Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]

É Desporto

É Desporto

06 de Novembro, 2017

Benfica. Um ambiente quente-quentinho para receber o Espinho

Rui Pedro Silva

IMG_5645.JPG

Jogo grande da jornada de domingo de voleibol foi praticamente à mesma hora do V. Guimarães-Benfica mas nem por isso o pavilhão pareceu mais deserto. A experiência de duas horas em que houve espaço para a árbitra ver vários vermelhos, Roberto Reis ficar com as orelhas quentes e um adolescente expressar o seu ódio a… Marco Silva. Esse, o treinador do Watford. 

 

O aperitivo e o prato principal

 

O domingo ia ser dedicado a uma dose dupla de voleibol. Com um Sporting-Clube K às 15h00 e um Benfica-Sp. Espinho às 17h00, era esperado que desse para acumular os dois jogos, mais não seja porque dificilmente a equipa açoriana ia conseguir arrastar o jogo no Pavilhão João Rocha para um quarto set.

 

A cronologia foi perfeita. Triunfo simples dos leões, andar até ao carro, fazer a Segunda Circular, estacionar junto ao pavilhão da Luz, pagar o bilhete (para adepto, o Benfica-Sp. Espinho custou cinco euros e foi um euro mais barato do que o Sporting-Clube K) e entrar mesmo a tempo de ver o final do aquecimento.

 

É natural sentir o choque ao entrar no pavilhão n.º2 da Luz depois de ter visto um jogo no João Rocha. As diferenças entre os dois são acentuadas. Se um é maior e mais moderno, o outro já tem história, já respira alguma tradição e, sobretudo no voleibol, tem um clima que o rodeia há anos.

 

É mais pequeno mas, ao mesmo tempo, mais quente, mais hostil. Especialmente quando o speaker decide anunciar a árbitra do jogo, Raquel Portela. Ainda a última sílaba do apelido não tinha sido proferida e já os insultos da bancada voavam como serviços diretos: «Sua puta! Vaca! Cabra de merda!»

 

A onda de protestos não se ficou por aí. Logo na primeira fila, junto à cadeira da árbitra, vários adeptos e adeptas exibiam veementemente cartões vermelhos, repudiando as atuações anteriores da árbitra nos jogos do Benfica.

 

Esta é uma diferença entre os dois ambientes. Nos últimos 23 anos, a equipa de voleibol do Sporting fez… oito jogos. A equipa renasceu e está a dar os primeiros passos e ainda não tem um passado de rivalidade ou incompatibilidade com adversários e árbitros como o Benfica.

 

Sim, o Benfica será um eterno rival do Sporting mas as duas equipas defrontaram-se na primeira jornada. Mais do que uma rivalidade do voleibol, foi o duelo de uma rivalidade clubística. Quando se põem encarnados e tigres frente-a-frente, há também uma história específica no voleibol, de crónicos candidatos aos títulos em Portugal.

 

Velhos conhecidos

IMG_5640.JPG

O primeiro set é disputado com o Sp. Espinho à nossa frente. Perto de nós, os mesmos adeptos que não perdoaram Raquel Portela mostram também algum rancor a Roberto Reis, antigo jogador dos encarnados.

 

As bocas sucedem-se mas o ambiente só escala verdadeiramente quando Hélio Sanches atira a bola para a bancada com relativa violência depois de a equipa de arbitragem ter invertido uma decisão. Naturalmente, o clima ficou ainda mais quente. O jogo estava parado há algum tempo e, surpreendentemente, nenhum dos árbitros conseguiu ver o gesto, mas a bancada não perdoou e fez o possível para precipitar uma decisão, conseguindo apenas subir mais um nível de indinação contra Raquel Portela.

 

Vira o disco e… toca o mesmo?

 

O final do primeiro set faz-nos mudar de bancada. Queríamos um lugar mais longe da polémica e dos protestos mas nem por isso tivemos grande sucesso. Ou melhor, tivemos, mas nem por isso deixámos de ter uma companhia curiosa.

 

A plenos pulmões mas com uma voz já legalmente rouca, um velho gritava o que podia. E foi assim durante os três sets até ao triunfo final dos encarnados. As vítimas eram sempre as mesmas duas: Filipe Vitó, histórico voleibolista e atual adjunto de Rui Pedro Silva em Espinho, e Roberto Reis, antigo jogador dos encarnados.

 

«Ó Vitó, volta para a tua avó!», gritou, sem exagero, umas cinco vezes seguidas enquanto o treinador falava com um elemento que estava a fazer mesa. Com Roberto Reis, o manancial de recados era maior. «Ó Robeeeeerto, no Benfica não eras assim!» era o ás de trunfo, mas também juntava referências ao facto de passar a vida lesionado nos encarnados e de pisar sempre a linha no serviço. Este adepto tornou-se também a pessoa mais velha que alguma vez já ouvimos a gritar “viroooooooooooooooooou” durante um serviço do adversário.

 

Viveu o jogo de forma apaixonada, fez-se ouvir e não passou despercebido aos suplentes do Sp. Espinho, que começaram a olhar por cima do ombro sem conseguir disfarçar o sorriso com o que iam ouvindo. Reparem: o adepto não era agressivo. Podia ser chato, podia ser repetitivo, mas era dedicado e parecia perceber minimamente o que estava a ver. Talvez o melhor enquadramento seja «um adepto castiço das modalidades».

 

E o Benfica em Guimarães?

IMG_5649.JPG

O final do segundo set marcou, mais minuto menos minuto, o pontapé de saída do V. Guimarães-Benfica. Olhamos em volta e conseguimos perceber que há muita gente com auriculares nos ouvidos a acompanhar o que se passa no Minho.

 

Numa barraquinha à entrada do pavilhão, que vende batatas fritas, queijadas de Sintra e outros mata-fomes, um homem não nos consegue ouvir quando perguntamos quando custa um pacote. Está concentrado no relato e pensa que estamos simplesmente a pedir uma embalagem.

 

Não deixa de ser natural que, com tanto interesse, o golo do Benfica, marcado por Jonas, seja anunciado pelo speaker durante um tempo técnico. Curiosamente, esperávamos uma reação mais efusiva. Possivelmente, terá sido por a maior parte deles já saber, tal como nós, que tínhamos acabado de ouvir um adolescente atrás de nós a comunicar a mudança no marcador.

 

Aliás, este adolescente foi um verdadeiro ponto de contacto com o futebol internacional durante aqueles minutos. Com uma aposta a dinheiro feita nos jogos da tarde do campeonato inglês, faltava-lhe apenas que o Watford não perdesse no terreno do Everton.

 

O interesse no voleibol parecia nulo. Tinha os olhos vidrados no telemóvel e não conseguiu silenciar a desilusão quando percebeu que o Everton tinha feito o 3-2 aos 90 minutos. Segundos depois, a voz ganhou vida: «Mas o árbitro deu 12 minutos de desconto. Ainda há esperança».

 

O amigo tentava animá-lo, não escondendo muito bem um tom de gozo perante o sofrimento, e, pelo meio, havia até espaço para telefonemas com um outro amigo que, ao que pareceu, também estaria envolvido na aposta. Quando o Watford tem um penálti nos descontos, a festa é maior do que em qualquer ponto do Benfica mas, ingratamente, percebe quase imediatamente que foi desperdiçado. «Agora sim, Marco Silva: ódio eterno», dispara, fazendo-nos duvidar se será mesmo adepto do Benfica.

 

Despacito espinhense

IMG_5647.JPG

O Benfica venceu 3-1 mas nenhum dos quatro sets foi decidido por mais do que dois pontos. Depois de um empate a um, com um último ponto em que Raquel Portela voltou a ficar com as orelhas quentes, os tigres estiveram com pontos de set a favor nos terceiros e quartos parciais, abrindo algum ânimo entre os adeptos que tinham viajado do Norte.

 

Quase sempre calados, aproveitaram alguns dos momentos em que o Sp. Espinho pareceu mais forte para se fazerem ouvir com um «For-ça ‘Spinho» ao ritmo de «Des-pa-cito», numa melodia que ameaça ter vindo para ficar no desporto nacional.

 

Eram poucos e não conseguiram fazer a diferença, tal como os jogadores em campo. Tanto no terceiro como no quarto set, o Benfica conseguiu recuperar a desvantagem e chegou a novo triunfo que lhe vale três pontos e a liderança isolada do campeonato.

 

A missão estava cumprida e ainda foram a tempo de ir ouvir/ver o final do V. Guimarães-Benfica. Nem sempre tem sido assim mas, pelo menos naquele domingo, a tarde desportiva não podia ter sido melhor. Com uma dose dupla de 3-1.

RPS/SSM