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É Desporto

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06 de Julho, 2020

Sarah Attar. Uma mulher a competir pela Arábia Saudita

Rui Pedro Silva

Sarah Attar

Viveu toda a vida nos Estados Unidos mas recebeu um telefonema para competir pela Arábia Saudita poucos meses antes dos Jogos Olímpicos de Londres, em 2012. Foi uma das duas primeiras mulheres a participar pelo país árabe e ajudou a marcar um progresso lento mas que continuou para o Rio de Janeiro.

O Comité Olímpico Internacional estava a pressionar a Arábia Saudita para apresentar, pela primeira vez na história, mulheres nos Jogos de Londres em 2012. Esse desejo era partilhado por Arwa Mutabagani, uma figura do hipismo saudita e a primeira mulher a fazer parte do Comité Olímpico Saudita.

Um dia, em conversa, com um tio de Sarah Attar, Arwa confessou essa vontade. Do outro lado ouviu: «Tenho uma sobrinha que faz atletismo nos Estados Unidos.» Graças a isso, em fevereiro de 2012, na Califórnia, a família Attar recebeu um telefonema inesperado.

O Comité Olímpico Saudita queria saber se Sarah, de pai saudita e mãe norte-americana, estaria disposta a competir em Londres. «Os Jogos Olímpicos sempre foram aquilo em que os atletas de elite estavam… e eu via na televisão. Nunca tinha pensado fazer parte disso, foi estranhíssimo», afirmou Sarah, na altura com 19 anos.

«Assim que me perguntaram pelos tempos que fazia, pensei que já não teria hipótese, não tinha mínimos, iam perceber que não estava ao nível desejado», recorda, não sabendo na altura que o Comité Olímpico Internacional ia abrir vagas excecionais.

Sarah ia mesmo para Londres. Ia quebrar barreiras e correr duas voltas ao estádio na prova de 800 metros. A distância não era perfeita mas afigurava-se como a escolha possível. «Não queria arriscar correr os dez mil metros e passar a vida a ser dobrada pelas outras», afirmou.

A condição física não foi a única preparação necessária para Sarah, era preciso obedecer à lei islâmica. Numa primeira fase, todas as fotografias que Sarah tinha na internet de calções, tops ou cabelo descoberto foram apagadas. Depois, juntamente com a mãe, teve de arranjar uma forma de encontrar um equipamento que satisfizesse os sauditas.

Chegada a Londres, o impacto mediático não se fez esperar. Logo na cerimónia de abertura, foi notório o posicionamento da comitiva, com as duas únicas mulheres, Sarah e uma judoca, Wojdan Shaherkani, a surgirem apenas no final, atrás de todos os homens. Segundo Sarah, foi um acaso: «Não foi nada pensado, não houve obrigação. Acho que até foi um modo de ser uma revelação, de deixar a novidade para o fim. Eles gostaram que estivéssemos ali com eles».

Na Arábia Saudita, alguns estudiosos lamentaram a novidade: a presença de Sarah foi vista de forma negativa porque entenderam que era uma forma de o país agradar internacionalmente sem ser obrigado a mudar, de facto, alguma coisa a nível interno.

Sarah manteve o otimismo: «Se tudo correr bem, isto fará uma enorme diferença». Mesmo a nível pessoal, não conseguia evitar a sensação única: «Há pessoas que se dedicam uma vida inteira a isto, quatro anos, oito anos, sem parar. Comigo, vieram-me perguntar se queria».

Em pista, cumpriu-se o esperado. Ficou imediatamente para trás nos primeiros 100 metros e terminou a sexta série das eliminatórias a 43 segundos da vencedora e a mais de 30 da penúltima. Ao cortar a meta, recebeu uma enorme ovação de que, na verdade, mal se apercebeu. «Só queria garantir que continuava a correr, não dei por nada, eram apenas… cores», confessou.

«Estava a correr por todas as mulheres na Árabia Saudita, por todas as raparigas que assim tiveram alguém a representá-las, a mostrar-lhes algo que pode ser um objetivo para o futuro.»

A mentalidade na Arábia Saudita mudou, mesmo que pouco, desde a participação de Attar nos Jogos Olímpicos de Londres. Em 2011, numa das visitas frequentes que faz para visitar a família, decidiu ir correr e precisou da ajuda para se vestir como se fosse um homem para não ser importunada na rua. A descrição é feita pelo pai, Amer: «Pôs um chapéu, umas calças de fato de treino e uma camisola com mangas compridas e disse-lhe para começar a correr. Ia a conduzir perto dela e se acontecesse alguma coisa, logo se veria o que faríamos».

A corrida não durou muito. «Foram literalmente cinco minutos. Um carro cheio de homens de vinte e qualquer coisa anos apareceu e eles começaram a gritar connosco. Decidimos parar.»

O regresso foi diferente. Depois de 2012, já ninguém a incomodava e até conseguiu avistar outras mulheres a correr, uma delas com o marido.

Sarah Attar está a aproveitar a experiência para servir de exemplo quando visita a Arábia Saudita. «Sempre que lá vou, as raparigas dizem-me que as inspiro muito. Mesmo que seja só um pequeno passo, já é fantástico», diz.

Agora, a saudita tem até um mural com uma imagem da sua participação em Londres e fala nas escolas para contar a experiência. «Sinto-me como uma celebridade. Todas querem o meu autógrafo e escreveram-me cartas a dizer o quanto as inspirei a fazer desporto. Numa das escolas, perguntei quantas queriam participar nos Jogos Olímpicos e todas levantaram a mão.»

A atleta lembra que este tipo de fascínio não desaparece. São estes momentos, de viver a experiência por perto, que farão a diferença para sempre, garante.

A Arábia Saudita voltou a apresentar mulheres nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro. Desta vez foram quatro e Sarah Attar voltou a estar presente, agora na maratona. Ao contrário dos 800 metros, esta é uma distância em que se sente mais à vontade e na qual tem mais experiência. Em 2013, por exemplo, correu a maratona de Boston, terminando ainda antes das explosões. Desde então, voltou sempre.

No Brasil, apresentou-se com um recorde pessoal de 3:11.27. Continua a ser um tempo modesto mas, lá está, a atleta valoriza mais a experiência e o impacto que poderá ter na mudança na mentalidade na Arábia Saudita.

Uma dessas influências foi imediata. Outra das atletas sauditas no Rio foi a velocista Kariman Abuljadayel, que competiu nos 100 metros – foi sétima na terceira série com um tempo de 14,61 segundos. «Ela veio ter comigo na maratona de Boston há dois anos e disse-me que estava a correr por causa do que eu tinha feito em Londres. Foi exatamente por isto que fiz o que fiz.»

De última nos 800 metros, Sarah Attar passou para penúltima na maratona, com um tempo de 3:16.11. A experiência, ainda assim, foi tão boa ou melhor do que em Londres: «Durante a prova, consegui ver onde estavam as atletas da frente porque andávamos em circuito. Estar com um olho nas líderes enquanto se está a correr é surreal. Elas são as melhores do mundo.»

Conta que fez praticamente toda a corrida com a singapurense Neo Jie Shi. Mesmo sem falarem, foram puxando uma pela outra, fazendo turnos à frente. As duas estavam nos últimos lugares mas não se importavam: o objetivo era terminar.