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É Desporto

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24 de Fevereiro, 2017

Asante Kotoko. A final africana perdida por falta de comparência

Rui Pedro Silva

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Ganeses eram os favoritos frente ao TP Englebert (hoje TP Mazembe) mas empataram os dois jogos da final. O árbitro quis decidir o troféu por moeda ao ar mas a CAF entendeu que teria de ser organizado um terceiro jogo. Um mês depois, nos Camarões, o Asante Kotoko não apareceu. O treinador tinha 24 anos e era brasileiro. Chamava-se Carlos Alberto Parreira. 

 

Um brasileiro no Gana

 

A década de 60 do século XX ficou marcada pela supremacia do Gana a nível de seleções africanas. Os Black Stars tinham sido campeões africanos em 1963 e em 1965 mas ainda assim o governo queria mais. O objetivo era dar um passo decisivo para que o desporto ganês subisse um patamar em relação a todos os rivais continentais.

 

No futebol, a solução passou por estabelecer um acordo bilateral com o Brasil. Por carta, os dirigentes ganeses enviaram um pedido a uma universidade do Rio de Janeiro. O objetivo era que enviassem alguém metódico que pudesse fazer a diferença na preparação física e tática da equipa.

 

A resposta veio sem margem para dúvida. Havia um candidato ideal: um preparador físico de 23 anos, ainda sem experiência clara numa equipa de futebol, mas cujos estudos e teorias prometiam fazer a diferença. Chamava-se Carlos Alberto Parreira.

 

A tarefa incluía não só orientar a seleção mas também uma das melhores equipas do país, o Asante Kotoko. Em troca, tinha direito a 100 dólares semanais e renda, deslocações e comida asseguradas. «Apesar das dificuldades que a mudança poderia ter significado, foi uma oportunidade de ouro na minha vida», disse.

 

Embrião de sucesso

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Carlos Alberto Parreira faz 74 anos dentro de três dias. A carreira está feita, não tem mais nada a provar a ninguém. O campeonato mundial conquistado com o Brasil em 1994 foi o maior momento mas a presença em fases finais não começou nem terminou aí.

 

O brasileiro orientou também o Kuwait em 1982, os Emirados Árabes Unidos em 1990, a Arábia Saudita em 1998, novamente o Brasil em 2006 e a África do Sul em 2010. Em clubes, foi campeão pelo Fluminense em 1984 e pelo Fenerbahçe em 1996.

 

Tudo isto aconteceu depois da experiência no Gana. Aí sim, tinha muito a provar e, de certa forma, ficou associado a um dos episódios mais caricatos na história do futebol africano: a final da Liga dos Campeões Africanos de 1967.

 

O Asante Kotoko contava com vários internacionais no plantel e era visto como um dos mais fortes candidatos. Na primeira ronda, eliminou os senegaleses do Saint-Louisienne com duas vitórias, somando depois mais dois triunfos nos quartos-de-final frente ao Stade D’Abidjan (3-1 e 5-2). No último passo rumo à final, os malianos do Djoliba deram mais trabalho mas também ficaram pelo caminho (1-1 e 2-1).

 

O TP Englebert foi o derradeiro adversário. Hoje conhecido como TP Mazembe e com cinco títulos, na altura era apenas o primeiro passo da batalha zairense pela supremacia no futebol. Os dois jogos da final foram agendados para 19 e 26 de novembro.

 

E depois de dois empates?

 

A primeira mão foi no Gana e terminou com um empate a um golo. Sete dias depois, no Zaire (atual República Democrática do Congo), em Kinshasa, Carlos Alberto Parreira iria passar por uma das tardes mais estranhas da sua vida.

 

«Não ganhámos em campo porque a final foi no Zaire, o estádio estava a abarrotar e o árbitro estava muito pressionado, com o exército presente. O Kotoko estava a vencer 2-1 quase no final do jogo mas quando o meu defesa cortou um lance com o peito, o árbitro disse que tinha sido com a mão e assinalou penálti», recorda o treinador.

 

A intimidação não se limitou ao jogo. Antes do apito inicial, horas antes, já o estádio estava cheio, com cerca de 100 mil espetadores. «Carros blindados andavam à volta do relvado com o presidente Mobutu a acenar para a multidão e com os guardas com as armas preparadas para disparar», continuou, antes de relevar que foi tratado como um inimigo.

 

«Foi assustador, especialmente porque pareciam estar todos a gritar ‘Mercenário! Mercenário’ na minha direção!», contou.

 

Indecisão decisiva

 

Com a final empatada a três golos depois de 180 minutos, o jogo seguiu para prolongamento. Jogou-se mais meia hora mas não houve qualquer golo. «No final, o árbitro disse que o vencedor seria decidido por moeda ao ar mas houve uma invasão de campo e o caos instalou-se», disse.

 

A decisão estaria guardada para o dia seguinte mas um dirigente da Confederação Africana de Futebol usou os regulamentos e lembrou que teria de ser marcado um terceiro jogo, de desempate, em terreno neutro.

 

«Mais tarde, soubemos que o jogo tinha sido marcado, mas ninguém nos avisou. Ninguém nos disse. A equipa do Zaire foi considerada vencedora mas eu também me sinto vencedor», garantiu Carlos Alberto Parreira, referindo-se ao encontro agendado para 27 de dezembro em Yaoundé, nos Camarões.

 

No ano seguinte, como selecionador ganês, Carlos Alberto Parreira voltou a estar no lado derrotado. Na final da CAN-1968, na Etiópia, o Gana foi derrotado pelo… Zaire.