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É Desporto

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19 de Março, 2018

Don Haskins. O treinador que deixou a segregação racial no cesto em 1966

Rui Pedro Silva

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Western Texas Miners venceram o título de uma forma histórica: foram a primeira equipa a escolher um cinco inicial exclusivamente composto por jogadores afro-americanos. Numa era em que a segregação racial dominava os Estados Unidos, a iniciativa mereceu aplausos e ajudou a derrubar obstáculos, sobretudo no sul do país. 

 

Sem segundas intenções

 

Era um homem humilde. Sabia assumir um papel de liderança e fazia o que fosse necessário para proteger os jogadores. Promovia o bom ambiente e a diversão na equipa. Mas nunca teve a prioridade de passar uma mensagem social forte contra a segregação racial.

 

Mesmo assim, Don Haskins fez história. Foi o primeiro treinador na história da NCAA a escolher um cinco inicial composto exclusivamente por jogadores afro-americanos na final do basquetebol universitário. E ganhou: 72-65 contra os Kentucky Wildcats.

 

Foi mais do que um triunfo. Foi uma mensagem, uma batalha ganha, um aviso dado a todos aqueles que promoviam a segregação racial no recrutamento de jogadores e, sobretudo, mostravam grande orgulho nisso. Como Adolph Rupp, o treinador da equipa adversária, que tinha em Pat Riley – futuro campeão da NBA como jogador (Knicks em 1972) e como treinador (Lakers em 1982, 1985, 1987 e 1988, e Heat em 2006) – a sua grande estrela.

 

E o que importava tudo isto para Haskins? Aparentemente, muito pouco. «Não fiz questão de ter cinco jogadores afro-americanos no cinco inicial. Na altura de escolher a equipa, limitei-me a escolher os melhores cinco. Só queria vencer o jogo», disse.

 

A universidade de Western Texas – hoje conhecida por Universidade do Texas em El Paso – era o sítio certo para que esta marca fosse registada. Em 1955, tornara-se a primeira universidade do Texas a abolir a segregação e em 1962, quando Don Haskins chegou, já o recrutamento de jogadores afro-americanos era uma política em vigor.

 

A própria localização da universidade, junto à fronteira com o México, ajudava a estabelecer uma grande diferença entre El Paso e o resto do Texas, muito mais racista e promotor da segregação racial.

 

A composição da equipa não deixava margem para dúvidas: sete afro-americanos, quatro caucasianos e um hispânico. Todos misturados, davam uma equipa. Um coletivo em que o todo valia mais do que a soma das partes. E antes dos jogos a decisão de Haskins era sempre a mesma: «Escolher os melhores cinco. Foi o que fiz o ano inteiro».

 

Uma época quase perfeita

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As opções de Don Haskins não agradavam a adversários e a equipas de arbitragem. Durante toda a temporada, foram obrigados a superar atitudes reprováveis e decisões controversas mas, jogo após jogo, somaram vitórias.

 

O objetivo era chegar ao número um do ranking universitário mas havia sempre uma equipa pelo caminho: os Kentucky Wildcats. Na tarde do último jogo da fase regular, a derrota de Kentucky abriu caminho para essa oportunidade. Foi aí que a estratégia encravou: os jogadores sentiram que tinham a vitória sobre Seattle na mão e acabaram a perder por dois pontos.

 

O registo de 23-1 não colocou em causa a participação na fase a eliminar e a descontração não voltou a ser um obstáculo. Com maior ou menor dificuldade, chegaram à final e derrotaram Kentucky (72-65) num jogo em que tudo começou a correr bem desde o início.

 

O jogo tinha um simbolismo muito forte. Do outro lado, estava uma equipa unicamente branca e um desfecho negativo poderia reforçar o estereótipo. Mas os texanos venceram e mudaram a forma como o basquetebol era visto até então.

 

«O nosso único propósito era ser a melhor equipa de basquetebol do país», garantiu Harry Fluornoy, capitão e maior líder da equipa. «Foi uma época mágica. Tínhamos uma grande química e divertíamo-nos imenso. Tenho muito boas memórias dessa fase», disse o base Orsten Artis.

 

A festa dos Miners foi enorme e Willie Worsley, outros dos jogadores, guarda uma recordação especial desse dia: «Lembro-me de acenar aos adeptos de um descapotável e sentir-me como se fosse a Miss América».

 

Não era, obviamente, mas fez parte de uma mensagem muito forte. Na celebração dos 50 anos do jogo, em 2016, até o então presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, fez questão de assinalar o legado histórico: «Eles não o sabiam na altura mas a sua contribuição para os direitos civis foi tão importante como qualquer outra».

 

Marcas quase instantâneas do legado

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As consequências do triunfo dos Miners fizeram-se sentir quase de imediato. O sul dos Estados Unidos começou a esquecer a segregação e lançou-se numa corrida intensa ao recrutamento de jogadores afro-americanos.

 

Mesmo os Kentucky Wildcats, tão orgulhosos das suas equipas exclusivamente brancas, começaram a recrutar afro-americanos apenas três anos depois. As divisões conhecidas por não permitirem jogadores negros aboliram as suas regras e o basquetebol nunca mais foi o mesmo.

 

O presidente da NCAA, Mark Emmert, fez questão de sublinhar esta importância durante a cerimónia dos 50 anos do triunfo: «Os homens que homenageamos aqui fizeram mais do que vencer um campeonato. Tiveram um impacto profundo no país. Mudaram a face do desporto universitário».

 

«O desporto universitário sempre foi sobre dar oportunidades às pessoas. Mas todos sabemos que não era assim na altura. Nem todas as pessoas tinham oportunidades e esta equipa demonstrou que não só as podiam ter como deviam», acrescentou.