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É Desporto

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22 de Janeiro, 2018

Hugo Alves. O luger português que quer ir aos Jogos Olímpicos

Rui Pedro Silva

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Ficou fascinado com o luge depois de ter ido viver para o Japão em 2012. Começou a praticar, criou a federação portuguesa e agora está à porta de PyeongChang-2018. Pelo meio, deixa um recado a Seinfeld.  

 

Com o luge mesmo ali à porta...

 

Hugo Alves foi para o outro lado do mundo em 2012, depois de ter tentado viver com a mulher japonesa em Portugal. «Ela queria,​ mas as coisas estavam péssimas. Já tinha, à partida, a ideia de que ia ser difícil mas tentámos na mesma. Como as coisas não funcionaram muito bem, mudei-me para o Japão​.​»

 

Nascido em Oeiras, em 1981, Hugo deu por si na ilha de Hokkaido, perto de Sapporo, no norte do Japão. Não era a primeira vez que vivia fora do país – já tinha estado alguns anos em Inglaterra – mas nunca o choque cultural fora tão grande.

 

Foi esta mudança que fez com que o luge se atravessasse no seu caminho. «Pouco tempo depois de termos chegado, estávamos na sala, a televisão estava ligada e estava a dar luge. Perguntei à minha esposa onde era e o que estava a acontecer e ela praticamente que apontou o dedo pela janela. Era já ali ao lado», conta​.

 

«Disse-lhe logo: ​"​Vamos já amanhã! Quero experimentar isto!​"​». A época já tinha acabado e Hugo teve de esperar praticamente um ano mas assim que houve um evento para principiantes experimentarem a modalidade, o português foi o primeiro da fila. «Adorei. E as pessoas viram que eu estava tão excitado com aquilo que me convidaram para começar a treinar», continua.

 

As dificuldades do luge e o recado a Jerry Seinfeld

 

Jerry Seinfeld é um dos maiores humoristas na história e num dos seus espetáculos passa dois minutos a falar do luge. Segundo o norte-americano, é capaz de ser o único desporto em que os responsáveis podem apanhar alguém contrariado na rua, pô-lo em cima de um trenó e ainda assim ver o recorde do mundo batido. 

O português​ não conhece o espetáculo mas não deixou de reagir a essa aparência de facilidade. «Se estivesse a falar com ele, convidava-o a meter-se no trenó e a atirar-se lá de cima. Duvido que conseguisse acabar agarrado ao trenó sequer», diz, num misto de boa disposição e tentativa de desmistificar a ausência de dificuldade.

 

«Não é nada fácil. A maior parte dos atletas, dizem os treinadores, precisam de no mínimo dez anos de prática. E a maior parte começa a treinar aos sete, oito, dez anos. Começar com a minha idade já se torna praticamente impossível», comenta.

 

Hugo Alves conhece os perigos do luge. Afinal, começou a praticar apenas dois anos depois de um atleta georgiano, Nodar Kumaritashvili, ter morrido num acidente durante um treino de preparação nos Jogos Olímpicos de Vancouver. «É sempre um risco. Cada vez que nos deitamos num trenó e vamos a 100 ou 12​0​  quilómetros por hora, sabemos o que pode acontecer. Mas nunca tive medo, medo mesmo nunca tive.»

 

A evolução e o sonho olímpico

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Desde que desceu por uma pista pela primeira vez, Hugo Alves não voltou a pensar noutra coisa. «Quis mais e mais e comecei logo a pensar nos Jogos Olímpicos como um objetivo», garante.

 

O caminho não seria fácil e implicava muito mais do que apenas a evolução desportiva. «Foi preciso organizar uma federação, organizar os contactos. Conseguimos ter a aprovação provisória em fevereiro do ano passado, antes da semana internacional de treino em PyeongChang.»

 

Hugo Alves tornou-se o primeiro luger português. Era um pioneiro, à imagem de Lamine Guèye, o senegalês que criou uma federação de esqui no Senegal para poder participar nos Jogos Olímpicos de Sarajevo em 1984, e de Eddie Edwards, o britânico que conquistou o carinho do mundo nos saltos de esqui durante os Jogos Olímpicos de Calgary em 1988.

 

O estatuto não o faz sentir especial. «Tive a sorte de surgir a oportunidade e ser ainda mais fácil praticar a modalidade», garante, lembrando depois que hoje em dia é muito mais fácil surgir pioneiros do que na década de 80.

 

«O mundo está muito mais ligado com a internet. Essas histórias tornaram-se mais populares porque na altura não havia tanta ligação entre os países. Hoje já não é tanto assim. Em Sochi, havia um atleta do Tonga [Bruno Banani] e no ano passado, em Nagano, estava lá um atleta da Samoa», destaca.

 

Conseguir um lugar entre os melhores nos desportos de inverno pode ser mais fácil atualmente mas nem por isso Hugo deixa de se sentir orgulhoso por ter conseguido concretizar o processo e a gratidão pela possibilidade que lhe deram em Portugal. «Ser o pioneiro é sempre bom», mas o grande objetivo é que agora a modalidade não termine com ele e possam surgir mais praticantes.

 

«Foi um objetivo que alcancei. No início, quando decidi que queria tentar a qualificação para os Jogos Olímpicos, muita gente disse que era um maluquinho. “Mas alguma vez vais conseguir isso?”, perguntavam-me.»

 

Estreia acidentada

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A formalização da federação portuguesa permitiu a Hugo Alves estrear-se entre a elite em fevereiro de 2017. «Era a última prova do ano e eu já podia pontuar. Tive uma queda, fraturei duas costelas e sofri uma lesão na coluna. Mas não foi assim tão mau e recuperei bem. Pode parecer grave mas não foi assim tanto. Acho que ​re​comecei logo a treinar em abril.»

 

O regresso à pista não trouxe medo, apenas cautela. «Tinha na cabeça que me tinha magoado e estava um pouco cauteloso. Quando se começa a praticar um desporto mais tarde, já se sabe a noção dos perigos. Um adolescente não tem essa noção, não tem o medo, que se pode tornar uma barreira», afirma.

 

Hugo Alves explica que a maior parte dos atletas no circuito praticam luge há mais de vinte anos. «Não é como o Seinfeld diz, que qualquer pessoa o consegue, que parece que é fácil e que o atleta não está a fazer nada. A verdade é que temos de controlar o trenó do início ao fim.»

 

A complexidade do processo torna-se ainda mais delicada quando Hugo Alves compete sem a ajuda de um treinador. «Na semana passada estive em Oberhof sozinho e tive bem a noção da dificuldade que é quando não temos alguém a dizer-nos como podemos entrar em cada curva, onde temos de ter cuidado na condução. É preciso conhecer e estudar muito bem a pista porque há inúmeras coisas que escapam ao olho do espetador​.​»

 

O atleta português, que no passado até já representou Portugal no kayak polo, garante que é tratado como todos os outros durante uma prova. «Sou visto normalmente. Alguns são mais acolhedores do que outros mas nunca me senti como um outsider. Há quem dê apoio e ajude quando tenho mais dificuldades. E dão-me motivação com os comentários que fazem. Mas nunca tive alguém que chegasse a me perguntasse o que ando ali a fazer.»

 

«Nunca me senti mal em relação a isso. Todos sabem das dificuldades, não são como o Seinfeld. Sabem o que é preciso batalhar para estar ali. Não é qualquer um que consegue estar na tour mundial», garante.

 

Andar a percorrer o mundo para participar nos eventos do circuito mundial torna-se mais fácil com os apoios que recebe. «Consegui o apoio da Federação de Desportos de Inverno de Portugal e também do Comité Olímpico. Faço a vénia a Portugal pelos apoios que tive. Sem eles não teria conseguido», diz, reconhecendo que a Federação Internacional de Luge também dá apoios para o transporte e «algum apoio monetário por cada corrida».

 

A vida de um português no Japão

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Hugo Alves está há praticamente seis anos no Japão e, apesar de dizer que não foi muito fácil, reconhece que teve alguma sorte ao conseguir encontrar um trabalho para ser professor de inglês. Desde então, também já abriu uma pequena sala em casa onde também dá aulas particulares.

 

De resto, o japonês continua a ser… japonês para ele. «Ainda não é muito bom, podia ser muito melhor. Não estudo o japonês, falo inglês em casa e no trabalho também. Com o luge comecei a ter de falar mais mas, para cinco anos, é fraco. Mas safo-me: vou ao supermercado e no restaurante consigo pedir as coisas essenciais.»

 

Ler é ainda pior. «É extremamente difícil. Para ler o jornal são precisos uns…», diz Hugo antes de interromper a frase para confirmar o valor com a mulher. E depois acrescenta: «…uns 2000 caracteres. Mesmo os japoneses não sabem os caracteres todos. Às vezes a minha esposa tem de ir buscar o telemóvel para confirmar».

 

Hugo confessa-nos que a ausência do japonês até funciona de forma positiva, fazendo alusão à tensão que se vive no Extremo Oriente. «Pessoalmente, não quero ver notícias, não quero concentrar-me nisso. Se ligamos o noticiário, é praticamente só Trump e Coreia do Norte. Quando [os mísseis] passaram aqui por cima, só soube mais tarde, quando me disseram. Não há nada a fazer. Posso andar tranquilo sem saber de nada ou andar todos os dias com medo. Mas há muita gente que sente as tensões e anda preocupado com isso», diz.

 

Fevereiro será sempre um mês especial

 

A concentração do luger português está apontada para fevereiro. Der por onde der, será sempre um dos meses mais especiais na sua vida, tudo porque a mulher está grávida e o nascimento da filha está agendado para ​dia ​19. Hugo nem quer pensar na possibilidade de as duas coisas poderem acontecer ao mesmo tempo.

 

«Vai ser difícil conciliar a presença nos Jogos Olímpicos e na maternidade. Se for na data que está prevista, será difícil. Tenho mais medo disso do que da prova em si», admite, acrescentando que «são duas coisas únicas na vida». «Se tivesse de fazer uma escolha, provavelmente quereria estar presente no nascimento da milha filha​.​»

 

Por outro lado, lembramos-lhe que não há muitas pessoas que podem dizer, com orgulho, que o pai estava a disputar os Jogos Olímpicos quando nasceram. «Sim, isso ​é​ verdade. Isso também seria uma boa história para contar.»

 

A única coisa que Hugo Alves conta por agora são os dias até sair a confirmação oficial dos atletas qualificados. O atleta chegou a perder a esperança quando não chegou nenhuma informação à federação na data prevista mas, quando soube que havia mais atletas na mesma posição, recuperou alguma confiança.

 

«Há muitos cálculos e decisões a fazer», diz, reconhecendo que só começou este ano e que há atletas a lutar pela qualificação com mais pontos. «Acaba por ser um pouco difícil», admite. Por outro lado, não sabe até que ponto o facto de fazer parte de um país sem tradição poderá ajudar na atribuição de quotas especiais.

 

«Querem sempre ter mais nações nos desportos em cada modalidade. Quanto mais tiverem, mais contentes ficam. Não termos participado ainda é uma vantagem mas essas são decisões que não sou eu que tomo, não posso dizer muito sobre isso.» Resta esperar.

RPS