Ver um jogo dos Celtics com direito a um brinde especial
Comprámos os voos para a última viagem que fizemos a Boston na noite de 28 de agosto depois de menos de dez minutos de debate. A partir do momento em que vimos os preços dos bilhetes para o fim-de-semana alargado de 1 a 4 de novembro, não hesitámos e seguimos em frente.
(publicado originalmente no atlas de bolso)
Não houve hesitações. Sabíamos ao que íamos e não tínhamos dúvidas mas houve um impulso que nos fez ter ainda mais a certeza que queríamos mesmo ir naquelas datas: logo no dia 1, poucas horas depois de chegarmos, havia um jogo entre os Celtics e os Milwaukee Bucks, do fenómeno Giannis Antetokounmpo. Não precisávamos de desculpa mas ter um cartaz destes à nossa espera só nos fez avançar com mais confiança – mesmo que a Sarah continue a não achar grande piada ao basquetebol.
O jogo estava marcado para as oito da noite e o nosso voo, salvo grande atraso, aterrava no Logan entre as duas e as três. Numa outra cidade, a proximidade das horas poderia vir a ser um problema, mas Boston é mais amigável neste aspeto. Sim, demoramos sempre algum tempo a passar no controlo, mas chegar a casa demorou apenas alguns minutos.
Olhámos para o relógio, fizemos contas ao tempo que precisávamos e iniciámos a nossa romaria na direção do TD Garden. Parafraseando Rui Veloso, tínhamos praticamente todo o tempo do mundo. Ao sair de casa, em vez de apanharmos diretamente o metro, preferimos ir a um parque junto à baía para ver Boston de uma perspetiva que ainda não conhecíamos, e só depois fomos em direção ao pavilhão.
O TD Garden é um dos pavilhões da NBA que abre as portas mais em cima da hora do jogo: apenas 60 minutos antes. Deu tempo para tirar algumas fotos no exterior e ir para a estação de comboios – que fica no andar de baixo do pavilhão – comer alguma coisa enquanto víamos o tempo a passar. Pelo meio, aproveitámos também para ir à loja da equipa, onde estava Jackie MacMullan. Para quem não sabe, é uma jornalista muito conceituada que trabalha no meio há décadas e já recebeu uma distinção da Hall of Fame do basquetebol. Estava lá a autografar o seu último livro, que eu até tinha comprado… em Miami, umas semanas antes, e deixado em Portugal. Má sorte.
Experiência especial… de todas as vezes
Fomos dos primeiros a entrar no pavilhão. Havia apenas algumas dezenas de pessoas e, em vez de irmos logo para os nossos lugares (praticamente no topo, como sempre, porque são os mais baratos e porque não faz assim taaaaanta diferença no momento de ver o jogo), decidimos optar pela «estratégia-Saints». Em Nova Orleães, antes do jogo da NFL, ainda não tínhamos comido naquele dia e decidimos ver todas as ofertas disponíveis.
Foi o que fizemos no TD Garden. Não necessariamente para comer, mas para saber que hipóteses teríamos quando o apetite chegasse. A oferta não foge muito ao habitual num evento desportivo nos Estados Unidos: há cachorros, hambúrgueres, cerveja, muitas bebidas com gás, pipocas. Além disso, há sempre espaço para as pequenas salas com artigos desportivos da equipa.
Quando entrámos no nosso setor, ficámos uma vez mais boquiabertos com a história que aquele pavilhão representa. Inaugurado na década de 90, só viu ainda um título dos Celtics (2008) e um dos Bruins (2011) mas o teto transporta-nos para uma história ainda maior. É lá que estão os cartazes comemorativos de cada um dos 17 títulos da equipa de basquetebol, dos seis da equipa de hóquei no gelo, e dos inúmeros números que cada equipa já retirou em homenagem aos seus melhores jogadores. Olhando para ali, fica difícil achar que ainda há espaço para o próximo.
Os minutos que se antecedem à bola ao ar são sempre interessantes. As bancadas começam a encher-se de gente: familiares, amigos ou praticamente desconhecidos que têm nos Celtics um denominador comum. Foi o que aconteceu na fila imediatamente à frente da nossa com um grupo de sete ou oito homens com aspeto universitário. Da conversa inicial de ocasião, passaram a falar como se fossem amigos de longa data e, curiosamente, havia dois que condiziam com camisolas de Larry Bird, o histórico jogador de basquetebol. Havia uma diferença: um tinha-a com as cores dos Celtics, o outro tinha trazido a camisola dos tempos da universidade (Indiana State).
O espanto com um fenómeno grego
Boston é uma cidade com uma grande comunidade grega mas, ao contrário do esperado, nem se viram muitos a acompanhar a exibição de Giannis Antetokounmpo, o grego de origem nigeriana dos Bucks que está a tomar a NBA de assalto.
Por outro lado, não é preciso ser grego para admirar o que consegue fazer em campo e como parece diminuir qualquer rival que lhe faça frente. Ver Giannis jogar ao vivo consegue ser uma experiência tão sublime como apreciar Kobe Bryant, Tom Brady ou LeBron James. A sensação de sabermos que estamos a ver alguma coisa especial é única e fazemos o possível para guardar aquele momento… mesmo que estejamos claramente a torcer pelos Celtics.
O jogo foi histórico. Os Celtics venceram – apesar da reação de Milwaukee na parte final, depois de terem entrado para o último período a vencer por 15 – e fixaram um novo recorde de equipa: 24 triplos conseguidos. Do lado dos Bucks, Giannis Antetokoumpo, que até era para não jogar depois de ter sofrido uma pancada na cabeça no início da semana, marcou 33 pontos e mostrou tudo o que é capaz de fazer.
O entretenimento fora do jogo
Uma partida pode ter descontos de tempo e intervalos mas o espetáculo não. Não há liga no mundo tão profissionalizada na altura de ocupar os tempos mortos e os Celtics são fiéis a um conjunto de ações que repetem religiosamente. É claro que há os mais óbvios, como as danças das cheerleaders e os afundanços de um grupo que envolve a mascote da equipa (Lucky), mas depois, a cada jogo, é também homenageado um “herói” entre a população.
A iniciativa chama-se “Heroes among us” e pretende distinguir ações de pessoas desconhecidas que tenham feito a diferença na comunidade. Naquela noite, destacou-se uma criança que tinha estado internada na ala oncológica de um hospital pediátrico e que se tinha apercebido da falta de brinquedos. Depois de ter alta, decidiu doar uma boa parte dos seus para que as outras crianças tivessem com que brincar.
O ponto forte daquele dia foi, ainda assim, quando o treinador e alguns jogadores dos Boston Red Sox apareceram surpreendentemente para mostrar o título de campeões de basebol que tinham conquistado quatro noites antes. Para nós, não podia ter sido melhor. Depois de termos comprado a viagem, começámos a fazer contas à possibilidade de a festa de um eventual título poder ser celebrado connosco na cidade, mas os Red Sox trocaram-nos as contas e conquistaram a World Series cedo demais.
A verdadeira festa, com milhares de pessoas nas ruas, foi na terça-feira e nós só chegámos na quinta. Mas vê-los ali, juntamente com mais 20 mil pessoas nas bancadas, a festejar cada momento em que um jogador diferente erguia o troféu foi uma excelente consolação, sobretudo quando ainda não tínhamos recuperado a 100% do drama que tinha sido passar uma madrugada inteira a ver um jogo que demorou sete horas e vinte minutos e só acabou às oito e vinte da manhã… com uma derrota!
No final, tudo correu de forma perfeita. Os Red Sox foram campeões, foram ao pavilhão mostrar o troféu connosco lá dentro e os Celtics ganharam. Não havia melhor maneira de começar esta viagem a Boston.