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É Desporto

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09 de Janeiro, 2019

Ryoyu Kobayashi. Largar o Porsche para fazer história

Rui Pedro Silva

Ryoyu Kobayashi

Tem 22 anos e não lhe falta nada. Num país como o Japão, que acarinha os seus melhores talentos e lhes dá todas as condições para fazer história, dinheiro é algo comum na vida de Ryoyu Kobayashi há muito tempo.

 

Aos 22 anos, a neve já faz parte desde os cinco, altura em que começou a esquiar. Pouco depois, muito influenciado pelo irmão mais velho, Junshiro, deu o salto… para os saltos de trampolim. O talento é inegável e o aparecimento dos patrocínios, bem como dos prémios por participações, fazem dele um atleta com recursos.

 

Esta foi a principal dificuldade do seu novo treinador, o finlandês Janne Vaatainen, com quem começou a trabalhar antes do início desta temporada. «Quando começou a perceber que tinha de fazer mais do que limitar-se a conduzir o seu Porsche, tornou-se bom. Tenho estado a pressioná-lo para treinar mais, mas até agora não gostou. Está a aproveitar a vida e, faça o que fizer, continua com aquele sorriso maroto na cara», disse.

 

Kobayashi é, por estes dias, um nome incontornável nos desportos de inverno. A dupla faz parte da comitiva japonesa, tal como o experiente Noriaki Kasai, que ano após ano tenta fazer frente à hegemonia europeia. Não é novidade para ninguém: a especialidade é exigente, não tem grande tradição e é dominada quase exclusivamente por atletas do Velho Continente.

 

O histórico do Torneio dos Quatro Trampolins é esclarecedor. Existe desde 1953, com quatro etapas por ano, e só em 15 provas não foi ganha por um europeu. Mas, mais importante do que isso, em todas essas 15 ocasiões o vencedor foi… japonês.

 

E no início havia Yukio Kasaya

Yukio Kasaya

Foi preciso esperar até 1971/72 para ver a primeira vitória de um japonês numa etapa do torneio. Yukio Kasaya não fez a coisa por menos e venceu as primeiras três da temporada. Com o título à mão de semear e a possibilidade de se tornar o primeiro atleta da história a fazer o grand slam… Kasaya voltou para o Japão e falhou a quarta ronda.

 

«Pode parecer rude dizer isto hoje, mas tinha mesmo de fazer parte dos eventos de qualificação no Japão para os Jogos Olímpicos», recordou esta semana. E percebe-se: Sapporo ia organizar a edição e a expectativa nipónica era enorme. Ser galardoado em casa era a maior honra possível e vencer o torneio tornou-se secundário.

 

O Japão só voltou a aparecer no mapa da década de 90, com um triunfo de Noriaki Kasai em 1992/93, mas o ponto alto chegou na temporada 1997/98, com Kazuyoshi Funaki. Já com dois triunfos em edições anteriores, ambas em Innsbrück, o nipónico entrou fulgurante na competição e imitou Kasaya, com triunfos nas três primeiras provas.

 

Tal como em 1972, havia uma edição dos Jogos Olímpicos de Inverno à espera no Japão (Nagano) mas desta vez Funaki teve a oportunidade de lutar pelo grand slam e conquistar o título. Falhou a primeira, assegurou a segunda, tornando-se o primeiro japonês na história a destronar a hegemonia europeia. Mais tarde, tal como Kasaya, garantiu o ouro olímpico.

 

A evolução de Ryoyu Kobayashi

Ryoyu Kobayashi

Janne Vaatainen pode não gostar da forma como Ryoyu Kobayashi olha para a vida atualmente mas é indesmentível que o trabalho que tem vindo a desenvolver já se nota em competição. O jovem de 22 anos começou a competir no circuito em 2015/16 mas até esta época não tinha ido além de um sexto lugar. Agora, em onze etapas, já venceu oito.

 

Mais importante do que isso, quatro foram no Torneio dos Quatro Trampolins. Isso mesmo: Ryoyu começou por imitar os feitos de Kasaya e Funaki mas foi mais além e completou o grand slam com o triunfo em Bischofshofen no domingo, tornando-se o terceiro atleta a consegui-lo, sucedendo a Kamil Stoch (2018) e Sven Hannawald (2002).

 

«Isto é ainda mais fantástico», expressou o compatriota Noriaki Kasai depois de efetivado o grand slam. «É um feito impressionante que um saltador japonês nunca tinha alcançado. É verdadeiramente fantástico.»

 

A concorrência admitiu que, perante o talento do japonês, seria apenas uma questão de tempo. «Sabíamos que mais tarde ou mais cedo ele ia concretizar todo o seu potencial», confessou o treinador alemão Werner Schuster. O segundo classificado do torneio, Markus Eisenbichler, conformou-se perante a sua impotência: «Ele é verdadeiramente bom, temos de admitir sem qualquer tipo de inveja».

 

A admiração é contagiante e estende-se aos japoneses que abriram a caixa de Pandora no século XX. «É como um segundo Funaki», contou Kasaya. «Acho que ele é mais forte mentalmente do que era. Não é sorte», acrescentou Funaki.

 

Agora, ao contrário dos antecessores, não há uma edição dos Jogos Olímpicos de inverno para vencer. Mas o caminho para continuar a fazer história está ao seu alcance. Com ou sem sorriso maroto, acelerando mais ou menos no seu Porsche, Kobayashi está a um triunfo de igualar Funaki como recordista de triunfos no Torneio dos Quatro Trampolins.

 

Talento tem, e a dedicação está a aumentar. É uma questão de tempo.

09 de Janeiro, 2019

O contributo multidimensional de Pepe no FC Porto

Rui Pedro Silva

Pepe voltou ao FC Porto

O mercado de janeiro acabou de reabrir mas dificilmente haverá uma transferência de inverno com maior impacto do que o regresso de Pepe ao FC Porto. O internacional português pode ter 35 anos – fará 36 no próximo mês – mas continua a mostrar que consegue competir ao mais alto nível e será um recurso muito valioso para Sérgio Conceição durante a segunda metade da temporada.

 

A oportunidade de reaver o central, onze anos e meio depois de ter saído com grande lucro para o Real Madrid, pode não ter parecido uma prioridade mas o contributo de Pepe será multidimensional e dificilmente haverá um «contra» na análise a esta contratação.

 

Hoje, Pepe está mais maduro, mais inteligente e muito mais experiente do que quando saiu. Está também mais calmo. Foi-se assumindo como uma pedra basilar da seleção portuguesa e regressa ao Dragão inconformado mas com o sentimento de dever cumprido.

 

Não há outra forma de ver as coisas: se Pepe decidisse acabar a carreira ao rescindir com o Besiktas, o balanço já teria sido fantástico. Euro-2016 com Portugal, dois campeonatos com o FC Porto, três com o Real Madrid e três Ligas dos Campeões são apenas os pontos mais brilhantes de uma carreira que tem mais títulos domésticos, europeus e mundiais para acrescentar.

 

Mas Pepe sente-se em condições e decidiu continuar a jogar. E escolheu o FC Porto. No Dragão, será uma opção de luxo para Sérgio Conceição. Caso esteja interessado, o técnico pode blindar a baliza de Casillas com um quarteto defensivo de luxo composto por Éder Militão, Pepe, Felipe e Alex Telles.

 

Este quarteto defensivo nascido no Brasil (algo que num grande só tinha acontecido no Benfica de Ronald Koeman com Alcides, Anderson, Luisão e Léo) ajuda a suprir as dificuldades que a equipa tem sentido no lado direito da defesa e aumenta a qualidade de um setor que arrancou a época com o jovem Diogo Leite a «desenrascar».

 

Muito mais do que uma opção em campo

Vítor Baía era a maior referência do plantel quando Pepe chegou

O contributo de Pepe está longe de se esgotar em campo. A sua entrada para o plantel é também um sinal de que a crise de identidade e de mística que o FC Porto sofreu, sobretudo durante o tetracampeonato conquistado pelo Benfica, está ultrapassada.

 

Neste momento, Herrera é o jogador com mais épocas consecutivas no plantel (desde 2013) e até ao ano passado não tinha conquistado um único título. Esta falta de liderança clara tinha-se acentuado com a saída de Helton em 2017 e só a contratação de Sérgio Conceição para o cargo de treinador ajudou a reequilibrar o panorama.

 

Os dados não deixam dúvidas. Helton era o jogador há mais tempo no plantel quando deu lugar a Herrera, e recebeu esse testemunho de Vìtor Baía, que por sua vez o tinha recebido de Aloísio, que o tinha recebido de João Pinto. Entre estes jogadores, a mística foi sendo sempre assegurada e transposta de geração em geração como forma de garantir que o «ser Porto» era uma realidade e não apenas um lugar-comum debitado por Nuno Espírito Santo em conferências de imprensa.

 

Pepe sabe o que é «ser Porto» e tem a experiência necessária para servir de elemento-chave no plantel. É um nome sonante como Iker Casillas com o bónus de já ter passado pelo clube, de ter conquistado seis títulos em três anos e de se ter estreado numa Supertaça Europeia.

 

Quando Pepe era um novato, em 2004/05, a época pode não ter sido favorável mas tinha referências claras no plantel: Vítor Baía, Jorge Costa e, se quisermos alargar um pouco mais o espectro, Costinha.

 

A liderança nunca esteve em causa. Agora também não está mas há novamente um nome capaz de lançar as sementes na nova fornada de jogadores que estão a evoluir no Dragão e que poderão assumir-se como referências no futuro.

 

Pepe pode ser uma opção de luxo para Sérgio Conceição mas não era um reforço indispensável. Pode ser um nome sonante para aumentar o prestígio e a projeção internacional do clube mas para isso também há Casillas. O certo é que ninguém como ele poderá vestir tão bem o papel de referência e transportador da mística do que é «ser Porto». Só isso já valerá o investimento.