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É Desporto

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09 de Novembro, 2018

Dérbi de Sheffield. O Massacre do Boxing Day de 1979

Rui Pedro Silva

Os festejos do Sheffield Wednesday

Não foi um jogo qualquer. Wednesday e United não se defrontavam desde 1971 e a expectativa para o 100.º dérbi entre as duas equipas era tão grande que havia 500 polícias destacados para manter a ordem. O jogo podia ser da terceira divisão mas estiveram quase 50 mil espetadores na bancada de Hillsborough a assistir à goleada do Wednesday (4-0), a maior de sempre a seu favor na história do Steel City Derby.

 

Sheffield estava a viver os últimos dias da década de 70 e a população da área urbana continuava a decrescer, dos 657 mil habitantes de 1970 para os 643 mil de 1980. Mas o ambiente para o dérbi de Sheffield não deixava margem para dúvidas: a cidade ia parar para acompanhar o primeiro jogo entre as duas equipas desde 1971.

 

Não era mesmo um jogo qualquer. Além de não se defrontarem há mais de oito anos, a perspetiva de ser o centésimo encontro entre os dois clubes tornava tudo ainda mais importante e valioso. O jogo até foi marcado para o final da manhã para evitar que grande parte dos adeptos chegasse ao pontapé de saída com os níveis de álcool no sangue acima do desejado.

 

Havia uma ideia peregrina de tentar mostrar aos adeptos que a relação entre os dois clubes era saudável e organizou-se tudo para que as duas equipas entrassem em campo lado a lado, mesmo que, conta Terry Curran (uma das figuras do Sheffield Wednesday), as conversas durante a semana apontassem no sentido contrário.

 

«Não podíamos perder aquele jogo. Nem por sombras. Havia muitos adeptos do Wednesday na equipa, eu incluído, e esse foi o tema durante a semana. Depois de treinar, costumávamos ir para um café perto do estádio para falar sobre o que íamos fazer a cada jogador do United», explicou recentemente numa entrevista.

 

Hillsborough encheu para o jogo

O treinador do Sheffield Wednesday, Jack Charlton, também não dava abébias, garantiu Curran. «Foi mais do mesmo. Olhou para mim e disse-me que, na primeira vez que pudesse, devia provocar o rapaz que jogava na frente, o Mick Pickering. Depois virou-se para o Mark Smith e disse que a seguir devia ser ele a fazer o mesmo.»

 

«Era assim que funcionava. Preparávamo-nos para antagonizar os adversários para que eles reagissem e fossem expulsos. O Jack não tinha rodeios com isso. Dizia-nos para fazermos algo a um jogador e depois garantia que não tínhamos de nos preocupar em sermos expulsos. Dizia-nos que estava obrigado a dizer à imprensa que íamos ser multados, mas que depois não aconteceria nada disso», continuou.

 

A predisposição no balneário do Sheffield United era exatamente igual por isso houve faísca assim que os jogadores das duas equipas se viram no túnel de acesso ao relvado. «O McPhail olhou para mim e disse-me que me ia partir a perna logo no primeiro minuto», lembrou Curran. «O John Lowey ouviu aquilo e quase começou uma cena da pancadaria, dizendo-lhe que primeiro teria de passar por cima dele.»

 

Favoritismo não interessou para nada

 

O United ocupava a primeira posição do campeonato e era favorito ao triunfo no dérbi. O Wednesday estava no quarto lugar, a seis pontos do rival, e com apenas dois triunfos em sete jornadas. Mas dentro de campo, o futebol foi outro. Num jogo decidido pela capacidade de aproveitar as oportunidades, Terry Curran brilhou com um golo, uma assistência e uma grande penalidade sofrida que viria a dar o 4-0.

 

«Quando marquei, estava junto da bancada dos adeptos do United e não resisti a festejar a escorregar de joelhos para a frente deles. Fui brindado com moedas. Centenas delas. Recebia 300 libras por semana e juro que teria ganhado mais se as tivesse apanhado uma a uma», brincou. Depois, quando o jogo terminou, não resistiu a provocar McPhail. «Pensei que me ias partir a perna, afinal nem sequer te aproximaste de mim», disse-lhe.

O golo de Curran

O resultado foi a maior goleada na história dos dérbis para o Sheffield Wednesday, que vingou o 3-7 sofrido a 8 de setembro de 1951. Terry Curran, promovido a vilão do United, era um homem realizado: «É um espetáculo ganhar 4-0 perante quase 50 mil espetadores. Foi um bom jogo e um grande dia para a cidade. Só me sinto um pouco desiludido pelo United», disse logo na altura.

 

Os treinadores foram mais modestos na avaliação. Jack Charlton admitiu que o Wednesday tinha tido alguma sorte na finalização: «O resultado é simpático para nós mas fizemos o nosso trabalho e soubemos aproveitar as nossas oportunidades». Do outro lado, Harry Haslam lamentou que Mick Speight tivesse saído lesionado aos 54 minutos. «Prejudicou-nos, mas a verdadeira razão para a nossa derrota foi a desorganização defensiva.»

 

O resultado marcou a toada para o futuro. O Wednesday subiu de divisão nesse ano, enquanto o United ficou perdido no meio da tabela, antevendo a inédita despromoção ao quarto escalão no final da temporada seguinte.

 

Hoje, as equipas vão defrontar-se pela 130.ª vez. O Sheffield United tem vantagem nos dérbis (46 triunfos contra os 42 do Wednesday) e até está em posição de acesso ao play-off de promoção para a Premier League: terceiro posto com 29 pontos. O Wednesday está perdido no 17.º lugar com 19 pontos. Será que importa para alguma coisa?