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É Desporto

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23 de Maio, 2018

Batalha de Santiago. A carnificina que inspirou a criação dos cartões

Rui Pedro Silva

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Chile era o anfitrião e queria defender a sua reputação, a Itália tinha o sangue latino a correr no sangue e não estava ali para ficar a ver jogar. Perante a impotência de Ken Aston, a agressividade subiu de tom acompanhando as polémicas dos dias anteriores. O árbitro britânico acabou por ser o criador dos amarelos e vermelhos no futebol. 

 

Repulsa do comentador

 

David Coleman era um comentador da BBC destacado para o Mundial do Chile em 1962. A 2 de junho, depois do encontro, preparou um resumo e avisou os adeptos de que talvez não estivessem preparados para o que iam ver, ao mesmo tempo que anunciava a necessidade de se fazer algo para impedir que equipas se apresentassem assim num evento desportivo.

 

«O jogo que estão prestes a ver foi a mais estúpida, deplorável, nojenta e desgraçada exibição de futebol possivelmente na história do jogo. Chile contra Itália: foi a primeira vez que as duas seleções se defrontaram e esperamos que tenha sido a última», começou por dizer, ignorando quaisquer rodeios na apresentação da mensagem.

 

Coleman continuou o seu discurso feroz contra o que se tinha passado. «O lema nacional do Chile diz que “através da razão ou através da força”. Hoje, os chilenos estavam preparados para ser razoáveis, os italianos só usaram a força. O resultado foi um desastre para o Mundial. Se o Mundial quer sobreviver no seu estado atual, algo tem de ser feito em relação a este tipo de acontecimentos. De facto, depois de verem o resumo em casa, pensarão que equipas que jogam assim deviam ser expulsas imediatamente da competição. Vejam o que pensam…»

 

A origem do mal

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O problema do Chile-Itália foi começar a jogar-se muito tempo antes do apito inicial, culpa de dois correspondentes italianos. Numa das peças publicadas, não tiveram qualquer problema em arrasar o anfitrião.

 

Queixaram-se que os telefones não funcionavam, que os táxis eram tão raros como maridos fiéis, disseram que a população era propensa à malnutrição, iliteracia, alcoolismo e pobreza e que Santiago era a capital de todos os males da América do Sul.

 

As descrições de Antonio Ghirelli e Corrado Pizzinelli provocaram um autêntico furacão no Chile. As peças foram traduzidas para espanhol num jornal local e atiçaram a ira dos chilenos contra não apenas os jornalistas mas todos os italianos, dentro e fora de campo.

 

Quando o jogo começou, não foi preciso esperar muito até se perceber que o caldo estava entornado e que o árbitro britânico Ken Aston teria um trabalho impossível. A primeira falta aconteceu aos 12 segundos e, mais do que as faltas em si, foi a agressividade de cada infração que dominou a toada do encontro.

 

Aston fez o possível, o impossível e demonstrou alguma tendência para favorecer os chilenos. No meio de tanta agressividade, apenas dois italianos foram expulsos: Giorgio Ferrini, que se recusou a abandonar o campo e teve de ser escoltado pela polícia, e Mario David.

 

O Chile de Fernando Riera, que viria a assumir o comando técnico do Benfica no mês seguinte, venceu a Itália de Trapattoni (não foi utilizado no encontro) por 2-0 mas nem o fim do jogo acalmou os ânimos. Aliás, como se vê no resumo da BBC, assim que Aston apontou para os balneários, uma nova rixa nasceu nas suas costas, com italianos e chilenos a pontapearem-se, erguendo os punhos à procura de mais conflito.

 

Um jogo de inspiração

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Ken Aston evoluiu para ser um dos elementos mais importantes na história da arbitragem, pelo menos como a conhecemos hoje. Foi o britânico que, cinco anos depois da Batalha de Santiago, inventou os cartões amarelos e vermelhos.

 

As expulsões já existiam, tal como Aston foi obrigado a provar no Mundial-1962, mas a noção de haver dois cartões a punir categorias diferentes de infrações foi uma novidade no mundo do futebol. E tudo começou quando estava parado num semáforo e entendeu que o amarelo poderia servir como sinal para abrandar e o vermelho para definir uma paragem final.

 

«Enquanto conduzia, o semáforo ficou vermelho e pensei: «Amarelo, vai com calma. Vermelho, pára, estás fora!», explicou mais tarde.