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É Desporto

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30 de Outubro, 2019

Andreas Thom. A histórica transferência entre Alemanhas

Rui Pedro Silva

Andreas Thom com Thomas Doll no Dínamo Berlim

A queda do Muro de Berlim a 9 de novembro de 1989 abriu caminho para o desaparecimento da Oberliga e para um período louco de transferências dos jogadores da RDA. Andreas Thom, estrela do Dínamo Berlim e um dos maiores talentos da seleção, entrou para a história ao protagonizar a primeira transferência negociada com a RFA.

Não foi preciso esperar pela queda do muro para haver jogadores da Alemanha Oriental a cruzar a fronteira e a representar uma equipa da Alemanha Ocidental. Lutz Eigendorf, nos anos 70, e Frank Lippmann, na década seguinte, são dois exemplos de grandes talentos do futebol germânico que fugiram do seu país à procura de melhores oportunidades. Mas ambos tiveram de cumprir um período de suspensão da UEFA até poderem prosseguir a carreira futebolística.

Depois da noite histórica de novembro, tudo mudou. A fronteira tinha reaberto e deu início a uma verdadeira corrida ao talento que até então estava fechado a sete chaves. O treinador da RDA, Eduard Geyer, confessou logo a 15 de novembro, dia em que a seleção falhou o apuramento para o Mundial-1990, que os jogadores estavam com a cabeça noutro sítio e que passavam horas atrás de horas em telefonemas loucos à procura de um clube para jogar.

Era difícil fugir à tentação. Até então tinham sido guardados numa redoma, sem liberdade, exibidos como animais de zoo e com acesso escasso a bens. Do outro lado da fronteira estava um mundo de oportunidades: mais dinheiro, mais opções e, sobretudo, um campeonato mais competitivo.

As equipas da RDA não tiveram outra solução que não negociar os seus talentos com as equipas rivais e Andreas Thom entrou para a história ao protagonizar a primeira transferência negociada entre as duas Alemanhas. Saiu do Dínamo Berlim, assinou pelo Bayer Leverkusen a troco de 2,8 milhões de marcos e estreou-se de forma brilhante, dois meses depois, ao marcar no triunfo por 3-1 contra o Homburg.

Andreas Thom ao serviço do Leverkusen

A sagacidade negocial do diretor do clube de Leverkusen, Rainer Calmund, associada à falta de experiência dos dirigentes do Dínamo Berlim, levou a que o negócio se tornasse ruinoso para o lado oriental. O valor acordado não era mais do que um número de referência e terá havido uma negociação para que parte da verba fosse acomodada em géneros: 300 motos de origem japonesa.

Feitas as contas, no final não houve praticamente dinheiro a mudar de mãos, numa tendência de supremacia do Oeste sobre o Este que ajudou a agravar irremediavelmente as diferenças de qualidade no futebol.

A transferência de Thom foi apenas o mote. Até ao final da temporada, os melhores talentos de equipas como o Dínamo Berlim e Dínamo Dresden foram como lagostas no aquário à espera de serem selecionadas: Thomas Doll foi para o Hamburgo, Ulf Kirsten seguiu para o Leverkusen e Matthias Sammer assinou com o Estugarda.

O Dínamo Berlim não foi a única equipa a ser enganada pelas tendências da nova economia de mercado. O Dínamo Dresden seguiu as mesmas pisadas na transferência de Matthias Sammer: na negociação com o Estugarda fora incluído um autocarro novo para a equipa mas, como em tantos outros contratos pelo mundo fora, houve alguém incapaz de ler o que diziam as letras pequenas.

Três anos depois, o Estugarda exigiu o autocarro de volta porque, de acordo com o que estava negociado, era apenas um contrato de leasing. «Nenhum de nós tinha ouvido alguma vez falar em leasing», recordou um diretor da equipa de Dresden praticamente vinte anos depois.