Lobanovskyi. O mentor do futebol total soviético
«Quando se fala da evolução tática no futebol, a primeira coisa a ter em mente é a procura constante de novos rumos de ação que não permitam ao adversário adaptar-se ao nosso estilo de jogo. Se o adversário se ajustar e encontrar uma forma de contrariar, temos de encontrar uma nova estratégia.»
Valeriy Lobanovskyi foi muito mais do que um treinador de futebol. Foi um visionário, um estratega, um idealista que olhava para dentro de campo com uma noção de sintonia e com um claro entendimento de que a dinâmica coletiva seria suficiente para superar qualquer obstáculo individual.
O soviético, nascido na Ucrânia a 6 de janeiro de 1939, teve uma carreira modesta, mas positiva, enquanto jogador. No seu melhor período, ao serviço do Dínamo Kiev entre 1959 e 1964, conquistou um campeonato e uma Taça, e marcou um total de 42 golos em 147 encontros.
Mas foi quando passou para o lado de fora das quatro linhas, já depois de representar duas outras equipas ucranianas – Chornomorets de Odessa e Shakhtar de Donetsk – que começou a notabilizar-se verdadeiramente.
No primeiro desafio, ao leme do Dnipro Dnipropetrovsk, foi campeão do segundo escalão soviético. Depois, em 1973, chegou o convite do Dínamo e nada mais voltou a ser o que era.
Dínamo Kiev foi o laboratório perfeito
Lobanovskyi não precisou de fazer crescer o Dínamo. O clube de Kiev era uma das maiores potências soviéticas e antes da chegada do novo treinador já tinha conquistado cinco campeonatos (1961, 1966, 1967, 1968 e 1971).
O que o técnico fez foi ainda mais importante. Foi pegar numa equipa forte e torná-la demolidora. Foi pegar nos bons jogadores e fazer deles ainda melhores. Por muito boa que a ideia de jogo seja, de nada valerá se não houver quem a saiba interpretar em campo. Agora, homem, filosofia e plantel estavam numa sintonia total rumo à revolução do futebol.
O modernismo de Lobanovskyi impressionava. O treinador adaptou as necessidades do futebol de então às ideias que tinha e o resultado foi concludente. A imprevisibilidade aliada à diversidade de opções fizeram do Dínamo uma equipa sem antídoto.
«É preciso forçar o oponente a assumir a condição que lhe desejamos. Uma das coisas mais importantes é variar o tamanho da zona de jogo», dizia, realçando a importância de forçar o adversário a cometer um erro.
«Para atacar, é necessário retirar a bola ao adversário. Quando é que é mais fácil fazer isso: com cinco jogadores ou com toda a equipa? O mais importante no futebol é aquilo que um jogador está a fazer no campo quando não tem a bola», afirmou uma vez.
Obsessão pelo controlo
Valeriy Lobanovskyi era um nobre ditador. Sabia o quê, quando e onde pedir algo a um jogador. Sabia o que este lhe podia oferecer e não deixava de lhe exigir tal façanha enquanto este não correspondesse.
O plantel podia não ser vasto mas cada jogador estava obrigado a ter a capacidade de desempenhar mais do que uma função, não apenas entre encontros mas durante os jogos em si. Quando os jogadores correspondiam, a confiança era construída e criava-se uma relação de respeito.
Um bom exemplo disso foi quando Lobanovskyi, numa das vezes em que acumulou os cargos de treinador do Dínamo e de selecionador da União Soviética, decidiu escolher apenas jogadores do clube para o onze da seleção. A partida foi ganha mas a façanha não foi bem vista: o risco de correr mal e ser visto como uma provação ao comité central era demasiado grande e Lobanovskyi podia ser muita coisa, mas parvo não era uma delas.
A conquista de uma dimensão europeia foi o passo natural para um Dínamo que acumulou os campeonatos soviéticos de 1974, 1975, 1977, 1980 e 1981. Num espaço de onze anos, a equipa da Ucrânia conquistou duas Taças das Taças, subjugando facilmente as réplicas de Ferencvaros (3-0 em 1975) e Atlético Madrid (3-0 em 1986).
A União Soviética podia estar a caminhar para o seu fim mas as capacidades de recrutamento do Dínamo Kiev garantiam a Lobanovskyi uma capacidade de reciclagem e renovação de fundamentos que garantiam o perpetuar da hegemonia.
«Quando se fala da evolução tática no futebol, a primeira coisa a ter em mente é a procura constante de novos rumos de ação que não permitam ao adversário adaptar-se ao nosso estilo de jogo. Se o adversário se ajustar e encontrar uma forma de contrariar, temos de encontrar uma nova estratégia.» O lema era tão simples e estará sempre atualizado, independentemente da época.
Transposição de sucesso para a seleção
Ser dominador a nível interno não era suficiente para o treinador. A União Soviética vivia uma eterna guerra propagandística e a afirmação através do desporto sempre foi vista como uma arma fundamental. Nos Jogos Olímpicos, o sucesso tinha núcleos indesmentíveis mas no futebol as dificuldades eram maiores.
O ponto alto chegou em 1988, na final do Europeu que impôs um duelo de ideologias de futebol total contra a Holanda de Rinus Michels. O desmembramento estava ao virar da esquina e foi a derradeira oportunidade para o técnico conseguir fazer a diferença num grande campeonato. Perdeu 0-2 num jogo imortalizado pelo golo de Van Basten.
Dois anos antes, em 1986, o Mundial do México também começou de forma favorável mas a saída foi prematura, depois da memorável partida com a Bélgica nos oitavos-de-final (3-4 após prolongamento).
Em 1990, o Mundial foi uma desilusão e uma premonição do que estava para acontecer. Os jogadores não eram os mesmos, a capacidade para os controlar desaparecera e a abertura de novos mercados tinha deixado tudo mais complicado.
O regresso do rei
Entre o Mundial-1990 e 1997, quando voltou a assumir o comando do Dínamo Kiev, Lobanovskyi fez carreira de forma discreta a receber milhões árabes, primeiro nos Emirados Árabes Unidos (1990-1993), depois no Kuwait (1994-1996).
O regresso a casa foi triunfal. Já sem União Soviética, o Dínamo Kiev assumia-se naturalmente como a maior força ucraniana mas, com Shevchenko, Rebrov e companhia, o objetivo passava cada vez mais por fazer a diferença na Europa.
Entre 1997 e 2002, o clube foi campeão nacional cinco vezes e o ponto alto chegou em 1998/99, quando o Dínamo atingiu as meias-finais da Liga dos Campeões, um ano depois da memorável goleada no Camp Nou ao Barcelona (4-0).
Foi o adeus perfeito a uma carreira – e a uma vida – memorável. Em maio de 2002, após um jogo, Lobanovskyi morreu depois de ter sofrido um enfarte. Para trás, ficou um legado impressionante que influenciou dezenas de jogadores e garantiu oito campeonatos soviéticos, cinco ucranianos, dois títulos europeus e uma final de um Europeu com a União Soviética, além de uma medalha de bronze nos Jogos Olímpicos de 1976.
Era especial.