os algarvios podiam ter fechado as contas no jogo em Coimbra mas perderam com a Académica (1-0, João Tomás). O Varzim imitou o resultado e ficou automaticamente despromovido mas o Desp. Chaves surpreendeu e foi vencer a Setúbal por 2-1, graças a um bis de Míner. Conclusão: faltava descer uma equipa e havia cinco equipas separadas por três pontos – V. Setúbal e Campomaiorense (37), Académica (35), Farense e Desp. Chaves (34). Por agora, a vantagem no confronto direto sobre os flavienses fazia a diferença.

 

A última jornada foi vivida ao limite. Se o Farense ia receber um Rio Ave cómodo no meio da tabela e sem nada pelo que lutar, os outros dois maiores aflitos iam jogar entre si: Desp. Chaves-Académica em Trás-os-Montes.

 

Até ao apito final, tudo podia acontecer. Djukic marcou para o Farense antes do intervalo e o duelo do norte continuava sem golos. Mas, a qualquer momento, um golo do Rio Ave aliado a um do Desp. Chaves podia empurrar o Farense para a segunda divisão.

 

Não aconteceu. Os resultados não sofreram alterações, o Farense respirou de alívio e terminou no 14.º lugar com 37 pontos, à frente da Académica com 36 e do despromovido Desp. Chaves com 35.

 

Relatório e contas da temporada

Paco Fortes no seu estilo inconfundível

O balanço final acabou por ser positivo. Marco Aurélio foi o único totalista do plantel e o reforço Besirovic foi o jogador de campo mais utilizado por Paco Fortes. Contratado para fazer golos, Hassan não desiludiu e assumiu-se como o melhor marcador da equipa com nove.

 

A temporada de regresso de Hassan trouxe dois dados muito curiosos: marcou no terreno dos quatro campeões nacionais à altura (um no Restelo, um na Luz, dois nas Antas e um em Alvalade), e foi expulso no primeiro e último jogo que fez na temporada: no São Luís com o Sporting por acumulação de amarelos e em Coimbra com vermelho direto depois de entrar aos 74 minutos.

 

Ramos e Bráulio, cada um com sete golos, também foram decisivos. Velozes, os dois jogadores ajudaram a desequilibrar muito pelos flancos e assumiram-se como peças essenciais da estratégia de Paco Fortes.

 

Dois últimos destaques para Hajry e Djukic. O outro marroquino do plantel, que é um verdadeiro sinónimo do Farense na década de 90, foi uma peça nuclear da equipa, desequilibrando pela experiência e com três golos que garantiram três pontos. O sérvio, herói da última jornada, em época de despedida, fez apenas dois golos.