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É Desporto

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03 de Janeiro, 2019

Schumacher. Ou porque os vilões também merecem respeito

Rui Pedro Silva

Michael Schumacher na Ferrari

E se eu vos dissesse que não gostava de Michael Schumacher? O piloto alemão era uma figura que provocava reações intensas antagónicas e sempre houve uma fação que não se deixou render pela hegemonia daquele que pode – e talvez deva – ser visto como o melhor na história da Fórmula 1.

 

Todos se lembram de um piloto que não se importava de ultrapassar o limite para ter o que queria – veja-se aquela corrida de final de época em que se engalfinhou com Damon Hill para garantir que não perdia o ponto de vantagem no Mundial de pilotos -, ou mesmo de alguém que secou tudo à sua volta enquanto construiu a hegemonia mais dominadora da especialidade.

 

O meu motivo é anterior a qualquer um dos mencionados. Também aconteceu em 1994, como no Grande Prémio da Austrália e a rábula com Damon Hill, mas foi surgindo. Não foi um momento específico, foi o início de época.

 

Melhor do que estar a reescrever, mais vale citar diretamente o que escrevi no «Ayrton Senna. A morte para um rapaz de oito anos»: «A glória nunca chegou. Não só Senna não conseguia terminar uma corrida (desistiu tanto no Brasil como no Japão), como o poderio da Williams parecia estar a deslocar-se para a Benetton de Michael Schumacher, vencedor das duas primeiras corridas».

 

Michael Schumacher é, para mim, o princípio do fim de Senna. É o piloto que alterou a hierarquia da Fórmula 1 numa temporada em que Ayrton Senna aparecia como favorito depois de finalmente assinar com a Williams, após perder os títulos de 1992 e 1993 para Mansell e Prost.

 

Ainda por cima, naquela era, os monolugares não eram todos iguais e aquele Benetton de Schumacher – embora hoje seja recordado com algum carinho por ser… radicalmente diferente de todos os outros – parecia uma aberração. Não só pelas cores – o que dizer daquele azul que já nem nos quartos de recém-nascidos se devia ver? – mas pelo formato tosco e matacão do nariz.

Schumacher ao volante de um Benetton

O certo, e indesmentível, é que Michael Schumacher era especial. Pode ter sido campeão pela primeira vez no ano da morte de Ayrton Senna, mas quando o brasileiro morreu, já o alemão ia lançado – tinha duas vitórias, a caminho da terceira, e Senna nem um ponto tinha somado.

 

A passagem de testemunho pode ter sido turbulenta mas Schumacher mereceu-a. Tinha um nome que deixava crianças portuguesas a digladiar-se sobre a pronúncia correta – até aqui a cena com Ayrton era mais simples – e um historial de sacana em vez de bom malandro, mas os resultados falam por si.

 

Schumacher podia ser um vilão na pista. E às vezes até fora dela. Mas sempre foi especial e merece respeito. Depois do bicampeonato com a Benetton, foi ele que ressuscitou a Ferrari, protagonizando uma parceria com a escuderia letal para os adversários. Durante anos, o seu nome foi sinónimo de triunfos, títulos, e ausência de fé para os rivais. Hoje, no dia dos 50 anos, é sinónimo de esperança.

 

O seu estado estar envolto em secretismo pode ser uma questão de privacidade mas dificilmente uma coisa assim poderá alguma vez ser vista como um bom sinal. Schumacher não é o mesmo e não estamos sequer em condições de perceber se alguma vez poderá voltar a ser uma boa fração do que era. Mas o seu nome será sempre eterno.

 

Sacana, sim. Vilão, sim. Mas também um piloto dos diabos. E nenhuma montanha poderá alguma vez destruir esta ideia.