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É Desporto

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08 de Novembro, 2018

Divac e Petrovic. Uma amizade destruída por uma bandeira

Rui Pedro Silva

Vlade Divac e Drazen Petrovic

Os movimentos independentistas ganhavam cada vez mais força na Jugoslávia e meses antes do Mundial de Basquetebol na Argentina, em 1990, já os croatas tinham votado em peso a favor da separação. Os primeiros sinais de guerra apareceram logo em maio, com os conflitos num Dínamo Zagreb-Estrela Vermelha, mas a seleção de basquetebol conseguiu chegar a agosto com o espírito de grupo intacto.

 

O título – o terceiro da história e o primeiro em doze anos – foi alcançado mas o que seria um motivo de orgulho acabou por marcar o fim irremediável da relação entre melhores amigos: o sérvio Vlade Divac e o croata Drazen Petrovic.

 

Tudo começou com uma idolatria quando Vlade Divac era adolescente. «Ele [Petrovic] era o meu ídolo. Eu tinha 13 anos e ele já tinha 17. Já se falava de alguém que ia ser o melhor jogador da Europa. E todos os miúdos, não apenas eu, começaram a seguir a sua carreira.» E havia razão para isso. O «Mozart do basquetebol» era um exemplo. A mãe revelou num documentário da ESPN, «Once Brothers», que Drazen «ia para o ginásio sozinho às seis da manhã quando andava na escola». «Era assim que gostava de treinar. Nunca se deixava impressionar pelo sucesso, acreditava sempre que podia fazer mais.»

 

Em 1988, o caminho de Divac e Petrovic juntou-se finalmente na seleção jugoslava que preparava a participação nos Jogos Olímpicos de Seul. O estágio de três meses foi feito nas montanhas em Rogla, na atual Eslovénia. Os responsáveis decidiram os pares dos quartos com base nas diferentes personalidades e Divac e Petrovic ficaram juntos. Se um era o exemplo perfeito do trabalho árduo e do acordar cedo, o outro era, contam os colegas, alguém que dava tudo por mais uns minutos na cama.

 

Os anos que se seguiram fortaleceram os laços entre as duas principais figuras de uma seleção que também contava com Toni Kukoc e Dino Rada. Em Seul, foram vice-campeões olímpicos e no ano seguinte, em Zagreb, conquistaram o Europeu. Nessa altura, os dois abriram as portas da NBA para os europeus. Vlade Divac foi escolhido pelos LA Lakers, enquanto os Portland Trail Blazers fizeram finalmente uso à escolha no draft de 1986. Um ia jogar com Magic Johnson, o outro com Clyde Drexler.

Divac foi para os Lakers, Petrovic para os Blazers

As dificuldades na língua e na adaptação fizeram como que Divac e Petrovic começassem a falar todos os dias. O primeiro era utilizado e somava sucessos, o segundo sofria para ter minutos em campo. «Sentia-me mal quando alguém que marcava 40, 50, 60 pontos na Europa me ligava satisfeito a dizer que tinha feito dois pontos», desabafou Vlade Divac no mesmo documentário.

 

A primeira época na NBA pode ter sido frustrante para Drazen Petrovic, apesar da presença na final, mas o Mundial da Argentina estava a caminho. A tensão na Jugoslávia aumentava mas Divac garante que os jogadores não se deixaram afetar: «Jogávamos basquetebol, não fazíamos política». Durante a competição, os movimentos nacionalistas ganharam ainda mais força e os elementos da equipa foram avisados para ignorar possíveis episódios.

 

Era 19 de agosto e a Jugoslávia acabara de derrotar a União Soviética por 92-75 para se sagrar campeã. Durante os festejos, um adepto consegue entrar em campo com uma bandeira croata. Vlade Divac conta o seu testemunho: «Aconteceu uma coisa que me ia assombrar para sempre. Disse-lhe que aquela bandeira não pertencia ali e ele respondeu-me a dizer que a bandeira da Jugoslávia era uma valente merda. Eu fiquei tão chateado que agarrei nela e atirei-a fora».

 

Fim de conversa? Nem por isso. Num primeiro momento, a situação parece ter passado em claro mas o regresso à Jugoslávia foi difícil. A imprensa da Croácia tinha empolado a situação. «Tudo tinha ficado fora de proporção. E o Divac estava com muito má publicidade porque as pessoas usaram a história para inventar coisas», explicou Dino Rada, um croata da seleção. «Houve histórias de que ele tinha cuspido na bandeira, que a tinha pisado», acrescentou Toni Kukoc em declarações à ESPN.

 

Drazen Petrovic era um croata orgulhoso e sempre interpretou a ação de Vlade Divac como um ato político. A partir daí, a relação entre os dois esfriou, apesar das tentativas de apaziguamento. «Ele dizia-me que a situação na Jugoslávia estava má e que era melhor esperarmos para ver no que ia dar», conta o sérvio. Entretanto, a guerra atingia novos limites e milhares de pessoas morriam diariamente. A atitude de Divac tinha feito dele um herói na Sérvia mas um vilão na Croácia. Por isso mesmo, outros croatas como Toni Kukoc e Dino Rada eram incentivados a cortar relações. «Voltei a casa e os meus amigos, que lutavam na primeira linha, diziam-me para não falar com ele, porque poderia ter um problema», recordou Toni Kukoc.

 

Vlade Divac defendeu-se sempre garantindo que estava a manter a Jugoslávia como um todo e não a atacar a Croácia mas as suas ações nunca foram entendidas. Petrovic não o desculpou e a relação acabou de forma abrupta, até porque em 1993 o croata morreu num acidente de viação na Alemanha.

 

«Sempre pensei que um dia poder-me-ia sentar à frente de Petrovic para conversarmos. Mas esse dia nunca chegou. Construir uma relação demora anos. Para a destruir, basta um segundo. Foi exatamente o que nos aconteceu.»