Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]

É Desporto

É Desporto

03 de Maio, 2019

Pia Sundhage. Uma história escrita com penáltis

Rui Pedro Silva

Pia Sundhage recebe o diploma do terceiro lugar

Quando a FIFA organizou o primeiro Mundial de futebol feminino, Pia Sundhage já tinha 31 anos e uma longa história de sucesso ao serviço da Suécia. Na China, a jogadora era das mais experientes e envergava a braçadeira de capitã.

 

Era a referência óbvia. O balanço final deu-se com quatro golos, duas assistências e… um penálti falhado. A história de Pia Sundhage – um nome que muitos poderão ter na ponta da língua à conta dos dois títulos olímpicos conquistados como selecionadora dos Estados Unidos – escreve-se à base do número onze.

 

Foi aos onze anos, em 1971, que começou a jogar numa equipa sénior de futebol feminino na Suécia. Até lá, a ausência de opções fez com que se sentisse obrigada a ir jogar com rapazes, logo desde os cinco ou seis anos. «E mesmo assim era sempre das primeiras a ser escolhidas», garantiu.

 

Foi dos onze metros que teve os momentos mais importantes como internacional pela Suécia. Mas para chegar lá é preciso recuar até 1975, ano em que fez o primeiro de 146 jogos pelo seu país, contra a Inglaterra em Gotemburgo.

 

«Ganhámos 2-0. O selecionador ligou-me a anunciar a convocatória, mas também tinha lido no jornal. Foi especial para mim, porque tinha 15 anos, mas não estava nervosa porque era muito boa tecnicamente. Isso deixou-me confortável na equipa», disse.

 

De 1975 a 1984 passaram nove anos. Pia Sundhage nunca deixou de jogar futebol mas teve de aceitar trabalhos num posto de lavagem de carros e como secretária para ganhar o dinheiro que o futebol ainda não lhe dava.

 

1984 foi um ano especial e George Orwell não teve culpa nenhuma. Foi o ano em que a UEFA organizou pela primeira vez um Europeu de futebol feminino. A qualificação teve 16 equipas e se Portugal não foi além do último lugar do grupo 3 (dois empates e quatro derrotas com apenas um golo marcado, por Alfredina, contra a Suíça), a Suécia dominou um grupo com Noruega, Finlândia e Islândia (seis vitórias, 26 golos marcados e um sofrido) e garantiu a presença na final four.

 

Pia Sundhage pode ter marcado apenas três destes 26 golos na fase de qualificação mas quando o nível de dificuldade aumentou mostrou ser fundamental para a Suécia. Nas meias-finais, disputadas a duas mãos, marcou três dos cinco golos com que a Suécia eliminou a Itália (5-3). Depois, na final com a Inglaterra, decidiu a primeira mão, em Gotemburgo, com o único golo do jogo.

 

Duas semanas depois, em Luton, e com menos de três mil espetadores nas bancadas, o selecionador sueco, Ulf Lyford, queria ter tudo planeado ao pormenor. E se a Inglaterra empatasse a final e houve desempate por penáltis? Quem marcaria o derradeiro penálti? «Achei que não ia chegar a tanto e ofereci-me. Ele ficou aliviado, disse-me que agora já estava prometido», contou Pia.

 

A verdade é que chegou ao último penálti. Pia Sundhage foi a quinta jogadora da Suécia a marcar e sabia que se batesse a guarda-redes adversária, a Suécia entraria para a história como a primeira seleção a ser campeã europeia. A avançada não tremeu e fez o golo.

 

Do primeiro Europeu para o primeiro Mundial

Pia Sundhage (7) no Mundial-1991

Sete anos depois, a China organizou o primeiro Mundial. Pia Sundhage era uma jogadora experiente, já tinha centenas de golos marcados, fora quatro vezes campeã sueca e já tinha tido uma aventura no futebol italiano, ao serviço da Lazio. Tinha também feito história ao tornar-se a primeira mulher a marcar em Wembley, contra a Inglaterra em 1989.

 

A Suécia era uma natural candidata ao título e a experiência de Pia Sundhage era uma mais-valia imperdível. Na estreia, houve um penálti contra os Estados Unidos e foi outra jogadora, Hansson, a ser chamada a bater. Falhou a baliza. Na oportunidade seguinte, contra o Brasil, a capitã voltou a assumir a responsabilidade e não vacilou. Pia Sundhage liderava pelo exemplo.

 

O problema foi no terceiro e último jogo da fase de grupos, contra a China. Perante nova oportunidade, Sundhage desperdiçou e permitiu a defesa à chinesa Honglian Zhong, referência do torneio por ter sido a única a defender pontapés dos onze metros sem ser em desempates (um contra a Suécia, outro contra a Noruega).

 

Os dados estatísticos não deixam dúvidas: houve 12 penáltis durante o Mundial-1991. Três foram falhados: dois pela Suécia. Porém, o desperdício não afetou a campanha sueca na fase final, que terminou com o terceiro lugar.

 

Carreira brilhante como treinadora

Pia Sundhage

Pia Sundhage assumiu a carreira de treinadora poucos meses depois do Mundial da China. Continuava a jogar futebol, mas acumulava funções no Hammarby, clube com o qual conquistou duas Taças da Suécia. Pela seleção, jogou até 1996, participando em mais um Mundial e nos Jogos Olímpicos de Atlanta.

 

Quando as ações dentro das quatro linhas foram deixadas para trás, Pia Sundhage começou a desenhar uma carreira brilhante no banco de suplentes. Treinou nos Estados Unidos até 2007, ano em que foi anunciada oficialmente como selecionadora norte-americana. Os resultados falam por ela: não foi além de uma presença na final do Mundial-2011, perdida para o Japão, mas conquistou dois títulos olímpicos, em 2008 e 2012.

 

Quando a etapa nos Estados Unidos terminou, regressou a casa para orientar a Suécia. Com aspirações mais modestas, apesar da tradição, conseguiu ainda assim a medalha de prata no Rio de Janeiro. Curiosidade? O caminho até à final teve duas vitórias no desempate por grandes penalidades: nos quartos contra os Estados Unidos e nas meias contra o Brasil. Tinha de ser.