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É Desporto

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16 de Maio, 2018

Uma batalha campal na Itália de Mussolini

Rui Pedro Silva

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Espanha e Itália discutiram o acesso às meias-finais do Mundial-1934 num misto de violência, polémica e… 210 minutos de jogo. Entre a lesão do lendário guarda-redes Ricardo Zamora e a perna partida de Mario Pizziolo, houve um total de onze espanhóis lesionados e uma atuação desastrosa de um árbitro que acabou por ser irradiado. 

 

Violência como inspiração

 

Benito Mussolini não foi o primeiro e, como a história demonstra, também não terá sido o último ditador a explorar um evento de futebol para propagar a superioridade de uma ideologia. Quando a Europa caminhava perigosamente para a II Guerra Mundial, o Mundial de futebol de 1934 surgiu como uma oportunidade para o italiano.

 

Era a primeira fase final disputada na Europa e a Squadra Azzurra não ia olhar a obstáculos para provar que a natureza italiana era superior à dos rivais, mesmo perante a presença de inúmeros sul-americanos naturalizados.

 

O desporto não tinha de ser violento mas a filosofia de Mussolini era muito própria. Para ele, o futebol moderno tinha ido beber inspiração ao Calcio Fiorentino, uma modalidade exageradamente agressiva que se disputa todos os anos numa praça de Florença e onde, à falta de melhor descrição, vale quase tudo menos tirar olhos para marcar golos.

 

Quando a Espanha de Ricardo Zamora surgiu no caminho da Itália nos oitavos de final da competição, a inspiração tornou-se demasiado literal. Poeticamente, a partida foi disputada em Florença e a violência foi o denominador comum aos 120 minutos do jogo de 31 de maio de 1934.

 

Os espanhóis, que tinham eliminado Portugal na qualificação e o Brasil na primeira ronda da prova, tinham uma equipa repleta de qualidade e adiantaram-se no marcador, por Regueiro, aos 30 minutos. Mal sabiam que o pesadelo estava a começar.

 

Pressão e critério violentamente largo

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Perder ao segundo jogo estava fora de hipótese. A Itália e os italianos tinham uma reputação a manter e Mussolini não admitia outro desfecho que não fosse o título mundial. Todos tinham noção do que estava em jogo, até o árbitro belga Louis Baert, e ninguém quis fugir ao argumento.

 

Quando Ferrari empatou aos 44 minutos, Baert começou por anular o lance, por falta sobre Zamora, mas os protestos dos italianos rapidamente o fizeram pensar que podia estar a entrar por um caminho com consequências indesejáveis.

 

A caixa de Pandora tinha sido aberta. Os italianos elevaram a fasquia e os espanhóis, com sangue latino para dar e vender, não quiseram ficar pelo caminho. No balanço final, depois dos 120 minutos de jogo do empate a um golo, houve sete espanhóis e quatro italianos lesionados. Se Zamora partiu duas costelas e foi obrigado a falhar a desforra do dia seguinte, Mario Pizziolo partiu a perna e nunca mais jogou pela Itália na carreira.

 

Novo dia, velhos hábitos

 

O espetáculo da véspera demonstrou que o sonho de Mussolini estava em risco. Perante tal cenário, foi chamado um árbitro suíço, René Mercet, o mesmo que tinha arbitrado a estreia italiana na ronda anterior.

 

O trabalho tinha de ser feito, desse por onde desse, e a vergonha era um sentimento proibido. Giuseppe Meazza, esse mesmo, inaugurou o marcador aos 11 minutos, num lance em que houve falta sobre o guarda-redes espanhol, mas nada foi assinalado.

 

Num jogo em que os espanhóis voltaram a ter quatro lesionados, a resposta não se fez esperar e os ibéricos festejaram por duas vezes… por pouco tempo. Na primeira vez, o golo foi anulado por culpa de um fora-de-jogo suspeito, na segunda devido a uma falta… cometida pela Itália.

 

Para a imprensa suíça, Mercet «favoreceu os italianos da maneira mais vergonhosa» no triunfo por 1-0. Para Jules Rimet, presidente da FIFA, «foi um encontro espetacular, dramático e jogado com uma intensidade poucas vezes vista».

 

O eufemismo de Rimet teve qualquer coisa de poético, tendo em conta as decisões da federação suíça e da própria FIFA após a fase final: Mercet foi expulso e não mais voltou a arbitrar um jogo.