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É Desporto

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10 de Janeiro, 2018

Tonya Harding. Uma rivalidade do gelo incendiada por uma agressão

Rui Pedro Silva

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A sede de vencer e as más companhias tornaram a competição num quase caso de vida ou morte. Patinadora arriscou tudo mas ficou sem nada depois de ter sido provado o envolvimento na agressão à sua grande rival, Nancy Kerrigan. 

 

Um Robin nunca será líder

 

«Sabia que eles andavam a falar de alguma coisa. Ouvia-os a planear derrubarem alguém para que eu tivesse entrada garantida na equipa. Lembro-me de lhes perguntar de que raio estavam a falar e que eu sabia patinar perfeitamente.»

 

Tonya Harding é um nome incontornável na patinagem do gelo. Foi medalha de prata nos Mundiais de 1991 em Munique e nos Jogos de Albertville-1992 ficou à porta do pódio.

 

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O problema é que a incontornabilidade de Tonya está para a modalidade como Robin está para os Super-Heróis. Não surge sozinha. Há alguém ao lado a fazer-lhe sombra, alguém que, por ter mais talento, lhe fez a vida negra. Tonya Harding é Tonya Harding mas nunca seria a mesma se não tivesse havido Nancy Kerrigan.

 

Nancy Kerrigan tem a carreira mais recheada. Foi medalha de bronze nos Mundiais de Munique em 1991 e de prata nos de Oakland em 1992. No mesmo ano, nos Jogos Olímpicos, arrebatou o bronze em Albertville, empurrando Harding para fora do pódio.

 

Dois anos depois, a rivalidade entre as duas estava ao rubro. Tonya Harding tinha dificuldades em perceber as diferenças de tratamento. Não conseguia entender por que é que os patrocinadores faziam fila para negociar representações com a rival, ignorando-a. E ela precisava do dinheiro.

 

Vinha de uma família com muitas dificuldades e cresceu num ambiente pouco propício. A relação com o pai não era má, mas a mãe exercia-lhe uma pressão exagerada. Não lhe reconhecia o mérito e tinha uma mão leve, sempre pronta a bater se as coisas não corressem de acordo com o desejado. O mau ambiente em casa fez com que se tivesse enamorado e casado com Jeff Gillooly, um homem bonito que um dia apareceu num treino e chamou a atenção da patinadora.

 

Os Jogos Olímpicos de Lillehammer em fevereiro eram o ponto alto no calendário mas 1994 começava logo com os campeonatos dos Estados Unidos. Aí, a história foi diferente. Agressivamente diferente.

 

Riscar Kerrigan do mapa

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Detroit, 6 de janeiro. A cidade do Michigan está a acolher os campeonatos dos Estados Unidos e Nancy Kerrigan está a sair de mais uma sessão de treino. «Ia a caminho dos balneários e havia alguém a correr atrás de mim. Virei-me e tudo o que consegui ver foi um homem a tentar atingir-me com alguma coisa.»

 

O homem chamava-se Shane Stant, tinha sido contratado pelo marido de Tonya Harding para riscar Nancy do mapa e… não era muito bom no que fazia. Apesar de ter feito pontaria ao joelho, o que provocaria uma paragem mais prolongada, não foi além de uma pancada ligeiramente mais acima, que não fez mais do que um osso dorido.

 

Os gritos de dor chamaram a atenção dos jornalistas presentes no local. As câmaras não foram rápidas o suficiente para apanhar uma imagem da agressão mas captou na perfeição o testemunho desesperado da patinadora: «Porquê? Porquê? Porquê?». Nancy Kerrigan estava em choque e só conseguia dizer que tinha sido atingida com um «pau duro e preto, algo muito muito duro». «Ajudem-me! Não me consigo mexer. Tenho tanto medo. Tenho tanto medo. Está a doer tanto.»

 

No meio do azar, Kerrigan teve sorte. Foi incapaz de participar na prova marcada para o dia seguinte – Tonya Harding conquistou o título – mas a contusão não foi grave o suficiente para a afastar dos Jogos Olímpicos no mês seguinte.

 

Tonya Harding não se deixou impressionar pelo que tinha acontecido e venceu com facilidade. «Sei que há muita gente que acha que o meu período áureo já passou. Tinha algo a provar esta noite», disse.

 

A verdade foi como o azeite

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A imprensa não deixou morrer a agressão a Nancy Kerrigan e os primeiros factos começaram a vir à tona. Shane Stant era um especialista em artes marciais e tinha sido contactado por Jeff Gillooly, marido de Tonya, e Shawn Eckhardt, amigo de Jeff e guarda-costas da patinadora.

 

Os registos do encontro começam por mostrar um plano muito mais sinistro: assassinar Nancy. Mas Jeff reduz o nível: «O que podemos fazer que seja menos sinistro do que isso?», pergunta, avançando depois com a estratégia pragmática: partir a perna com que faz as aterragens após os saltos. Preço: 6500 dólares.

 

A equipa de investigação de Detroit fez do caso uma prioridade e começou a derrubar o castelo de cartas quando uma denúncia anónima garantia que Tonya Harding, Jeff Gillooly e o guarda-costas Shawn estavam na origem do ataque. Veio de Patty May Cook, uma amiga do pai de… Shawn Eckardt. Ao que parece, o sénior da família era igual ao filho e não conseguia parar de se gabar do que tinha acontecido.

 

A pressão sobre o trio tornou-se cada vez mais sufocante e 12 dias depois do ataque Tonya cedeu ao FBI. Disse que estava assustada, que não sabia os limites do que o marido poderia fazer e reconhecera que tinha ouvido as conversas do encobrimento após o ataque, admitindo que tinha obstruído a justiça.

 

O crime não compensa

 

Jeff Gillooly foi preso e aceitou um acordo para testemunhar contra os cúmplices. Shawn Eckhardt recebeu uma sentença de 18 meses e Stant e o condutor do carro em que o agressor fugiu, Derrick Smith, também cumpriram penas. Tonya Harding foi impedida de participar nos Jogos Olímpicos numa primeira fase, mas o Comité Olímpico inverteu a medida e permitiu que a patinadora viajasse para a Noruega.

 

A qualidade de Nancy fez a diferença em Lillehammer. O pesadelo de Tonya estava apenas a começar, com o oitavo lugar, enquanto a tempestade de Kerrigan tinha sido ultrapassada e a recompensa surgira com a medalha de prata.

 

No mês seguinte, Harding começou a sofrer na pele as consequências da conspiração. Foi condenada a três anos de pensa suspensa, 500 horas de trabalho comunitário e uma multa de 160 mil dólares. E foi forçada a abandonar a federação norte-americana de ginástica, perdendo também o título conquistado em janeiro.

 

Mais tarde, foi mesmo banida de qualquer atividade relacionada com a modalidade. As conclusões da investigação da federação confirmaram que Tonya Harding demonstrou «um claro desrespeito pela justiça, desportivismo e comportamento ético».

 

Desculpar ou não desculpar?

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A estreia de uma biografia cinematográfica de Tonya Harding recuperou o mediatismo da história. Tonya Harding garantiu este mês que já pediu «desculpas suficientes» a Nancy Kerrigan mas continua a dizer que não teve qualquer envolvimento direto na agressão. Em abril do ano passado, a versão da outra patinadora era diferente: «Nunca houve um pedido de desculpas direto».

 

Tonya Harding está a vestir o papel de vítima. «As pessoas continuam a achar que eu sou a vilã de tudo o que se passou. Nunca alguém quis acreditar que não tive nada a ver com isto e que éramos amigas. A imprensa culpou-me por ter feito algo errado mesmo antes de ter falado com alguém, antes de eu ter saído da cama naquela manhã. Sou sempre a vilã», queixou-se.

RPS

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