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É Desporto

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23 de Janeiro, 2018

Pita Taufatofua. Do taekwondo no Rio ao cross country em PyeongChang

Rui Pedro Silva

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Nunca tinha esquiado quando decidiu ir aos Jogos Olímpicos de Inverno há pouco mais de um ano, mas isso não o impediu de se lançar numa aventura rumo à Coreia do Sul. O tonganês será o primeiro atleta na história a conjugar as duas modalidades olímpicas.  

 

O tronco nu que correu mundo

 

A imagem de Taufatofua a entrar em tronco nu na cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro em 2016 tornou-se viral, mas a história que estava por trás era ainda mais impressionante.

 

O tonganês que vivia na Austrália trabalhava com crianças sem-abrigo em Brisbane e já evitara vários suicídios. Para chegar aos Jogos Olímpicos no Brasil, partiu seis ossos, fez três roturas de ligamentos, andou três meses de cadeira de rodas, um ano e meio de canadianas e passou centenas de horas em fisioterapia. «Valeu a pena», garantiu na altura.

 

«A verdade nem sempre é glamorosa, nem sempre é brilhante. A verdade é que tive mais lesões do que consigo contar, que perdi mais combates do que ganhei, que passei por graves problemas financeiros e que perdi grandes amizades ao perseguir este sonho.»

 

«Se há coisa de que me posso orgulhar é de nunca ter desistido, nunca ter parado. O desafio é o meu campo de batalha. O que me orgulha não é a minha habilidade, há muitos melhores do que eu, o que me orgulha é a minha persistência», disse, numa altura em que ainda nem sequer fazia ideia o que o futuro lhe reservava.

 

Quatro meses depois, os Jogos Olímpicos de Inverno surgiram-lhe na mente e nunca mais desapareceram. «Vou levar o meu sonho olímpico ainda mais longe. O meu objetivo é fazer com que as pessoas vejam que se eu consigo, elas também podem conseguir. Quero lutar por uma medalha olímpica em 2018», anunciou a 5 de dezembro de 2016.

 

Lema de vida

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Há uma diferença abismal entre chegar à prova de karaté nos Jogos Olímpicos no Verão e ao cross country nos de Inverno. Pita era mesmo karateca. Praticava a modalidade há vinte anos e estava no seu habitat natural, apesar de forçado a competir no taekwondo [karaté só se estreou em Tóquio]. Mas, já na altura, demonstrava que o seu lema de vida apregoava que o hábito pouco importante: «Não te sentes a um canto, não deixes que o mundo dite o que podes ou não fazer».

 

Pita Taufatofua escolheu uma modalidade de Inverno como uma pessoa faminta escolhe o que quer jantar a olhar para o menu de um restaurante. Depois de olhar para uma lista, decidiu-se pelo cross country. Nunca tinha esquiado na vida, não estava habituado ao frio e não tinha dinheiro nem para comprar um par de esquis, mas sentia-se alimentado pelo desafio.

 

Em janeiro de 2017 voou até à Alemanha para conhecer o treinador que o ia ensinar a esquiar. Foi também aí que teve um contacto mais intenso na neve. «Esta é uma história louca até para mim. Só penso “O que estou a fazer aqui? Tenho o rabo gelado!”», disse já este ano, na Áustria, em declarações ao The Wall Street Journal.

 

Pita aprendeu o básico mas não podia estar na Europa para sempre. E foi a voltar para a Austrália que percebeu que tinha de explorar uma alternativa à neve. Foi aqui que a mudança nos critérios de qualificação para os Jogos Olímpicos entrou: para facilitar o apuramento de atletas de países mais quentes e sem neve, a Federação Internacional de Esqui decidiu que as corridas de patins em linha poderiam ser contabilizadas para o apuramento.

 

Apuramento repleto de peripécias

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O caminho era simples de perceber: até 21 de janeiro, Pita Taufatofua tinha de conseguir terminar cinco provas com uma classificação inferior a 300 pontos. Na primeira prova que fez, em Perisher Value na Austrália, a 22 de julho de 2017, por exemplo, terminou com 799 pontos.

 

Com o passar do tempo, o tonganês foi treinando cada vez mais e começou a assimilar da melhor forma o que era necessário para participar de forma competitiva nas provas de patins em linha. E foi assim que entre 30 de novembro e 2 de dezembro conseguiu quatro resultados consecutivos com menos de 300 pontos. Ali, num abri e fechar de olhos, Pita estava a apenas uma prova de cumprir o sonho.

 

O calendário estava contra ele. O circuito de competição de patins em linha chegou ao fim e agora era mesmo preciso ir para a neve para completar o processo de apuramento. Fez seis provas na Turquia e… nada. Fez uma na Polónia e foi uma desgraça. Tentou até na Arménia, apenas para terminar com 584 pontos. Chegou a inscrever-se para uma excelente oportunidade na Croácia mas foi barrado na porta de embarque na Turquia durante a viagem por chegar uns minutos atrasado.

 

À boa maneira de Hollywood, restava apenas uma oportunidade. A janela de apuramento fechava a 21 de janeiro e Pita Taufatofua estava de olho numa prova em Isafjordur, na Islândia, marcada para dia 20. Tinha boas perspetivas mas chegar lá foi um pesadelo, tendo sido obrigado a ultrapassar um forte nevão que o deixou com uma visibilidade praticamente nula enquanto conduzia.

 

A verdade é que, já diz o ditado, depois da tempestade chegou a bonança. O tonganês terminou na sexta posição e somou 282 pontos, cumprindo a quinta prova que lhe faltava para garantir a qualificação.

 

PyeongChang-2018 é agora uma realidade. Pita Taufatofua está falido, a página que criou para angariar donativos não foi suficiente e chegar à Coreia do Sul poderá ser difícil. Mas, aconteça o que acontecer, não será agora que vai desistir. Além do mais, à boa maneira de Pita, já tem uma surpresa reservada para a cerimónia de abertura.

 

O lugar na história será dele. Já houve 99 atletas que conseguiram acumular participações olímpicas de Verão e Inverno mas nenhum o fez com esta combinação karaté-cross country. Se atletismo e bobsleigh (34) e ciclismo e patinagem de velocidade (18) até são muito comuns, o que Pita Taufatofua acabou de conseguir é único. Tudo para conseguir inspirar os outros.

RPS