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É Desporto

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08 de Janeiro, 2019

Lobanovskyi. O mentor do futebol total soviético

Rui Pedro Silva

Valeriy Lobanovskyi

«Quando se fala da evolução tática no futebol, a primeira coisa a ter em mente é a procura constante de novos rumos de ação que não permitam ao adversário adaptar-se ao nosso estilo de jogo. Se o adversário se ajustar e encontrar uma forma de contrariar, temos de encontrar uma nova estratégia.»

 

Valeriy Lobanovskyi foi muito mais do que um treinador de futebol. Foi um visionário, um estratega, um idealista que olhava para dentro de campo com uma noção de sintonia e com um claro entendimento de que a dinâmica coletiva seria suficiente para superar qualquer obstáculo individual.

 

O soviético, nascido na Ucrânia a 6 de janeiro de 1939, teve uma carreira modesta, mas positiva, enquanto jogador. No seu melhor período, ao serviço do Dínamo Kiev entre 1959 e 1964, conquistou um campeonato e uma Taça, e marcou um total de 42 golos em 147 encontros.

 

Mas foi quando passou para o lado de fora das quatro linhas, já depois de representar duas outras equipas ucranianas – Chornomorets de Odessa e Shakhtar de Donetsk – que começou a notabilizar-se verdadeiramente.

 

No primeiro desafio, ao leme do Dnipro Dnipropetrovsk, foi campeão do segundo escalão soviético. Depois, em 1973, chegou o convite do Dínamo e nada mais voltou a ser o que era.

 

Dínamo Kiev foi o laboratório perfeito

O revolucionário Dínamo Kiev de 1975

Lobanovskyi não precisou de fazer crescer o Dínamo. O clube de Kiev era uma das maiores potências soviéticas e antes da chegada do novo treinador já tinha conquistado cinco campeonatos (1961, 1966, 1967, 1968 e 1971).

 

O que o técnico fez foi ainda mais importante. Foi pegar numa equipa forte e torná-la demolidora. Foi pegar nos bons jogadores e fazer deles ainda melhores. Por muito boa que a ideia de jogo seja, de nada valerá se não houver quem a saiba interpretar em campo. Agora, homem, filosofia e plantel estavam numa sintonia total rumo à revolução do futebol.

 

O modernismo de Lobanovskyi impressionava. O treinador adaptou as necessidades do futebol de então às ideias que tinha e o resultado foi concludente. A imprevisibilidade aliada à diversidade de opções fizeram do Dínamo uma equipa sem antídoto.

 

«É preciso forçar o oponente a assumir a condição que lhe desejamos. Uma das coisas mais importantes é variar o tamanho da zona de jogo», dizia, realçando a importância de forçar o adversário a cometer um erro.

 

«Para atacar, é necessário retirar a bola ao adversário. Quando é que é mais fácil fazer isso: com cinco jogadores ou com toda a equipa? O mais importante no futebol é aquilo que um jogador está a fazer no campo quando não tem a bola», afirmou uma vez.

 

Obsessão pelo controlo

Valeriy Lobanovskyi

Valeriy Lobanovskyi era um nobre ditador. Sabia o quê, quando e onde pedir algo a um jogador. Sabia o que este lhe podia oferecer e não deixava de lhe exigir tal façanha enquanto este não correspondesse.

 

O plantel podia não ser vasto mas cada jogador estava obrigado a ter a capacidade de desempenhar mais do que uma função, não apenas entre encontros mas durante os jogos em si. Quando os jogadores correspondiam, a confiança era construída e criava-se uma relação de respeito.

 

Um bom exemplo disso foi quando Lobanovskyi, numa das vezes em que acumulou os cargos de treinador do Dínamo e de selecionador da União Soviética, decidiu escolher apenas jogadores do clube para o onze da seleção. A partida foi ganha mas a façanha não foi bem vista: o risco de correr mal e ser visto como uma provação ao comité central era demasiado grande e Lobanovskyi podia ser muita coisa, mas parvo não era uma delas.

 

A conquista de uma dimensão europeia foi o passo natural para um Dínamo que acumulou os campeonatos soviéticos de 1974, 1975, 1977, 1980 e 1981. Num espaço de onze anos, a equipa da Ucrânia conquistou duas Taças das Taças, subjugando facilmente as réplicas de Ferencvaros (3-0 em 1975) e Atlético Madrid (3-0 em 1986).

 

A União Soviética podia estar a caminhar para o seu fim mas as capacidades de recrutamento do Dínamo Kiev garantiam a Lobanovskyi uma capacidade de reciclagem e renovação de fundamentos que garantiam o perpetuar da hegemonia.

 

«Quando se fala da evolução tática no futebol, a primeira coisa a ter em mente é a procura constante de novos rumos de ação que não permitam ao adversário adaptar-se ao nosso estilo de jogo. Se o adversário se ajustar e encontrar uma forma de contrariar, temos de encontrar uma nova estratégia.» O lema era tão simples e estará sempre atualizado, independentemente da época.

 

Transposição de sucesso para a seleção

União Soviética de 1988

Ser dominador a nível interno não era suficiente para o treinador. A União Soviética vivia uma eterna guerra propagandística e a afirmação através do desporto sempre foi vista como uma arma fundamental. Nos Jogos Olímpicos, o sucesso tinha núcleos indesmentíveis mas no futebol as dificuldades eram maiores.

 

O ponto alto chegou em 1988, na final do Europeu que impôs um duelo de ideologias de futebol total contra a Holanda de Rinus Michels. O desmembramento estava ao virar da esquina e foi a derradeira oportunidade para o técnico conseguir fazer a diferença num grande campeonato. Perdeu 0-2 num jogo imortalizado pelo golo de Van Basten.

 

Dois anos antes, em 1986, o Mundial do México também começou de forma favorável mas a saída foi prematura, depois da memorável partida com a Bélgica nos oitavos-de-final (3-4 após prolongamento).

 

Em 1990, o Mundial foi uma desilusão e uma premonição do que estava para acontecer. Os jogadores não eram os mesmos, a capacidade para os controlar desaparecera e a abertura de novos mercados tinha deixado tudo mais complicado.

 

O regresso do rei

A última grande equipa de Lobanovskyi

Entre o Mundial-1990 e 1997, quando voltou a assumir o comando do Dínamo Kiev, Lobanovskyi fez carreira de forma discreta a receber milhões árabes, primeiro nos Emirados Árabes Unidos (1990-1993), depois no Kuwait (1994-1996).

 

O regresso a casa foi triunfal. Já sem União Soviética, o Dínamo Kiev assumia-se naturalmente como a maior força ucraniana mas, com Shevchenko, Rebrov e companhia, o objetivo passava cada vez mais por fazer a diferença na Europa.

 

Entre 1997 e 2002, o clube foi campeão nacional cinco vezes e o ponto alto chegou em 1998/99, quando o Dínamo atingiu as meias-finais da Liga dos Campeões, um ano depois da memorável goleada no Camp Nou ao Barcelona (4-0).

 

Foi o adeus perfeito a uma carreira – e a uma vida – memorável. Em maio de 2002, após um jogo, Lobanovskyi morreu depois de ter sofrido um enfarte. Para trás, ficou um legado impressionante que influenciou dezenas de jogadores e garantiu oito campeonatos soviéticos, cinco ucranianos, dois títulos europeus e uma final de um Europeu com a União Soviética, além de uma medalha de bronze nos Jogos Olímpicos de 1976.

 

Era especial.

08 de Janeiro, 2019

Nick Saban. O peso pesado voltou a ir ao tapete

Rui Pedro Silva

Nick Saban perdeu segunda final em três anos

O desporto universitário nos Estados Unidos é tão efémero que os treinadores chegam a ser mais importantes do que os jogadores e as próprias equipas. Seja no basquetebol ou no futebol americano, há nomes que surgem como autênticas instituições e imediatamente associados a uma aura de respeito e sucesso.

 

Nick Saban é o peso pesado do futebol americano. Desde que assumiu o comando dos Alabama Crimson Tide, em 2007, a equipa montou uma estrutura capaz e tem escrito episódio de sucesso atrás de episódio de sucesso num livro cheio de história.

 

Em pouco mais de uma década, Alabama chegou a sete finais. Nos últimos anos, o poderio tem sido indiscutível e a presença no jogo decisivo é quase um facto garantido. O problema é que, ao contrário do que aconteceu nas primeiras quatro presenças (2010, 2012, 2013 e 2016), os triunfos não são automáticos.

 

Em 2017, os Clemson Tigers vestiram a pele de carrasco e ganharam 35-31. Esta madrugada, a mesma equipa voltou a assumir-se como o grande rival de Alabama e somou mais um triunfo, desta feita por 44-16.

 

O resultado é histórico: é a pior derrota na era de Nick Saban como treinador em Alabama. A equipa só por uma vez esteve em vantagem no marcador (16-14 durante o segundo período), foi para o intervalo a perder (16-31) e não conseguiu somar qualquer ponto durante toda a segunda parte.

 

À felicidade de Clemson, Alabama respondeu com a desinspiração. No início do terceiro período, por exemplo, os Crimson Tide tentaram simular um field goal mas não surpreenderam o adversário. «Pensávamos que tínhamos a jogada muito bem ensaiada mas alguém não bloqueou um adversário, por isso não conseguimos. Foi uma má decisão, é sempre assim», lamentou Saban na conferência de imprensa após o final do encontro.

 

A derrota não afeta o legado de Nick Saban mas faz lembrar as derrotas dos Patriots contra os Giants na Super Bowl (2008 e 2012). Há uma diferença clara entre alguém que vence todas as finais em que participa e alguém que se limita a vencer apenas uma larga maioria. Para Saban e Alabama, a aura de hegemonia de rolo compressor parece perdida. E onde os Patriots descobriram os Giants e o treinador Tom Coughlin, Alabama está obrigada a cruzar-se com Clemson e o treinador Dabo Swinney.

 

A construção de um monstro competitivo

Nick Saban enquanto jogador

Os números de Nick Saban são impressionantes. O outrora elemento da linha defensiva de Kent State (1970 a 1972) tem um registo de 141 vitórias e apenas 21 derrotas em Alabama e antes de chegar à equipa já tinha conquistado um título com LSU, a equipa mais famosa do estado do Louisiana, que joga em Baton Rouge.

 

O facto inédito – é o único a ser treinador campeão por duas equipas diferentes – ajuda a perceber quão especial é. Mas o início foi mais um acaso do que qualquer outra coisa. Depois de tirar o mestrado em Administração Desportiva em Kent State, acabou por ser convidado pelo seu treinador para continuar como assistente.

 

Oportunidade atrás de oportunidade, Saban foi aproveitando e começando a construir currículo. Sempre como assistente, andou por Syracuse, West Virginia, Ohio State, Navy, Michigan State e Houston Oilers (NFL).

 

Foi nesta altura que deu pela primeira vez o salto para treinador principal, agarrando a oportunidade dada pela Universidade de Toledo, no Ohio. O regresso à NFL, para coordenador defensivo dos Cleveland Browns de uma equipa orientada por… Bill Belichick (atual treinador dos New England Patriots), durou de 1991 a 1994 e depois deste período, muito mau na opinião do próprio, andou por Michigan State, LSU e Miami Dolphins. A experiência como treinador na NFL foi medíocre, com 15 vitórias e 17 derrotas em duas temporadas e decidiu focar-se exclusivamente no futebol americano universitário quando chegou ao Alabama.

 

Hoje, 46 anos depois de ter aceitado o convite de Kent State, Nick Saban é um dinossauro que impõe respeito. Tem 232 vitórias, 63 derrotas e um empate enquanto treinador na NCAA e além dos seis títulos nacionais já conquistou oito vezes a divisão SEC, uma das mais importantes do futebol americano.

 

Os prémios individuais também se amontam ano após ano. Já foi duas vezes o treinador da temporada a nível nacional e quatro vezes da divisão SEC. Aos 67 anos, Saban não mostra sinais de abrandar e, mesmo que quisesse, a estrutura que ajudou a montar é uma locomotiva que não travará tão cedo.

 

Nick Saban está a meio de um contrato de oito anos com Alabama, válido até 31 de janeiro de 2025, que inclui um pagamento total de 65 milhões de dólares, além de um bónus de assinatura de quatro milhões e a possibilidade de ganhar até mais 700 mil dólares por ano de acordo com os resultados alcançados. Ou seja, Saban até pode ir ao tapete mas tão cedo não vai deixar de se levantar.

08 de Janeiro, 2019

Keizerball. A desconfiança é inimiga da estratégia

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Marcel Keizer

Escreveu o Luís Cristóvão no Twitter, pouco depois de o Sporting perder no terreno do Tondela: «Lá longe, no país dos resultadistas, ouve-se o indisfarçável som do afiar de facas. Enquanto isso, no país da posse, choram-se rios de lágrimas por uns últimos minutos de procura de solução pelo ar. Nem mais, voltamos a viver uma noite de corações partidos».

 

O comentário é pertinente e reflete na perfeição as duas ideias-chave que saíram de Tondela na noite de segunda-feira. Por um lado, os que têm feito a cama ao futebol atrativo de Keizer, clamando por dificuldades e incapacidade de ler o futebol português, ganharam espaço para exaltar que sempre tiveram razão e que um estrangeiro não pode chegar cá e limitar-se simplesmente a impor um estilo positivo, com uma ideia baseada na posse, dinâmica e procura constante pelo golo. Por outro, quem o tem defendido destes ataques não pode ter deixado de sentir alguma desilusão ao ver que equipa e treinador fugiram à identidade que têm tentado construir quando André Pinto entrou para o lugar de Nani e os leões começaram a bombear bolas para a área.

 

O que fazemos dentro de campo depende muito da nossa confiança. Não é surpresa para ninguém que as ações de alguém confiante têm uma percentagem de sucesso muito maior. Seja na receção, no passe, no remate ou mesmo na dinâmica coletiva e na tomada de decisão, é muito mais confortável arriscar quando a confiança é máxima.

 

Há três momentos-chave capazes de colocar a confiança em risco: uma série de maus resultados, a reação a um golo sofrido e uma posição de desvantagem com o jogo a aproximar-se do fim. Na era Keizer em Alvalade, a primeira não chegou a ser problema. Tiago Fernandes tinha feito um trabalho satisfatório e o calendário permitiu ao holandês entrar com facilidade, somando goleadas na Taça e na UEFA. A reação a golos sofridos também não foi um problema. Nos primeiros três jogos, o Sporting sofreu o empate após entrar em vantagem e em todos estes jogos acabou por garantir triunfos confortáveis.

 

Depois, mais tarde, com Aves (0-1) e Nacional (0-2) em Alvalade, a equipa conseguiu dar a volta a situações de desvantagem. Porquê? Porque já havia uma identidade de confiança na capacidade de marcar. O próprio treinador tinha vindo a referir que preferia ganhar 4-3 do que 1-0. Se o adversário marca um, nós marcamos dois. Se marca dois, nós marcamos três. É esta a filosofia que retira peso ao golo sofrido, em contrabalanço com o modelo resultadista da vitória por margem mínima sem sofrer golos, onde uma ligeira alteração ao plano torna tudo mais complicado.

Sporting perdeu pela segunda vez em três jornadas

Em Tondela, como já tinha acontecido em Guimarães, o Sporting passou pelo terceiro momento-chave: entrar nos últimos minutos a perder. Mas, ao contrário do que aconteceu no Minho, surgiu numa posição mais delicada. Primeiro, porque a desvantagem avolumou-se na reta final da partida; depois, porque o leque de opções nunca foi tão curto. Com Bas Dost e Jovane de fora, os leões jogaram com um ataque com Diaby, Nani e Raphinha e um banco de suplentes que tinha apenas uma opção que  podia permitir revolucionar o ataque: Montero.

 

A estratégia de Keizer - e a forma de encarar o jogo - não mudou mas, perante a adversidade, a confiança desapareceu. A equipa deixou de acreditar que seria capaz de chegar ao golo confortavelmente, como tem acontecido em jogos anteriores, deixou de ter alternativas credíveis para tentar abanar o Tondela e perdeu a capacidade de chegar ao desequilíbrio através da filosofia que o holandês tem tentado impor.

 

E cedeu. Cederam os jogadores e cedeu o treinador, ao recuperar um truque que outro treinador vindo da Holanda para Portugal - Bobby Robson - tentou na década de 90: fazer entrar um central para a frente de ataque. Só mudou o Pinto: de João Manuel para André. 

 

A desconfiança foi inimiga da estratégia. Ao deixar de acreditar que seria possível alcançar o objetivo sendo fiel aos princípios, a equipa cedeu à ideia irracional de que a melhor forma de marcar é levar a bola para a área da forma mais rápida possível. Fosse com André Pinto, ou mais tarde com Coates e Mathieu, o Sporting usou e abusou do jogo direto para a área, perdendo a capacidade de raciocínio e promoção do desequilíbrio, sobretudo numa fase que jogava em superioridade numérica.

 

O percalço tem consequências diretas no futuro da equipa. Ficar a oito pontos do FC Porto, uma semana antes de receber os dragões, deixa a equipa num fosso que poderá ser inultrapassável. Além disso, a desconfiança exibida, independentemente de haver atenuantes como a falta de opções (o que deve ser visto também como um alerta para a direção e para o ataque ao mercado de janeiro), abalou a identidade que vinha a ser construída.

 

Essa é mesmo a maior conclusão a tirar do jogo do Tondela. O mês e meio de Keizer ao leme do Sporting não foi suficiente para impor a identidade e o modelo de jogo que preconiza. Ou, também é uma hipótese, não deixa de ser igual a outros que, quando o obstáculo aparece, cede ao facilitismo e está disposto a trair a sua ideia.

 

Na próxima semana, com o FC Porto, estas ideias voltarão a estar em xeque. O que fará Keizer? Uma certeza é indesmentível: o legado do holandês só será verdadeiramente admirável quando, irracionalmente, os jogadores já procurem obedecer às ideias-chave do modelo de Keizer quando o cenário for desfavorável.