O «palhaço» que levou a Polónia ao Mundial-1974
A equipa que chegou ao terceiro lugar da fase final na Alemanha será sempre lembrada por causa dos sete golos de Grzegorz Lato. Mas antes da glória, quando ainda não havia grande esperança, houve um homem, apelidado de palhaço por Brian Clough, que fez a diferença. Era guarda-redes, chamava-se Jan Tomaszewski e brilhou em Wembley.
O cenário não era favorável para a Polónia. A seleção de Kazimierz Gorski foi para o último jogo do grupo de qualificação para o Mundial-1974 no primeiro lugar, com um ponto de vantagem sobre a Inglaterra, mas estava obrigada a pontuar para garantir uma vaga na fase final.
Em Chorzow, na Polónia, uma exibição mais agressiva tinha valido um triunfo por 2-0 mas em Wembley o favoritismo dos ingleses era esmagador. Mais do que vencer, havia a dúvida sobre a diferença de golos, tal era a teórica superioridade de uma seleção que um mês antes havia goleado a Áustria (7-0) num particular.
«Quando estávamos a ouvir os hinos, em frente à bancada real, só pensava que não queria ser a próxima Áustria», recordou Jan Tomaszewski em declarações ao Guardian. «Medo? Eu não tinha medo, estava petrificado», continuou.
O ambiente era brutal – os ingleses ainda não tinham esquecido a agressividade do jogo da Polónia e brindaram os polacos com cânticos de «animais! animais!» assim que estes apareceram no relvado. Aquele 17 de outubro de 1973 tinha tudo para ser apenas mais um dia de superioridade inglesa, mas as palavras de Kazimierz Gorski ajudaram a marcar o tom.
«Podem jogar futebol durante vinte anos e fazer 1000 jogos pela seleção que ninguém se vai lembrar de vocês. Mas esta noite, neste jogo, têm uma oportunidade de escrever os vossos nomes nos livros de história», disse.
A motivação serviu de alguma coisa. Mesmo assim, logo no início do jogo, Tomaszewski cometeu um erro que poderia ter sido fundamental no resultado. Depois de segurar uma bola, não se apercebeu da proximidade de um avançado e largou-a no relvado para iniciar a jogada. Ao ver Clarke a correr para a bola, disputou o lance e acabou por partir um dedo.
«Ainda bem que levaste um pontapé, porque assim acordaste», disse-lhe um colega de equipa depois.
De palhaço do circo a marioneta
Jan Tomaszewski não tinha o mesmo estatuto de Lato mas tornou-se um dos jogadores mais famosos da Polónia ainda antes daquele jogo. Momentos antes do apito inicial, na transmissão televisiva, o castiço Brian Clough tinha apelidado o guarda-redes polaco de «palhaço do circo com luvas».
A vingança surgiu em campo. Apesar do erro inicial, o polaco partiu para uma exibição do outro mundo (vídeo do YouTube) que levou um jornalista do Guardian a escrever, logo na altura, que Tomaszewski parecia uma marioneta dentro da área com braços e joelhos a saírem por todos os lados.
«Toda a gente tinha medo daquele jogo. Mas é como quando temos um incêndio em casa e vamos encontrar forças onde não sabíamos que existiam. Foi o aconteceu ali, foi isso que nos deu força», explicou o guarda-redes ao Telegraph, quarenta anos depois.
A Polónia aumentou o choque dos 90587 espetadores quando se adiantou no marcador aos 57 minutos por Domarski e a Inglaterra só conseguiu mesmo bater Tomaszewski de penálti, seis minutos depois. O que se seguiu até ao apito final, naquela meia hora, foi uma exibição memorável.
«Às vezes, sinto que ainda consigo acordar a meio da noite e lembrar-me de cada minuto daquele jogo», disse o polaco. «Mostrámos que tudo é possível no futebol. Fomos para Wembley como patinhos-feios e regressámos como cisnes lindos.»
«No futebol há milagres e aquilo que se passou em Wembley foi incrível», disse, analisando um jogo em que a Inglaterra teve 36 remates (contra dois da Polónia), 26 cantos, duas bolas nos ferros e quatro bolas cortadas em cima da linha.
O empate garantiu a presença no Mundial e a motivação prolongou-se para a fase final, com os polacos, alicerçados nos sete golos de Lato, a atingirem o terceiro lugar. Tomaszwewski tinha 26 anos, foi considerado o melhor guarda-redes da prova e tornou-se o primeiro de sempre a defender dois penáltis na mesma edição (vs. Staffan Tapper da Suécia e Uli Hoeness da RFA).
O palhaço foi o último a rir.