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É Desporto

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26 de Setembro, 2018

Efe Obada. De vítima de tráfico humano à NFL

Rui Pedro Silva

Efe Obada

Nasceu na Nigéria e foi deixado ao abandono com a irmã nas ruas de Londres com apenas dez anos. Indesejado, saltou de casa de acolhimento para casa de acolhimento até conseguir dar um sentido à vida. Quando esta finalmente lhe sorriu, aproveitou e deu o salto para a NFL. A estreia não podia ter sido melhor.

 

Uma noite de pesadelo

 

Não se sabe bem o que aconteceu a Efe Obada e à irmã naquele dia. Mesmo agora, 16 anos depois, os contornos da história continuam a ser difíceis de explicar e o nigeriano de nascença avisa os jornalistas que não está preparado para falar sobre o assunto.

 

Sabe-se pouco. Sabe-se que tinha dez anos, que vivia na Holanda com a mãe e com a irmã e que foi com esta que atravessou o canal da Mancha para chegar ao Reino Unido, com destino marcado para Londres, possivelmente à procura de um futuro melhor.

 

Não aconteceu. Chegou a Londres, é certo, mas não passou disso. «Esta senhora deixou-nos no meio da rua… assim, simplesmente. Foi assustador e muito solitário. Fomos parar a uma zona de prédios residenciais e explicámos a nossa situação a um dos seguranças que por lá andava. Ele deixou-nos dormir à entrada de um dos prédios. Passámos duas ou três noites assim com apenas os nossos casacos para nos aquecermos. Estava um frio de rachar.»

 

As notícias que se foram escrevendo sobre Obada ao longo dos últimos anos desvendam mais alguns pormenores. Dizem que a mãe lhes arranjou um contacto de uma família amiga – o que faz pensar que Efe e a irmã não foram tirados da progenitora mas sim que esta terá pagado pela promessa de uma vida melhor – mas que como já tinham cinco crianças não podiam acolher mais ninguém.

 

O calvário estava apenas no começo. Entregues aos serviços sociais britânicos, saltaram de casa de acolhimento para casa de acolhimento sempre com o mesmo rótulo. De indesejáveis. Efe fala disso e não esquece como a situação o levou para o lado negro da força.

 

«Eu e a minha irmã andámos a saltar de casa em casa a viver com estranhos. Quando não se tem estabilidade, perdemos a confiança nas pessoas. Sabemos que não estamos a viver num casa de forma permanente, que aquilo que não é real, que as pessoas só estão a ser pagas para tomarem conta de ti. Ficas com problemas de confiança e crias pequenos demónios na tua cabeça. Não ser desejado e não ter esta segurança e estabilidade não é uma sensação simpática», recordou.

 

«Fez-me ficar zangado. Fiquei com muita raiva. Tornou-me uma pessoa negativa e pessimista. Não acreditava em mim e porque nunca tinha tido a estabilidade familiar que precisava acabei a fazer amigos numa área que me levou para me dar com gangues e com todas as pessoas erradas.»

 

O início da reviravolta

 

Efe tem 1,98 metros e 116 quilos. A figura imponente fez com que não tivesse problemas em conseguir um trabalho como segurança no armazém de uma loja no sul de Londres. Foi também graças a isso que um dia decidiu experimentar o futebol americano.

 

Os London Warriors mudaram-lhe a vida. O coordenador defensivo da equipa tinha estado na organização dos Dallas Cowboys e identificou nele um diamante em bruto, capaz de poder vir a fazer a diferença.

 

Efe Obada não tinha experiência, não conhecia os principais fundamentos do jogo e não tinha participado em mais do que cinco jogos, mas foi treinar com a equipa do Texas quando esta veio a Londres em 2015 para defrontar os Dallas Cowboys.

 

«Isto é um sonho. É fantástico e capaz de mudar a minha vida. Parece um filme. É surreal. Isto não acontece a pessoas como eu. Nem sequer saí de Londres desde que cheguei ao Reino Unido», disse na altura.

 

Caminho de pedras até ao estrelato

Efe Obada na estreia na NFL

O sucesso estava a caminho mas a rota foi atribulada. Fez contratos para as equipas de treino com os Chiefs de Kansas City e os Falcons de Atlanta mas nunca mantinha o lugar por mais do que um punhado de semanas. Até que um novo protocolo que permitia aumentar o número de jogadores da equipa de treino desde que fossem internacionais lhe soube a ouro.

 

O primeiro contrato com os Carolina Panthers foi assinado a 25 de maio de 2017 e, depois de alguma incerteza, deu mais um passo contratual a 8 de janeiro de 2018. Agora, oito meses depois, estreou-se oficialmente na NFL, tornando-se o primeiro estrangeiro a jogar na liga americana vindo diretamente de uma liga europeia e sem passado no futebol americano universitário.

 

O defensive end quis marcar a estreia, na terceira semana da NFL, com uma assinatura especial e brilhou ao mais alto nível no triunfo dos Panthers sobre os Cincinnati Bengals: fez um sack e uma interceção, e teve direito a levar a bola do jogo para casa.

 

«Ele tem tido a mentalidade de que se recusa a ser um jogador apenas para os treinos e quer jogar. Está sempre atento nas reuniões e em campo. Todos sabíamos que seria capaz de fazer o que fez, mas vê-lo a acontecer é algo completamente diferente», disse um dos seus colegas, Wes Horton.

25 de Setembro, 2018

Luka Modric não merecia esta injustiça

Rui Pedro Silva

Luka Modric venceu o prémio de melhor do mundo da FIFA

Croata foi mais do que o vencedor do prémio de melhor do mundo da FIFA. Foi – e continuará a ser – usado como uma arma de arremesso numa guerra de egos ao mesmo tempo que parece estar obrigado a receber o prémio em representação de todos aqueles que viveram na sombra de Messi e Ronaldo.

 

Vamos acreditar na pureza do futebol. Luka Modric venceu o prémio de melhor do mundo da FIFA porque é um jogador com uma qualidade irrefutável. Assumiu um papel basilar no Real Madrid tricampeão europeu e levou uma histórica Croácia à final do Mundial. O médio trata a bola com tal leveza e conforto que esta só não adormece porque se mantém excitada à espera de saber o que lhe vai acontecer desta vez, quais serão os caminhos imprevisíveis que o cérebro de Modric encontrou para desequilibrar um lance.

 

Mas não nos enganemos. Luka Modric não foi o melhor jogador do mundo. Da mesma forma que James Harden, Russell Westbrook ou muitos outros antes deles não foram os melhores jogadores do mundo quando venceram o MVP da fase regular na NBA. No futebol, tal como no basquetebol, a interpretação do prémio dá azo a que se vote da maneira que se quer.

 

Na última década, a hegemonia Messi-Ronaldo foi esmagadora. Argentino e português venceram cinco títulos cada um, numa era em que os dois são tão melhores do que qualquer outro que só mesmo os títulos coletivos têm servido para desequilibrar.

 

O mundo do futebol escolheu 2018 para dizer basta e a lista de motivos para tal ter acontecido pode ser infindável. Talvez parecesse uma injustiça que Ronaldo superasse Messi na lista de distinções, talvez a saída de Ronaldo de Madrid tenha levado a jogos de bastidores para afastar o prémio do português, talvez tenha mesmo havido uma vaga de fundo institucional para parar com a loucura e interromper a bicefalia do futebol mundial e o 5-5 tenha sido o ponto de partida ideal.

 

Os livros de história do futebol gostam da estatística. Ninguém vai poder ignorar a era em que Messi e Ronaldo venceram todos os prémios e que marcaram uma diferença enorme para quem os seguia enquanto batiam recordes individuais e coletivos. Mas, quer se queira quer não, as estatísticas vão promover o esquecimento de outros génios.

 

O nome de Modric será destacado, mesmo que não tenha mudado muito este ano em relação a anteriores. O croata interrompeu a hegemonia e entra na história por isso. O médio é um jogador do outro mundo e fez uma época sensacional mas não merecia estar associado a toda a especulação e aos motivos que podem ter levado à sua eleição.

 

Modric não fez mais esta temporada do que Iniesta fez no passado, sobretudo em 2010. Por isso mesmo, este prémio é também de Iniesta. E de Xavi. E de muitos outros que foram obrigados a partilhar os momentos áureos das suas carreiras enquanto Messi e Ronaldo se digladiavam, tanto em Espanha como na Europa do futebol.

 

Modric não merece que se fale tanto dos jogos de bastidores que Florentino Pérez poderá ter jogado. Modric não merece que se discuta tanto os verdadeiros motivos que levaram à sua eleição. Modric é um jogador genial, de topo, com uma qualidade singular e que rubricou uma temporada histórica a todos os níveis.

 

Modric merecia ser reconhecido unicamente por isso. Não deveria ser relegado para segundo, não deveria ser visto como uma bandeira de representação. Modric também é especial: saibamos apreciá-lo por isso.

12 de Setembro, 2018

Alexandra Trusova. Fazer história na patinagem com 14 anos

Rui Pedro Silva

Alexandra Trusova

Patinadora russa fez o que nenhuma mulher tinha conseguido até agora: tentar e completar um quádruplo lutz durante uma competição. Na Lituânia, numa competição júnior, Trusova entrou para a história e elevou ainda mais a fasquia na patinagem no gelo feminina.

 

A patinagem artística no gelo é, a par com a ginástica artística, uma das modalidades em que as competições femininas estão mais abertas a serem conquistadas por talentos prematuros. Nadia Comaneci conseguiu um 10 quando tinha 14 anos e, mais recentemente, Yulia Lipnitskaya foi campeã olímpica em Sochi-2014, na prova por equipas de ginástica, com 15 anos.

 

Yulia Lipnitskaya deixou de competir há um ano por motivos de saúde mas o testemunho está entregue. Alexandra Trusova nasceu a 23 de junho de 2004, na véspera de Portugal e Inglaterra terem disputado o jogo mais emocionante do Europeu. A mais velha de três irmãos começou a patinar com apenas quatro anos e com onze decidiu que a melhor forma de apostar na sua carreira seria mudar-se para Moscovo. Aí, encontrou Eteri Tutberidze, a treinadora responsável pelos sucessos de figuras como Alina Zagitova, atual campeã olímpica, Evgenia Medvedeva e… Yulia Lipnitskaya.

 

A margem de progressão de Trusova era enorme e os resultados começaram a aparecer. Campeã mundial júnior em 2018, num título conquistado em Sofia, na Bulgária, Trusova tem demonstrado que é muito mais do que alguém com o talento necessário para dominar uma prova; é também alguém que decide elevar a fasquia e faz aquilo que ainda não tinha sido feito.

 

Agora, na Lituânia, Trusova apresentou-se mais uma vez ao mundo. A patinadora de metro e meio já tinha sido a primeira a tentar o quádruplo lutz em competição mas sem sucesso. O fracasso não afetou o objetivo e o capítulo da história foi gravado a ouro em Kaunas.

 

«Estava muito nervosa. Foi o primeiro torneio da temporada e a primeira vez que tentei incluir três saltos quádruplos no meu programa livre», disse a jovem atleta num comunicado divulgado pela federação russa. O diretor da entidade, Alexander Gorchkov, acrescentou que «Trusova já tinha completado saltos quádruplos no ano passado, mas com este quádruplo lutz eleva o seu nível para um patamar ainda mais alto».

11 de Setembro, 2018

O jogo de basebol que ajudou a reconstruir Nova Iorque

Rui Pedro Silva

Mets e Braves homenagearam as vítimas

Sexta-feira, 21 de setembro de 2001. Pela primeira vez em dez dias, Nova Iorque ia ter um evento aberto ao público. E não era um evento qualquer, era um jogo de basebol. Os New York Mets jogavam contra os Atlanta Braves com mais de 40 mil pessoas a assistir e, sem saber, Mike Piazza ia entrar na história e memória de milhões de pessoas. No final, percebeu-se que tinha sido mais do que um jogo: fora uma prova de vida e um exercício de resistência.

 

Nova Iorque estava de luto. Os Estados Unidos estavam de luto. As imagens dos ataques às Torres Gémeas continuavam frescas na memória e o futuro permanecia uma incógnita. Sabia-se que o mundo nunca mais seria o mesmo mas era difícil antecipar como viria a ser. Em Nova Iorque, o cheiro da destruição continuava a sobrepor-se ao ruído da azáfama tradicional.

 

A cidade não dormia, como o slogan tão orgulhosamente diz, mas os motivos eram outros. Bastante piores. Deixou de haver desporto, deixou de haver concertos, deixou de haver peças na Broadway. O regresso ao (estranho) conceito de normalidade foi progressivo e só dez dias depois, a 21 de setembro, voltou a haver um evento aberto ao público.

 

Era um jogo de basebol e os New York Mets iam defrontar os maiores rivais de divisão: os Atlanta Braves. A própria MLB tinha parado numa primeira fase – até 17 de setembro – e agora regressava finalmente a Nova Iorque. Na série anterior, os Mets deveriam ter recebido os Pirates mas o conjunto de três jogos foi transferido para Pittsburgh.

 

A incerteza era o sentimento dominante. Seria correto voltar a jogar tão cedo em Nova Iorque? Poderia haver novo ataque? Como reagiriam os espetadores? John Franco era um dos lançadores de apoio dos New York Mets, era natural da cidade e sentia este conflito interno: «Só a viagem para o estádio já me fez pensar se estaríamos a fazer a coisa certa. Assim que entrei no parque de estacionamento, tive a brigada de minas e armadilhas com cães a farejarem o meu carro...».

 

Sinal de união e resistência

Bobby Valentine era o treinador dos Mets

A rivalidade entre Mets e Braves não é muito diferente, para os parâmetros norte-americanos, de uma que opõe Benfica a FC Porto. Mas naquele dia, 21 de setembro, o panorama era diferente e as equipas souberam representar esse papel.

 

Os dois treinadores, Bobby Valentine e Bobby Cox, não eram flor que se cheirasse e tinham uma relação atribulada, mas falaram antes do jogo para garantir que as equipas em campo iam conseguir passar uma imagem de união: de quem é adversário em campo mas sabe perfeitamente que o inimigo está bem identificado e não surge associado ao desporto.

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Nada podia faltar. A ótica seria sempre fundamental. A cerimónia antes do jogo envolveu elementos das forças de segurança e dos bombeiros que atuaram após os ataques, familiares das vítimas, o mayor de Nova Iorque, Liza Minelli e Diana Ross. Os jogadores dos Mets não esconderam a emoção – Mike Piazza foi um dos que chorou – e surgiram em campo com os chapéus das várias forças que tinham estado em ação no ground zero.

 

Os elementos das duas equipas cumprimentaram-se, um a um, no centro do diamante de jogo, e a equipa técnica e os jogadores dos New York Mets anunciaram que iam doar o salário do dia do jogo (cerca de 450 mil dólares no total) às vítimas e familiares do ataque.

 

O Shea Stadium, que no início da semana ainda servia como ponto de triagem após o ataque, estava agora preparado para um jogo de basebol com mais de 40 mil pessoas nas bancadas. As bandeiras dos Estados Unidos quase cobriam por completo alguns setores e, apesar de a dor não se poder esquecer, sentia-se orgulho pela prova de resiliência da cidade.

 

O home run memorável

 

Nova Iorque precisava de um momento impactante que a ajudasse a reconstruir. A crónica do jogo da Associated Press do dia seguinte talvez explique mais eficazmente o que iria acabar por acontecer: «Esqueçam o medo, a dor, o sofrimento, a morte, a destruição. Por um momento, talvez uma fração de segundo, talvez um minuto inteiro de pura e irracional alegria».

 

Este momento chegou mesmo, na segunda metade do oitavo inning. Os Mets estavam a perder (1-2) mas Mike Piazza, o símbolo perfeito do sonho americano com uma história de superação contra todas as previsões, foi chamado a bater já com um colega de equipa nas bases.

 

Resultado: home run que catapultou os Mets para a vantagem no marcador (3-2). John Franco explica o que aconteceu: «Antes do home run, tudo estava quieto e sombrio. Era apenas o barulho normal da multidão. Mas assim que o Piazza fez o home run, o estádio entrou em erupção. Ainda tenho pele de galinha quando penso nisso. Quando olhei para as bancadas, os fãs estavam a abraçar-se e a chorar enquanto cantavam “U-S-A! U-S-A!”». 

Mike Piazza sentiu o impacto daquele momento, decisivo no triunfo. «Estou tão feliz por ter dado às pessoas um motivo para celebrar. Houve muita emoção, foi uma descarga de energia surreal. Estou orgulhoso por ter feito parte disto esta noite. Esta gente é fantástica. Nova Iorque tem sido fortíssima no meio disto tudo [...] Mas também me sinto muito triste. Hoje conheci duas crianças que perderam os pais», disse.

 

As feridas continuavam abertas e quiçá impossíveis de sarar mas ali, naquela noite, naquele momento, Mike Piazza demonstrou a Nova Iorque que era possível voltar a sorrir, que era possível voltar a sentir alegria. Primeiro por uma fração de segundo, depois por um minuto inteiro. E assim progressivamente.

10 de Setembro, 2018

Khalil Mack. O toque de Midas na defesa dos Bears

Rui Pedro Silva

Khalil Mack liderou os Chicago Bears

O linebacker chegou a Chicago numa troca com os Raiders de Oakland no primeiro dia de setembro e não precisou de muito tempo para provocar um impacto imediato na defesa dos Bears. A exibição no Lambeau Field contra os Green Bay Packers foi memorável e teria sido o herói do dia se não houvesse um tal de… Aaron Rodgers.

 

Tem 27 anos, foi a quinta escolha do draft de 2014 e é considerado um dos melhores jogadores defensivos da NFL. O linebacker era o rosto da defesa dos Raiders mas não chegou a fazer um único jogo oficial depois da chegada de Jon Gruden ao posto de treinador da equipa californiana.

 

A renovação contratual estava num impasse e o novo timoneiro, que assinou um contrato válido por dez anos no valor de 100 milhões de dólares, preferiu trocar uma das suas estrelas em vez de se comprometer a um contrato que teria um peso significativo nas contas. Os Chicago Bears eram uma das equipas que estavam à espreita e avançaram rapidamente, oferecendo duas escolhas de primeira ronda (uma no draft de 2019 e outra no de 2020).

 

Onde os Raiders vacilaram, os Bears atacaram e não deram hipótese de fuga. Mack era o tipo de jogador que precisavam e fizeram questão de o mostrar com uma oferta de um contrato de seis anos avaliado em 141 milhões de dólares. A verba é recorde para um jogador defensivo.

 

Estreia de luxo

Mack foi uma dor de cabeça para os Packers

Khalil Mack pode não ter tido muito tempo para ganhar rotinas no sistema defensivo de Matt Nagy (treinador que se estreia em Chicago depois de ter desempenhado o cargo de coordenador ofensivo nos Chiefs nas duas temporadas anteriores) mas a qualidade intrínseca e a perceção perfeita do que está a acontecer a cada momento do jogo fizeram dele a maior estrela da primeira parte do primeiro jogo da temporada.

 

Em horário nobre, a jogar em Green Bay, no mítico Lambeau Field, Khalil Mack impressionou não só estatisticamente mas também na forma como liderou os seus colegas nos ataques às jogadas dos Packers comandadas por Aaron Rodgers – até sair por lesão – e DeShone Kizer.

 

Até ao intervalo, momento em que os Bears venciam por uns surpreendentes 17-0, Mack já tinha feito dois tackles, um sack que acabou com recuperação de bola e uma interceção que acabou em touchdown.

 

Mack estava em todo o lado. Era a estrela do jogo. Quando não era o foco principal da ação defensiva dos Bears, era quem atraía as atenções dos Packers, permitindo que outros também pudessem brilhar. Tudo parecia perfeito… até chegar a segunda parte.

 

Um quarterback do outro mundo

 

Khalil Mack fez tudo o que podia mas não estava à espera que no segundo tempo Aaron Rodgers regressasse da lesão e protagonizasse a exibição mais memorável do primeiro domingo de NFL na época.

 

O experiente quarterback conduziu os Packers a três touchdowns no quarto e último período do encontro e o ataque dos Bears, liderado pelo jovem Mitch Trubisky, deixou de carburar, permitindo a reviravolta da equipa de Green Bay (24-23).

 

«Preparei-me durante todo o defeso para o primeiro jogo da temporada e queria ter… impacto. Mas o mais importante é vencer estes jogos. É a única coisa que devemos ter em mente Odeio perder», disse Mack no final do encontro.

03 de Setembro, 2018

Celta Vigo. A festa numa tarde de verão

Rui Pedro Silva

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O calor acima dos 30 graus não foi suficiente para afastar muita gente dos Balaídos. Num sábado de sol, convidativo a um mergulho – mesmo nas águas de Vigo – o Celta não teve problemas em derrotar o Atlético Madrid e colocar-se na dianteira da perseguição a Barcelona e Real Madrid.

 

Ir beber inspiração ao Chaves-Portimonense

 

Ir a Vigo ver um jogo de futebol não tem o mesmo significado para todos os portugueses. Para uns, a fronteira está quase ali ao lado e ir e vir no mesmo dia é uma tarefa que não implica grande esforço logístico. Para quem viaja de Lisboa, no entanto, há nuances que têm de ser postas em equação para chegar à melhor alternativa possível.

 

É possível, sem grande problema, fazer a viagem direta mas aproveita-se melhor quando se arranja tempo para cada momento da viagem. Assim, tal como para o Chaves-Portimonense duas semanas antes, decidimos fazer o caminho de carro com antecipação, dormindo em Ponte de Lima na véspera.

 

O jogo originalmente marcado para as 16h15 locais foi adiado para as 18h30 e abriu-nos ainda mais o leque de atividades para antes do jogo. Graças a isso, pudemos ainda dar um mergulho na praia em Vigo, para refrescar duas horas antes do pontapé de saída e chegar ao estádio sem estar a morrer de cansaço da viagem de carro ou de calor (termómetros chegaram a marcar 38 graus).

 

O Estádio de Balaídos está muito diferente de quando o conheci em 2009. A memória não é perfeita e não houve tempo, na altura, para mais do que a compra de uma camisola. Agora, quase dez anos depois, não sabia exatamente o que esperar. O único trabalho de casa, além da compra de bilhetes (40 euros os mais baratos), foi tentar perceber quão difícil seria estacionar o carro perto do recinto.

 

Foi muito. Talvez por termos ido mais em cima do jogo – culpa do mergulho! – as movimentações em redor do estádio eram grandes e os carros estavam todos à procura do mesmo. Sem grande conhecimento para fazer invenções, fomos subindo a colina, apostando em estradas perpendiculares que parecessem menos movimentadas e esperando ter sorte (no caso, um carro a sair do seu lugar). Aconteceu… a 1200 metros do estádio. A parte boa? Ia ser sempre a descer até à bancada.

 

Um mar de Aspas entre alguma desorganização

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Basta olhar com alguma atenção para o que nos rodeia para percebermos quem é o maior ídolo dos adeptos. Um pouco por todo o lado, há camisolas com a inscrição de Iago Aspas nas costas. O internacional espanhol tem feito a diferença e os adeptos não o esquecem, nem mesmo quando as filas para entrar na bancada prometem levar alguns ao desespero.

 

As portas têm cinco a seis torniquetes mas a informação é pouca. De tempos a tempos, aparece uma responsável a gritar em plenos pulmões que os bilhetes comprados através da internet só podem ser validados nos torniquetes das pontas. O que pode ser um problema para quem só o ouve quando está já prestes a entrar num dos do meio. A mudança de fila lá se faz – para algum desespero dos espanhóis que são ultrapassados («Julgam que podem fazer tudo!», ouço claramente, sem perceber no entanto se é uma crítica ao que acabou de acontecer ou se parte de uma conversa que já existia).

 

A entrada ainda traz mais problemas. Os bilhetes têm de ser comparados com o número do cartão de cidadão inserido no momento da compra mas o elemento do staff junto ao torniquete não parece ter autonomia para o fazer sozinho no caso de cartões de identificação portugueses. A cada adepto que surge com um bilhete destes, há um grito para um colega vir confirmar se está tudo bem.

 

Entrada sincronizada

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A hora do jogo está próxima e descobrimos os nossos lugares praticamente no momento em que as equipas entram em campo. Uma mente egocêntrica poderia pensar que o estádio tinha decidido levantar-se em conjunto para marcar a nossa presença, mas somos muito mais acessórios do que podemos pensar. Quando jogadores de Celta e Atlético fazem a saudação aos atletas, já nós estamos sentados nos nossos lugares, na quinta fila atrás de uma das balizas.

 

O meu trabalho de prospeção na compra de bilhetes foi fraco. Normalmente, obedece sempre a um conjunto de fatores que têm de ser tidos em conta: os mais baratos, num sítio que se consiga ver bem e sem ser alto o suficiente para uma pessoa que tenha vertigens/medo de alturas (não eu, entenda-se). Desta vez, ao evitar escolher uma fila muito para cima, ignorei que na verdade aquele topo do estádio só tinha uma bancada junto ao relvado.

 

Resultado: há um desafio de habituação para conseguir apreciar o jogo praticamente ao nível do relvado, especialmente quando a curva da bancada nos afasta uns 25 metros da linha de fundo.

 

Adeptos para todos os gostos

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O ambiente no Estádio dos Balaídos não é autoritário. A claque do Celta está numa das centrais e não parece ter mais do que 300 ou 400 adeptos. Pior do que isso, o resto do estádio não responde com a mesma paixão ou fervor aos cânticos, limitando-se a reagir aos estímulos que o próprio jogo lhe dá. No setor dos adeptos do Atlético Madrid, na mesma bancada mas no canto oposto e lá em cima, não há mais do que 25 ou 30 pessoas.

 

A nossa curva, no entanto, parece ser um grande centro de mistura. Imediatamente à nossa frente, há três brasileiras que torcem pelo Celta, têm insultos em espanhol na ponta da língua, e não parecem entender muito bem o que se passa quando o VAR anula o terceiro golo do Celta.

 

Um pouco por todo o lado há também adeptos do Atlético Madrid, uns equipados a rigor e outros que parecem não ser mais do que simpatizantes de ocasião, como a pequena criança francesa com os pais que assiste embevecida aos toques que Lemar dá ao intervalo.

 

A primeira parte não traz muito ao jogo. Verdade seja dita, damos por nós a pensar, uma vez que temos elementos da segurança sentados em cadeiras a olhar para nós o jogo inteiro, qual seria a melhor forma de invadir o relvado. Olhamos para eles, tentamos perceber o grau de atenção, a mobilidade, a idade, antes de darmos a nossa opinião. Brilhante, não?

 

O brinde de Godín a desbloquear o jogo

 

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Depois de um intervalo em que as regras do VAR passaram nos ecrãs gigantes – parecendo adivinhar que haveria um momento polémico pouco depois – a segunda parte ia arrancar praticamente com um golo do Celta.

 

Depois de Godín tropeçar sozinho, Maxi Gómez correu isolado pela direita e bateu Oblak. A euforia tomou as bancadas de assalto e nunca mais cedeu. O jogo também ajudou. O Atlético nunca foi uma ameaça séria e só provocava reações nas bancadas quando Thomas cometia faltas atrás de faltas depois de já ter um amarelo. «Mostra a segunda! Mostra a segunda!», gritavam atrás de nós, sabendo perfeitamente que Mateu Lahoz não conseguiria a ouvir, mas ainda assim fazendo parte de uma tradição de descarga de adrenalina.

 

O 2-0 chegou quase logo a seguir, aos 52 minutos. Iago Aspas, quem mais poderia ser?, ganhou um duelo nas alturas de forma perfeita e cabeceou para o fundo da baliza. O estádio festejou ainda mais do que na primeira vez: afinal, ainda não estava perfeitamente recomposto do primeiro momento de festa e já estava ali pronto para outra.

 

O Celta soltou-se e começou a jogar cada vez melhor. O 3-0 chegou mesmo a subir ao marcador, em mais um excelente momento de cabeça, mas a reposição de jogo foi sendo atrasada. Ser português talvez tenha dado uma vantagem ali. «Deve estar a ser revisto no VAR», disse, perante aquela pausa. À nossa volta, toda a gente parecia perdida. A Liga Espanhola só agora implementou o VAR e três jornadas não são suficientes para entrar no ritmo.

 

Finalmente, Mateu Lahoz decide-se. Faz o gesto do VAR, aponta para a grande área, apita e levanta a mão assinalando livre indireto. Ou seja: golo anulado. Há assobios no estádio mas, pelo menos ao pé de nós, a maior parte das pessoas parece não ter percebido o que se tinha acabado de passar.

 

Minutos depois, atrás de nós, um perguntava ao amigo: «Mas espera lá, não está 3-0». À nossa frente, o grupo de brasileiras decide sair antes do apito final e só aí se apercebe que o marcador tem 2-0 e não 3-0. Conclusão: o VAR pode ser confuso visto no estádio mas, mesmo sem terem acesso às imagens, os adeptos deverão ter uma forma de ser informados sobre a decisão, à imagem do que acontece na NFL.

 

O apito final chegou com o 2-0 e a aventura chegou ao fim. O semblante dos adeptos de Madrid estava carregado – afinal de contas era a segunda vez que perdiam pontos em três jornadas -, enquanto o ambiente entre os de Vigo era animado e otimista. Afinal, há razões para isso.